Este século trouxe muitos questionamentos ao processo democrático, que muitos julgavam ser inquestionável. Não perfeito, mas o melhor de todos os sistemas conhecidos até então.

Nos últimos tempos as mudanças são intensas e muito rápidas em várias áreas da sociedade. O fenómeno da mudança sempre esteve associado a um saudosismo e aos famosos velhos do Restelo. Pois, há sempre uma fação da sociedade que é avessa a mudar. A isso chamávamos conflito geracional… por norma, seriam mudanças que se verificavam com a chegada de uma nova geração. Hoje, não há um compasso de tempo para as mudanças, estas surgem e atropelam-se umas às outras.

De acordo com o Centro para o Futuro da Democracia da Universidade de Cambridge 58% dos eleitores, em 2019 estavam insatisfeitos com o funcionamento da democracia.

Esta insatisfação pode assentar em inúmeras causas. Vejamos, a história recente: o governo caiu com base na atuação dos poderes judiciais, que nós não elegemos.

Hoje, os órgãos políticos que elegemos têm cada vez menos poder. Melhor os Estados-Nação têm cada vez menos poder. A globalização económica traz desafios à escala mundial o que tornou necessário conceder e empoderar superorganizações como o Fundo Monetário Internacional ou a Organização Mundial do Comércio. Além disso, temos as multinacionais que polarizam o mundo com a sua influência.

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Na Europa a ação em bloco da comunidade vai encolhendo a área de atuação dos Estados-Nação. Em bom rigor, grande parte das decisões são tomadas no Concelho Europeu. Esta é uma evolução deliberada pelas decisões europeístas que formam sendo tomadas para incrementar o projeto europeu. Só que há um ponto importante: este processo decisório não foi acompanhado por um projeto democrático à escala europeia. Esta é mais uma barreira, o voto do cidadão não chega para influenciar as decisões políticas nos meandros europeus.

Este mecanismo afasta decisores de eleitores. Desta forma, além, dos representantes políticos terem hoje menos poder para decidir e para implementar muitas medidas que os seus eleitores querem, estão ainda culturalmente muito distantes do cidadão.

Este afastamento da realidade política do quotidiano das pessoas mina a confiança no processo democrático. Assim, além de menos poder, os políticos também se tornaram culturalmente mais distantes dos cidadãos do seu país distanciando-se dos valores e dos anseios de parte importante do eleitorado, em especial daquele que apresenta menos formação. São estes que depois procuram respostas noutras alternativas políticas, que conhecendo este eleitorado adaptam o seu discurso e demonizam o sistema. Estes discursos que são inflamados e cheios de chavões contra o sistema levam a que muitos, que se sentem excluídos do sistema, se sintam representados e acolhidos.

Importa que a democracia ganhe novamente alento para se reinventar e possa acolher e validar a maioria dos anseios eleitorais. Fazer as pazes com o povo que lutou por ela, e que agora sente que esta se tornou elitista. Só assim, poderá continuar a cantar-se abril por mais 50 anos.