Poucas vezes a arrogância e o génio se viram tão confundidas como no escritor José Saramago. Mesmo quando escreveu um livro a tentar dar uma visão geral de todo o Portugal, foi vítima dos seus preconceitos. No livro em questão ( “Viagem a Portugal”, de 1981), na página 339, encontra-se uma referência a Olivença que vale a pena citar: : «quando numa sombra se detém para consultar os mapas, repara que na carta militar que lhe serve de melhor guia não está reconhecida como tal a fronteira face a Olivença. Não há sequer fronteira. Para norte da Ribeira de Olivença, para sul da Ribeira de Táliga, ambas do outro lado do Guadiana, a fronteira é marcada com uma faixa vermelha tracejada: entre os dois cursos de água, é como se a terra portuguesa se prolongasse para além do sinuoso traço azul do rio.
O viajante é patriota. Sempre ouviu dizer que Olivença nos foi abusivamente sonegada, educaram-no nessa crença. Agora a crença torna-se convicção. Se os serviços cartográficos do exército tão provativamente mostram que Portugal, em trinta ou quarenta quilómetros, não tem fronteira, então está aberto o caminho para a reconquista , nenhum tracejado nos impede de invadir a Espanha e tomar o que nos pertence. O viajante promete que voltará a pensar no assunto. Mas uma coisa teme: é que não falte o tracejado nas cartas militares espanholas, e que para eles seja o assunto caso arrumado . Para se preparar, o viajante irá estar presente nas próximas reuniões das comissões mistas para as questões fronteiriças. Ouvirá com atenção o que se discute, como e para quê, até à altura de puxar do mapa que afervoradamente guarda e dizer: “Muito bem, vamos agora tratar desta questão de Olivença.
Diz aqui o meu papel que a fronteira está por marcar. Marquemo-la com Olivença da nossa banda.”. Morre de curiosidade de saber o que acontecerá.”»..É confrangedor o argumento de nada constar nas cartas militares espanholas. Será que as cartas militares britânicas de Gibraltar refletem as reivindicações de Madrid? E quanto ao comentário final de Saramago, ele é claramente negativo sobre as pretensões portuguesas, mas omite ou esquece algo que em Saramago é constante, isto é, de que o que importa é a justiça, a razão do que se defende, e não o tamanho do oponente. Foi isso que o escritor defendeu na Palestina, e defendeu a propósito de Timor. Para sua honra! E, pasme-se… Saramago não foi a Olivença. E isso é imperdoável!
O que perdeu Saramago? É isso que vamos ver!
Em 1981, só se podia ir a Olivença indo a Badajoz. Desde 2000, há uma ponte administrativamente só portuguesa entre Elvas e Olivença. É a Ponte da Ajuda, sobre o Guadiana… tendo ao lado a ruína duma Ponte Manuelina destruída em 1709. Ao passarmos a Ponte (nova),, entramos no Território Histórico da Olivença!
São cerca de 453,61 Km.2, até às Ribeiras de rTáliga (ou de Alconchel) e de Alcarrache. Dois concelhos: o de Olivença propiamente dito, e o de Táliga, pequeno comparativamente em área, antiga aldeia de Olivença, independentizado em 1850 Segundo a perspectiva diplomática oficial portuguesa, é um território legalmente português, administrado de facto pela Espanha. Uma região que foi, na época franquista principalmente, sujeita a uma descaracterização que se pode classificar de dramática. Durante mais ou menos quarenta anos.
A nova ponte foi inaugurada em 11 de Novembro de 2000, ´Houve quem quisesse que se chamasse “General Humberto Delgado”. Construída à mistura com quase vários e pouco divulgados desentendimentos diplomáticos. Mas ela lá está, ligando directamente Elvas a Olivença ( e sem ligação a mais lado nenhum ! São 21 Quilómetros ),, sendo considerada como infra-estrutura local ou municipal, e não internacional. Aliás, o Estado Português pagou-a integralmente. Uma história que teve e tem tantos episódios e condicionantes estranhos, que deveria merecer um livro…
Claro que, para quem sai de Elvas e se dirige somente a Olivença, a Ponte constituirá o primeiro local a visitar quando entrar na Região… mas voltaremos a falar do assunto!
