1. A semana que passou esteve cheia de política, quer em Portugal como na Europa, especialmente em Espanha e em Itália. O Congresso do PS foi um dos acontecimentos da política interna. Todos esperavam um Congresso calmo, de aclamação a António Costa. Mas não foi assim. Falou-se mais dos futuros candidatos à liderança do PS do que da estratégia de Costa para continuar no poder. Por vezes parecia mesmo que o actual PM não passa de um líder de transição entre o velho “PS de Sócrates“ e o futuro PS “socialista e de esquerda” de Pedro Nuno dos Santos. De tal modo que Costa se sentiu obrigado a a informar os seus camaradas que não tencionava reformar-se. Não deixa de ser extraordinário quando se esperava a consagração de Costa a um ano das eleições.

Em grande medida, a confirmação de Pedro Nuno Santos como o mais provável futuro líder do PS resultou, por um lado, dos seus indiscutíveis talentos políticos e, por outro lado, da relativa fraqueza de potenciais rivais internos como Medina e Assis. Terá que ser assim o próprio Costa a preencher o vazio e liderar a ala social democrata do partido, ele que queria ficar acima das duas alas. Não sei se estará mais irritado com a ousadia de Pedro Nuno ou com a azelhice de Medina (como é possível não ser capaz de aproveitar politicamente no interior do partido a sua vitória nas eleições de Lisboa?).

2. A votação no parlamento sobre a eutanásia foi o outro grande acontecimento da política nacional. O PCP conseguiu a sua maior vitória política desde as eleições autárquicas. Quando muitos já dispensavam os comunistas, eles mostraram que não há geringonça sem os seus votos. António Costa, seguramente, notou.

Rui Rio foi o maior derrotado. A sua inabilidade política não deixa de espantar. Ainda é pior do que parece. Nem sequer consegue ganhar quando o partido que lidera vence no parlamento. Além da derrota política, Rio mostrou claramente os seus limites como líder político quando subordinou a posição do PSD às suas “convicções pessoais”. Perdoe-me o Dr. Rui Rio, mas as suas convicções pessoais neste caso são secundárias e ele deveria ter a humildade para o entender, mas obviamente a sua arrogância não o permite. Um verdadeiro líder analisaria a posição do seu grupo parlamentar e dos militantes do PSD antes de pensar nas suas “convicções pessoais”.

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Sobretudo quando Rio, simultaneamente, apelou à “consciência individual” dos deputados. Se para Rio o voto sobre a eutanásia é uma questão de consciência pessoal, mais uma razão para se preocupar com a posição da maioria dos seus militantes. Os deputados não foram eleitos para representar as consciências dos eleitores em questões morais. A não ser que se considere que as consciências dos deputados ou dos líderes políticos sejam superiores às consciências dos restantes portugueses.

Depois da sua posição, se quiser ser coerente (não é evidente que queira), Rio terá que defender um referendo à eutanásia. Os temas de consciência individual não podem ser decididos unicamente pelos deputados.

3. Desde ontem, a Espanha passou a ter também uma espécie de geringonça. Mas numa altura em que parece que a política europeia se divide entre geringonças e blocos centrais, é essencial tentar perceber o que separa os vários países. Em comum com a geringonça portuguesa, a espanhola surgiu contra um governo de direita, consagrou um executivo minoritário socialista, apoiado numa maioria parlamentar de vários partidos, onde aparece em lugar de destaque o Bloco lá do sítio, o Podemos. As semelhanças acabam aqui. Em Espanha, a relação de forças entre o PSOE e o Podemos é muito mais equilibrada do que em Portugal entre o PS e o Bloco ou o PCP. A questão nacional também afasta, e muito, a geringonça espanhola da portuguesa. Tudo isto torna a tarefa de Pedro Sanchez e do PSOE quase impossível.

Há outra maneira de olhar para a crise política espanhola. Apesar de tudo o que os separa, e impede um bloco central em Espanha, o PP e o PSOE enfrentam um combate político semelhante: ambos procuram manter as suas posições dominantes perante a ameaça dos partidos novos, o Cidadanos e o Podemos. O mais provável é que não consigam. Depois de ter sido condenado por corrupção, o PP poderá conhecer o destino da velha UDC. Os militantes do PP já mataram um partido, a UDC, e sabem muito bem que o Cidadanos podem fazer o mesmo. Quanto ao PSOE, o seu governo estará perdido entre objectivos irreconciliáveis. Na questão nacional, será quase impossível chegar a uma solução federal, e o actual estatuto de autonomia será incapaz de resolver o conflito entre Madrid e a Catalunha. Na economia, Sanchez estará dividido entre o radicalismo social do Podemos e as promessas de mais despesa pública, e os compromissos com Bruxelas, como se vê com as divergências em relação ao orçamento deixado pelo governo do PP. Criando expectativas ao eleitorado de esquerda, mas incapaz de as cumprir, o PSOE arrisca-se a ficar atrás do Podemos nas próximas eleições. O governo de Sanchez poderá não ser mais do que a transição entre a Espanha dominada pelo PP e pelo PSOE para uma nova Espanha liderada, à direita, pelo Cidadados e, à esquerda, pelo Podemos.

4. A Itália também tem a sua versão da geringonça, após o falhanço do Presidente Mattarella para construir um bloco central tecnocrático. O Presidente italiano saiu enfraquecido da crise da semana passada e Salvini e Di Maio são agora as figuras centrais da política italiana. Ao contrário do que muitos dizem, os mercados assustaram-se mais com a hipótese de um governo de iniciativa presidencial e com novas eleições do que com um governo do Movimento 5 Estrelas e da Liga. Quando Mattarella percebeu isso, recuou e perdeu poder. O que também mostra que por vezes os “mercados” não passam de uma desculpa para legitimar soluções tecnocráticas e não políticas.

O futuro da Itália é impossível de prever, pelo menos para mim. As categorias tradicionais de direita e de esquerda pouco ajudam a compreender os novos partidos de poder italianos. E o termo populismo também não é muito útil. Sabemos que os dois partidos são eurocépticos e discordam de muitas políticas e regras da zona Euro. O governo italiano não irá tirar o país do Euro, mas vai certamente combater o domínio da Alemanha. Não será fácil para a UE lidar, simultaneamente, com o Brexit e um governo italiano anti-regras do Euro. Há cada vez mais a impressão do que aos confrontos entre os velhos e os novos partidos nas políticas internas, juntam-se os conflitos entre as periferias e o centro europeu. Quem julga que Portugal não será afectado por estas tendências, vive noutro mundo ou só ouve discussões sobre futebol.