Há muitos anos tive um problema com as Finanças. Uma simples multa tornou-se um sufoco, tudo porque achei que não tinha nada de pagar o devido. Ao fim de meses, de vários avisos, de ameaças, lá fui eu tentar resolver a questão. Ia nervosíssimo e sentia-me completamente fora de pé na discussão com a funcionária que me atendeu. À saída, ligou-me a minha mulher a perguntar como tinha corrido.

Não me lembro de nada do que disse a senhora. Estava demasiado nervoso, respondi.

É para veres como as pessoas se sentem quando vão ao médico, retorquiu.

Esta frase nunca me abandonou. Nós, médicos, aprendemos palavras muito técnicas e precisas, mas alguns momentos de observação médica induzem muitas vezes angústias e receios para quem está do outro lado, com medo de que algo possa estar mal. Os erros de comunicação são frequentes, mas potencialmente evitáveis, na maioria das vezes.

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Devemos simplificar a linguagem e garantir que a mensagem passou. Na área do colesterol e da aterosclerose, este desafio é ainda mais difícil. Além de haver muita desinformação, subsistem muitos boatos de conspiração da indústria, inclusivamente por parte de pessoas com formação médica e com responsabilidades acrescidas. Importa esclarecer então algumas ideias erradas.

  • Mal-entendido 1 – A aterosclerose não é sinónimo de demência como por vezes se julga, mas é uma das suas causas. Ocorre pela deposição de colesterol na parede das artérias, processo gradual que pode persistir durante anos silenciosamente, ou manifestar-se de forma abrupta e imprevisível pela obstrução de uma artéria, condicionando um enfarte no coração ou uma “trombose” (AVC) no cérebro.
  • Mal-entendido 2 – Porque é que há toda esta confusão sobre o colesterol? Há quem diga que ele é bom. E é verdade. Faz parte das membranas das nossas células e é necessário para a síntese de algumas hormonas. Mas, como em tudo na vida, o que é de mais pode fazer mal. O mesmo ocorre com o açúcar ou a pressão arterial, sem as quais não poderíamos viver, mas em excesso, transformam-se em diabetes e hipertensão arterial.

As paredes das artérias têm uma membrana protetora chamada endotélio. Esta barreira pode ser mais ou menos permeável ao colesterol. Quando o endotélio é disfuncional, o colesterol deposita-se na parede da artéria e é degradado, resultando em produtos de inflamação que lesam ainda mais essa membrana, perpetuando o ciclo.

Por esse motivo, podemos ter duas pessoas com o mesmo nível de colesterol e apenas uma tem doença. Isso deve-se à conjugação com outros fatores que inflamam a parede dos vasos e que aceleram o processo de aterosclerose. Por exemplo, a hipertensão, a diabetes, o tabaco ou as doenças inflamatórias crónicas. Em pessoas que nascem com níveis muito elevados de colesterol, claro que a situação é mais grave.

  • Mal-entendido 3 – O amor-ódio pelas estatinas. Estes medicamentos reduzem o colesterol, mas fazem muito mais. Têm demonstrado diminuir eventos cardiovasculares em jovens, idosos, mulheres, homens, pessoas sem evento prévio, com antecedentes de enfarte ou AVC.

Quando medico alguém com uma estatina explico que o estamos a fazer para atenuar o risco de um evento cardiovascular potencialmente fatal. Como sei que estou a ser eficaz? Porque quanto mais reduzirmos o colesterol menos se desenvolve o processo de aterosclerose.

Esta medicação tem efeitos secundários? Claro que sim, tal como todos os medicamentos. Estima-se que aproximadamente 5% dos doentes possam ter queixas musculares. Mas o benefício na redução de eventos vasculares é tão significativo, que deve discutir com o seu médico outras hipóteses de medicação, que poderá passar apenas por fazer uma estatina diferente.

Voltando ao início deste artigo, se se está a questionar sobre se paguei ou não a multa às Finanças, a resposta é óbvia. Paguei. Mesmo sem ter entendido nada.

Francisco Araújo é internista e coordenador do Departamento de Medicina Interna no Hospital Lusíadas de Lisboa. É ainda assistente convidado da Faculdade de Medicina de Lisboa e presidente da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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