Peço perdão, mas talvez caiba aqui um comentário! Sendo Democracias actualmente, Portugal e Espanha, aproveitando até o facto de ambos estarem na União Europeia, podem agora encarar este litígio de forma aberta, sem complexos, com um mínimo de traumas, sem pôr em causa princípios e interesses legítimos nem planos de cooperação noutros domínios. As boas relações facilitam a discussão de todos os assuntos, principalmente os melindrosos. Os preconceitos passam a ter muito menos sentido. Só por isso, a Democracia vale a pena !
Mas…voltemos ao tema da visita… e à Ribeira de Olivença. Ao lado da Ponte Nova, está uma mais antiga, que deixou de ser usada em 1994. Para já, informa-se que está a um quilómetro do local onde foram assassinados o General Humberto Delgado e a sua secretária, em 1965. Mesmo a Norte da Ribeira de Olivença, a Leste, nas proximidades da herdade de “Los Almerines”. Se veio do Sul, ou de Elvas pela nova Ponte da Ajuda, que muitos querem, pelo episódio histórico referido, que se chame “Ponte General Humberto Delgado”, terá de percorrer três ou quatro quilómetros para norte, a partir da Terra das Oliveiras
Mas siga, a partir da Ponte .. Está próximo, muito próximo mesmo de Olivença. Acabará por avistar a cidade, donde se destaca uma Torre de Menagem. Avance, vire à direita, e terá chegado a um mundo que o surpreenderá… se tiver olhos para ver… e que Saramago não quis ver. Continue a ler estas linhas, e dar-nos-á razão… esperamos.
Verá algumas casas alentejanas, principalmente em ruas pequenas, e até em algumas grandes. Principalmente algumas artérias simples poderão surpreender, mesmo porque é nelas que eventualmente poderá ouvir falar português “alentejano”, por vezes com surpreendente pureza. Pode mesmo tomar a iniciativa.
Sem dúvida que os nomes das ruas parecem, e são, espanhóis. Mas, desde 2011, graças aos esforços duma Associação local, os nomes portugueses antigos também lá estão. Os nomes antigos, como verá, são bem portugueses, e muita gente os conhece de cor, principalmente os mais idosos. Rua dos Oleiros. Rua das Atafonas. Rua do Poço. Rua da Caridade. Rua da Pedra. Rua dos Saboeiros. Há tantas, tantas !
Mas… vamos á parte turística “consagrada. Comece pela Torre de Menagem, construída por volta de 1488, por ordem de D. João II de Portugal… ou talvez antes.. Encontrará, num mesmo complexo, um Museu Etnográfico…que já foi Municipal… e que é algo de admirável. Está ali todo um passado, quase sem barreiras. Há Pré-História. Há mundo rural. Há mundo urbano. Há coisas que nunca pensou ver num museu… mas que devem mesmo lá estar. Aprenderá algo, seguramente.
Está na parte mais antiga de Olivença, a chamada zona dionisina. Nome derivado de D. Dinis de Portugal, que em 1297 assegurou a posse lusitana da cidade (Tratado de Alcañices), após meio século de confusões fronteiriças. Verá por ali as Portas dos Anjos, ou do Espírito Santo. Também as de Alconchel. E, já disfarçadas no Palácio dos Duques de Cadaval, actual Câmara Municipal, as Portas da Graça. E, como se não bastasse, foi reconstruída uma outra, que se chamou 8 e chama)de São Sebastião…
Porque estamos na parte dionisina, visite a Igreja de Santa Maria do Castelo, Igreja Salão, Matriz da cidade E também uma belíssima árvore genealógica da Virgem Maria (árvore de Jessé; a maior em, dizem terras lusófonas). Entre outras coisas.
Saiamos da zona dionisina pelas Portas do Espírito Santo, e examinemos a Porta Manuelina da Câmara Municipal. É um exemplar valioso.
Já que falamos em Manuelino… vamos à Igreja de Santa Maria Madalena, a 20 metros de distância. Eis uma espantosa Catedral Gótica- Manuelina, a segunda em tamanho existente neste estilo… após, naturalmente, os Jerónimos. As colunas toscanas imitam cordas na perfeição. E podemos ver azulejos. E Talha Barroca, mais recente. Este templo, há poucos anos, mereceu a classificação de “espaço mais bonito de Espanha”, num concurso aberto à votação pública da responsabilidade de uma companhia petrolífera(gasolineira)
Não há que espantar. O templo foi sede do Bispado Português de Ceuta. O seu primeiro bispo, Frei Henrique de Coimbra, está lá sepultado. Trata-se ( as voltas que a História dá !) do homem que rezou a Primeira Missa no Brasil, em 1500.
