Quando em miúdo me apaixonei pela cozinha logo me apercebi, via familiar, maioritariamente ligada à saúde, da sua importância e das suas consequências quer na recuperação quer numa vida saudável.

Usando a expressão de São Mateus em relação ao Mestre, também eu era glutão e por tal sofri sempre vida fora as mazelas de uma alimentação rica em calorias e dos exageros carinhosos transformados em saborosas calorias doceiras das tias e da avó que me viam sempre magro estando eu anafado e já obeso.

Sofri por isso, vida fora, com esse problema que se agravou com a minha vontade de entrar no mundo pantagruélico, quis a Divina Previdência, embora a pessoa em Peres, endocrinologista, autor de alguns tratados, talvez dos primeiros sobre nutrição, com ele tive inúmeras conversas sobre o tema da alimentação sempre à volta da mesa muitas vezes numa sociedade que se chamava de LASGVIN (Liga dos Amigos da Saúde, Gastronomia e do Vinho) onde faziam parte também o Professor Daniel Serrão e o Doutor Paulo Mendo.

Assim comecei a entender melhor esta ligação e relação entre a culinária e a saúde ou melhor dizendo a ciência.

Estávamos nos anos oitenta, não sendo velho tenho memórias e experiências antigas e vividas cedo com pessoas a quem muito devo e com quem muito aprendi.

Tive sempre presente com esta old school, como agora é moderno dizer, que devemos apenas acreditar no que a ciência explica com evidência e provas dadas e não com estudos feitos em vão de escada e por vezes à mercê de lóbis industriais.

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Recordo-me de lhes levar um artigo publicado por um médico americano que exaltava os valores do óleo vegetal e da margarina em detrimento do azeite, isso nos finais dos anos cinquenta, nos famosos programas promovidos pela Maria de Lourdes Modesto, eram tempos em que um parecer de um licenciado em medicina bastava para fazer jurisprudência.

Publiquei alguns livros de cozinha ligados à área da saúde, mas sempre com o cuidado de ter ao meu lado quem os assinasse e pelo seu conteúdo assumisse a responsabilidade científica do mesmo, pois sendo cozinheiro nada sei sobre nutrição, apenas conheço os aromas e os sabores e deles as suas combinações e harmonias, um pouco como um arquiteto e um engenheiro.

Vivemos agora tempos em que todos entendem de tudo! E é dar uma olhada pela net e ver a quantidade de blogger’s especialistas em nutrição, ou ver livros sobre dietas escritos por quem ainda ontem era acusada de plágio literário e foi tirar cursos tipo bolo instantâneo aos Estados Unidos com nomes sonantes.

A verdade científica é sempre e de deve estar sempre nas mãos de quem analisa, comprova e divulga em revistas de especialidade e não em pseudo-nutricionistas que baralham e prejudicam, por vezes, a saúde pública, com artigos pessoais, apenas por vaidade ou para tentarem ganhar a vida pondo em risco a saúde do próximo.

Desta forma, é de valorizar que existam instituições que invistam e se dediquem à promoção das ciências da nutrição, produzindo e divulgando informação de qualidade, como é o caso da renovada Associação Portuguesa de Nutrição, anteriormente conhecida por Associação Portuguesa dos Nutricionistas.

Uma das práticas e pontos chaves da dieta mediterrânica é o comer em família, partilhar, conviver. A própria palavra comer tem esse mesmo significado: com (na companhia de…) e er (repetição). Por isso, comer não deve ser um ato solitário mas antes e sobretudo social.

À mesa aprendemos o valor dos alimentos, de onde eles vêm, a sua sazonalidade, a diversidade, a educação da partilha, a conversa, o respeito na discussão saudável, as boas maneiras, atenção para com as pessoas… Foi à mesa que entendi o valor da ciência que existe em cada alimento, a sua importância para o nosso organismo, foi à mesa que cometi os erros todos, os excessos pela aliteracia das minhas tias velhas e da minha avó e que hoje tento, ao lado de nutricionistas ,dar a conhecer que somos o que comemos. Podemos a vir a ser melhores na velhice, mais saudáveis, com menos doenças, com menos medicamentos, mais ágeis que os idosos atuais que estão nos lares que visito, pois viver muito não significa viver bem.

Gastronomia com ciência pode, deve e quer ser a ponte para uma saúde que nos ajude a prolongar as nossas vidas, mas de uma forma mais saudável e com menos medicação e menos visitas aos hospitais, antes com mais passeios aos parques, aos museus, aos teatros, aos cinemas… Quando a ciência se alia à culinária recriamos o que já existiu, uma ligação que os pioneiros fomentarem sem fundamentalismo, sem sementes estranhas, sem detox´s verdes de couves cruas, sem peixes que atravessam atlânticos até chegarem ao prato, sem frutas exóticas que operam milagres qual Virgem milagrosa, sem bebidas compostas de tudo e com tudo mas sem sabor a nada, sem leites aditivados, sem preconceitos ao leite e seus derivados. Também sem estigmas ao pão com glutén mas antes pela defesa dos nossos pães tradicionais, pelas nosso broa de milho, o pão de centeio, o de Mafra, o pão de Favaios, o de Padronelo, a Semêa, o do Alentejo, os caralhotos. E com a defesa da nossa fruta na sua época, dos legumes no tempo deles, das receitas tradicionais e da defesa da gastronomia portuguesa.

Aprendemos ainda que o tempo das festividades obedece a um calendário em que existe um tempo para festas, um tempo para abstinência de carne com mais peixe, ovos e mais legumes (era assim nos anos cinquenta, sessenta), um tempo semanal para celebrar em família com os bolos domingueiros e os almoços demorados e os chás quentes com biscoitos nas tardes frias de inverno.

Tudo sem nunca esquecer as nossas sopas. Provou a ciência aquilo que empiricamente o povo sabia: comer sopa todos os dias é um benefício para a saúde.

Temos pois com base científica recriar a liga dos amigos da saúde, da gastronomia e do vinho.

Chefe de cozinha