Quando vi as empregadas de limpeza da FIL a esfregarem as paredes de vidro todas vermelhas, pensei: “Até que enfim! Um protesto climático como deve ser!” Só depois é que percebi que afinal era apenas tinta. E eu com esperança que fosse sangue de administradores de empresas maléficas. Fiquei indignado. Principalmente depois de ouvir uma das activistas a dizer que lá dentro estavam os responsáveis pelo iminente fim da humanidade, que, aliás, ainda há dias tinham afogado 11 mil líbios. Então tem os bandidos todos no mesmo sítio e não aproveita para atirar 3 ou 4 granadas lá para dentro? Ou, para ser mais ecológico, atiçar-lhes um tigre esfomeado?

Mas não, estava mais interessada em lamuriar-se do que em agir. Parecia uma futebolista na flash interview, a queixar-se do árbitro, e não uma justiceira com pressa para evitar o extermínio da raça humana na próxima quinta feira.

Ter à sua mercê os assassinos de 11 mil inocentes e atirar-lhes tinta é como estar a guiar, ver o Hitler a atravessar a rua e, em vez de o passar a ferro, optar por baixar o vidro e fazer-lhe um manguito enquanto grita: “Malandro!” Ou seja, na semana passada perdeu-se uma estupenda oportunidade para vários linchamentos em legítima defesa. Menos do que dois tiros em cada um daqueles criminosos foi cobardia e falta de civismo.

Uma das desculpas de quem hesita em avançar para os cortes exigidos pela neutralidade carbónica é que, sendo Portugal um país que contribui muito pouco para as emissões de CO2, os cortes que pode fazer não têm qualquer impacto no mundo se a China, a Índia, a Indonésia e os outros grandes emissores em vias de desenvolvimento não cortarem as suas. Apesar disso, os activistas climáticos exigem que Portugal avance com os cortes. Dizem que é um imperativo ético e temos de liderar e ser um exemplo para o mundo. Têm razão. As atitudes morais não se tomam por causa dos seus resultados, mas sim porque são a acção certa a fazer. É uma questão de princípio.

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Ora, se Portugal deve reduzir as suas emissões mesmo que os grandes emissores não o façam, então, pela mesma ordem de ideias, os activistas climáticos devem reduzir as suas emissões, mesmo que o resto dos portugueses optem por não o fazer. Como já ficou demonstrado, a eficácia dos impactos da redução não é um objectivo essencial. Essencial é a posição ética.

Portanto, se Portugal deve avançar mesmo que os grandes emissores não avancem, estes ambientalistas também têm o dever de avançar, mesmo se o resto dos portugueses não avançam. Logo, é óbvio que se uma pessoa acredita mesmo que a vida na Terra está em perigo imediato, tem o dever de agir e começar, desde já, a viver de uma forma não carbónica. É o mínimo que se exige às pessoas que estão convencidas que o Armagedão já tem data.

E, pelo que tenho lido e visto, são muitas. Normalmente, reconhecem-se por dizerem, nos jornais e televisões, que não são capazes de condenar os jovens activistas pelas suas acções violentas, pois a causa é justa e urgente e eles só fazem estas patifarias porque o mundo vai acabar.

Um exemplo. No Eixo do Mal da semana passada, o comentador Pedro Marques Lopes garantiu: “Não há causa mais importante do que esta. Não há emergência maior para o mundo, não houve nunca emergência tão grande para o mundo do que este problema, quer dizer. O que aqui está em causa é muito simplesmente a sobrevivência da raça humana, a sobrevivência da Terra, a sobrevivência das pessoas, da própria espécie, portanto, não há nada mais importante do que esta batalha, digamos assim”.

Meus amigos, isto não deixa margem para hesitações. Não há, nunca houve, emergência tão grande para a humanidade! Está em risco a sobrevivência não só da raça humana, como também das pessoas e ainda da própria espécie. Comparado com isto, a Peste Negra foi uma constipação e o Holocausto uma partida de Carnaval. Não há nada mais importante do que esta batalha. Nada!

Trata-se do tipo de discurso dos heróis do Bravehart, do Gladiador, do 300 ou do Dia da Independência. Um discurso inspirador, que começa sombriamente a lembrar o perigo existencial que se enfrenta, para depois se tornar arrebatador ao exortar à luta e ao sacrifício pessoal em prol do grupo. William Wallace, Maximus e Leónidas erguem a espada e, arriscando a sua vida, carregam sobre ingleses, bárbaros e persas. O Presidente dos EUA lança os caças contra a nave dos ET maus que (como o clima!) também desejam destruir o planeta e exterminar a humanidade, as pessoas, a raça humana e também os indivíduos. Já Pedro Marques Lopes esclarece: “Eu vim de avião, hoje. Mal. Não gosto de vir de avião exactamente por causa disso. Mas nós temos um problema que o Daniel bem disse. Ou venho de avião ou levo três horas e tal para chegar ao Porto. Ou então venho de carro que se calhar ainda é pior.

O Mel Gibson só estava a lutar pela independência da Escócia e mesmo assim meteu a carne toda no assador, mas o Pedro Marques Lopes, apesar de acreditar piamente que a humanidade tem o prazo de validade mais curto que o das natas frescas, mesmo assim não está disposto a abdicar do avião para ir ao Porto, porque de comboio demora três horas. E tal. Afinal, não há nada mais importante do que esta batalha, tirando a maçada de ter de ir a Santa Apolónia apanhar um comboio que, na maior parte das vezes, tem o wifi escangalhado e um bar sem condições, que nem sequer serve um Aperol Spritz em termos.

Dizer que foi de avião para o Porto depois de avisar contra a catástrofe próxima, é como se o Leónidas acrescentasse ao seu discurso: “Malta, eu sei que isto é Esparta, e não sei quê, mas afinal vocês vão ser só 299, que eu já tinha dentista marcado em Atenas. Boa sorte!” Sobrevivência da espécie humana é um objectivo nobre e virtuoso, mas o Marques Lopes não sabe se sobrevive à convivência com a espécie humana que frequenta o intercidades durante 3 horas. E tal, não esquecer.

Acho que identifiquei o problema. A maioria das pessoas, quando ouve “neutralidade carbónica” foca-se mais na parte da neutralidade. Nomeadamente, a neutralidade ali entre radicalismo e displicência. Parece-lhe a atitude sensata. Uma postura meias-tintas. É a sonsa posição de emissionário. Acreditar na destruição da humanidade, mas não estar disposto a grandes maçadas para o evitar.

Não se pode berrar “vamos todos morrer amanhã!” e depois chocar-se se os activistas agem em conformidade e um dia enforcam um CEO. Nem se pode julgar que a acção é urgente, mas vacilar ao mínimo desconforto. É como ver um filho pequeno empoleirado na varanda e não correr a agarrá-lo porque está muito frio lá fora. Não, pá. Não é isso que significa urgência. Urgência significa já. Experimentem ligar para o 112 a dizer que têm uma “emergência maior” que põe em causa a “sobrevivência” de alguém. Acham que o operador envia o INEM ou marca uma consulta para dali a 3 meses? Quando toca o alarme, o verdadeiro alarmista não carrega no snooze para ficar na sorna só mais um bocadinho. Levanta-se e vai salvar o mundo. Isto como está já não é alarmismo, é snoozismo.

Só há uma razão digna para um crente no apocalipse climático imediato apanhar um avião rumo ao Porto. É para o sequestrar e jogá-lo ao chão. De preferência contra a sede de uma gasolineira.