Voltemos a passar em frente da Câmara Municipal, e viremos à esquerda, percorrendo parte da Rua da Caridade. Eis-nos diante da Misericórdia de Olivença. Vejamos os mármores em torno da belíssima porta. Os Escudos Nacionais de Portugal e Espanha. Sobre a porta da Capela, outro escudo luso, embora picado. Entremos na Igreja/Capela, . Tantos azulejos portugueses ! Dir-se-ia uma versão menor da Igreja da Madalena. E há talha em madeira para todos os gostos…
Sigamos depois pela Rua Espírito Santo, ou pela sua paralela, a Rua Fernando Afonso Durão (“Fernando Alfonso”), ou das Parreiras. Desembocaremos na Plaza de España, antigo Terreiro ou Passeio Velho. E… para quem pensa que a presença histórica portuguesa se esgotou lá pelo século XVII, veja o Palácio dos Marçais, pombalino, do Século XVIII. Aí chegados, se houver tempo, não é má idéia visitar-se o Convento de São Francisco (Séculos XVI/XVII), porque fica a menos de 100 metros.
Mas…existem muitas alternativas ainda ! Podemos visitar alguns troços, de incontestável beleza, das muralhas dos séculos XVII-XVIII ( estilo “Vauban”; iniciadas a propósito da Guerra da Restauração ), e, andando um bocado mais, ver as Portas do Calvário, que delas fazem parte, em mármore, iguaizinhas às que se encontram, por exemplo, em Elvas e Estremoz.
À direita das Portas do Calvário, encontraremos o Convento de São João de Deus ( Século XVI ).
Se, depois, seguirmos pelas ruas de Santa Luzia e de Santa Quitéria, encontraremos uma pequena Igreja, de Nossa Senhora da Conceição (ou de Santa Quitéria), e, sempre andando, uma dependência das já destruídas Portas de Santa Quitéria, ou Porta Nova, companheiras das Portas do Calvário (ainda que sem mármores), tal como uma outra porta também já destruída, a de São Francisco. De três, resta uma. Mais acima, o antigo Quartel de Cavalaria dos Dragões de Olivença (século XVIII) dá-nos as boas vindas. Em frente deste, nas antigas cavalariças, um Centro de Lazer para Idosos (“Hogar del Pensionista”) poderá ensinar muita coisa !
A menos de 50 metros, está o novíssimo Centro Cultural de Olivença/Casa da Cultura/Universidade Popular. A cultura tem lugar de destaque na Moderna Olivença.
Em todas estas “voltas”, poderão observar-se os muitos “Passos” da Paixão de Cristo de que Olivença dispõe. Estão um pouco por todo o lado, alguns com azulejos novos, executados por artistas/profissionais das Caldas da Rainha ou doutros pontos de Portugal. E, recente, bastante calçada portuguesa…
Há muita coisa para ver. É difícil dizer tudo !
Se, de facto, se pensa que a Cultura não são só monumentos, e nem só cidades, então, para além das Ruas Antigas já sugeridas, podemos visitar as aldeias dos arredores. Como, por exemplo, São Jorge de Alôr, cinco quilómetros para Leste. Veremos casas alentejaníssimas, e chaminés meridionais portuguesas de estonteante altura. Podemos, em alternativa, visitar São Bento da Contenda (7 Km. a Sudoeste), com o mesmo tipo de arquitectura, uma das povoações onde a Língua Portuguesa se mantém como língua comum.
Podemos ainda visitar Vila Real, 10 Km. a Oeste, frente a Juromenha, de cujo extinto Concelho foi parte até 1801. As características linguísticas e arquitectónicas continuam a surpreender…ou, nesta altura, talvez já não ! Ainda que, em Vila Real, desde 2004 e 2005, muita coisa tenha mudado, com umas obras em várias das suas velhas casas. Pelos vistos, não se está a preservar como devia a velha traça popular na região…
Mas… vamos a São Domingos de Gusmão, 4 Km. a sudeste, aldeia quase abandonada por causa da emigração. Prosseguindo pela estrada que a esta conduz, a 20 Km. de Olivença, encontra-se, como já referimos, Táliga, (ou Talega), uma antiga aldeia que é hoje um Concelho independente da Terra das Oliveiras. Embora não tanto como noutras povoações, o Português alentejano ainda por lá subsiste… mais entendido que falado… ainda que o possa não parecer à primeira vista !
