Há invenções “relativamente recentes” na história da educação escolar, consolidadas após a revolução industrial e que operaram profundas transformações na nossa sociedade, como é o caso das notas e classificações, que surgem disciplinando, controlando e organizando sob a égide dos valores da modernidade da igualdade e da liberdade.

Como todos sabemos, os recursos são sempre ilimitados e para não ensandecermos com a observação de quão baixos são os rácios professor/alunos, quão fugaz é o tempo disponível para cumprir os programas curriculares definidos, quão poucos são os espaços de questionamento, criação e experimentação para crianças e jovens, quão estagnada é a formação de professores, quão pouco centrada a facilitação das aprendizagens é na pessoa do aluno, nas famílias, na comunidade, no mundo do trabalho actual, nos desafios societais, quão insuficiente é a reflexão acerca da eficácia dos processos pedagógicos mobilizados mantemo-nos (genericamente falando) com uma escola do século XIX, argumentando com um “eles – os do século XXI — agora não querem saber nada”, como subterfúgio para escapar ao terrífico horizonte do novo e da mudança que não se sabe como iniciar nem com que rumo.

Sou do tempo (adoro a expressão saudosista e auto-referenciada) das primeiras provas globais no Ensino Secundário, que em 1994 ficou conhecida como geração rasca após os protestos estudantis, da autoria do jornalista Vicente Jorge Silva. De pouco ou nada valeu: os exames vieram para ficar (e bem que os tive de fazer) e até se multiplicaram para outros níveis de ensino, aculturando-se o espaço formal de ensino-aprendizagem com o da avaliação. Não aquela avaliação didáctica que serve o propósito de verificar progressos, dificuldades e orientar acções futuras conjuntas do binómio professor – aluno. É antes uma avaliação penalizadora ou limitadora, que pouco contribui para a autoconfiança do estudante e impulsionadora de compromissos com o aprender, que se transforma num fim supremo, instrumentalizando a escola para definir o futuro de quem por lá passa.

São conhecidos os dramas das mães e pais destes estudantes, muitos deles com dúvidas entre insistir pressionando para a obtenção de determinadas notas ou médias que julgam assegurar os tais futuros de sucesso pessoal e o absterem-se de tentar viver a vida dos filhos como se da deles se tratasse, colocando entre parêntesis suas angústias e medos, num movimento vai-e-vem.

Um pouco menos conhecidas são as ambivalências e contorcionismos dos professores em leccionar a matéria toda, orientados para o desempenho em exames e provas e de estimular a motivação, a curiosidade, transmitir conhecimento mobilizável, desenvolver a capacidade de aprender a aprender e ampliar a criatividade. Sobejamente conhecidas, e porque nos encontramos também na época própria, são as “dores de barriga” com os exames, a perda de apetite, o sono alterado, a irritabilidade, as crises de ansiedade que afectam crianças e jovens com dificuldades de auto-regulação emocional, com medo de falharem e de não cumprirem assim as expectativas de seus pais e professores ou de comprometerem as suas escolhas vocacionais e de carreira futuras. Também os há que se desmobilizam interna e até externamente da escola, porque não podem ou não conseguem viver neste sistema quase binário e opressor de sucesso ou insucesso, aprovação ou reprovação, certo ou errado do tipo “one size fits all”. Tanto tempo gasto em preparação para provas e exames e tão pouco tempo para brincar, para observar, para sentir e pensar, para explorar, para se construir…

Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicologia da Educação, Psicoterapia e Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira

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