Poderemos ainda visitar as aldeias novas de São Francisco e São Rafael de Olivença, 7Km. a Norte de Olivença, a primeira, e 9 a nordeste, a segunda. Só existem desde 1954. Claro, por isso as suas características arquitectónicas são diferentes, mas há por lá umas chaminés não previstas nos planos iniciais, e a população também vai falando e compreendendo a lusa fala… em versão planície.
Já que andamos por estradas várias, independentemente de depois voltarmos para trás ou de simplesmente continuarmos diretamente para Elvas, visitemos a sério, parando por lá, a velha Ponte da Ajuda (10 Km. a noroeste da urbe transodiana), destruída, como já se disse, desde 1709. Não foi reparada depois, e a ocupação espanhola de Olivença em 1801 veio dificultar ainda mais as coisas. É um impressionante Monumento Manuelino (mais um ! ), que tem cerca de 450 metros, 19 arcos, e um largo tabuleiro de quase seis metros… o suficiente para se cruzarem duas carroças. Não se sabe quando, ou mesmo se será reconstruída. O que se fez nesse sentido esteve e está envolvido em acesa polémica. Mas, como se disse antes, há uma Ponte novinha a cem metros de distância (desde 2000), pelo que o Guadiana já não é obstáculo!
Vamos dedicar a nossa atenção a outras coisas… ou outros pontos de interesse. Por exemplo, na estrada para São Jorge de Alôr há a Quinta de São João, ou da Marçala, ou dos Marçais… que esconde um Convento de Frades Franciscanos do Algarve, fundado talvez em 1500.
Encontramos muitos “montes” rurais alentejanos. Em número superior a uma centena. E pelo menos um doce português de muita fama (“Técula-Mécula”) nas duas pastelarias, chamadas “Fuentes” e “La Chiminea” e que me perdoem em alguma eventual guerra de patentes! Encontramos…
Vamos a deter-nos com as indicações. Quem quiser, vá a Olivença. Descubra mais coisas. Escreva sobre isso, ou relate aos amigos. Parece-nos que já demos pistas suficientes !
So umas últimas linhas referir que entre 2008 e 2019 existiu uma associação autóctone ( a “Além Guadiana”), que, sem se meter em políticas ou questões de soberania, luta pela herança cultural lusa de Olivença em todas as suas vertentes, tendo conseguido convencer as autoridades locais a reporem os velhos nomes portugueses, em 2011 (ao lado dos atuais nomes espanhóis) em 74 ruas e praças no burgo. E anda no ar a ideia de fazer de Olivença uma espécie de cidade-museu, ou cidade de museus…Em 20111, essa Associação inciou um processo de atribuição de nacionalidades portuguesas a oliventinos, que prossegue agora ao cuidado de cada particular. Em março de 2024, já havia mais de três mil oliventinos com nacionalidade lusa… dois quais dois mil eleitores para órgãos políticos (portugueses, naturalmente).
Agora, é a sério! Já chega de pistas! Repetimos: vá lá, visite o que puder. Já agora, não vá a uma segunda feira, pois tudo quanto é monumento está fechado, e não caia no erro de querer visitar seja o que for entre as catorze e as dezassete horas locais, pois, durante três horas, tudo fecha. É a inevitável “Siesta”… a Sesta, que já se usou no Alentejo.. .
Por aqui ficamos. Foi além de Saramago. Visitou o que talvez nem procurasse. Se veio de Badajoz, à moda antiga, talvez tenha feito menos compras do que esperava, ou pelo menos, não onde as pensava fazer. Seja como for, foi decerto interessante descobrir Portugal… a pouco mais de 20 Quilómetros ao Sul de Badajoz ! Se veio, à “moderna”, pela nova Ponte da Ajuda… nem chegou a ir a Badajoz… e a sua visita terá quase só um fim turístico-cultural, e aproveitou para honrar Elvas, há pouco declarada cidade-património mundial. A escolha é sua!