O medo é, observou um presidente americano antigo, a única causa de medo que pode ser preocupante. A situação parece abstracta e rebuscada, mas apesar disso é reconhecível. Temos regra geral medo de uma coisa, ou de que uma coisa aconteça: que um cão desaustinado possa comer-nos o braço; ou, em mais velhos, que a inflação coma as nossas poupanças. Quando porém temos medo de ter medo o que nos assusta é a possibilidade de sentir medo, isto é, certos sentimentos nossos. Essa será a forma de susto mais séria e mais perigosa.

O medo do medo pertence à qualidade de emoções que é alimentada não por animais fora de controle, ou por perigos patuscos, ou até por descrições de eventualidades que temos boa razão para achar prováveis, mas pela emoção que sentimos ao pensar em ocorrências desse tipo. Ter medo de ter medo é uma emoção causada por uma emoção. Temos medo da ideia de termos medo; e assim causamos o nosso próprio medo, como um cantor, um actor ou um orador que começa por induzir em si próprio o êxtase que pretende causar nos que o ouvem. Do mesmo modo, a educação de crianças e a maneira como falamos com outras pessoas parecem muitas vezes orientadas não apenas pelo horror a certas emoções, em especial o medo, como sobretudo para o encorajamento deliberado desse horror.

Isto explica que pessoas cuja existência é no geral segura e pacata sejam cada vez mais protegidas na sua educação não de acontecimentos que desarrumem essa pacatez mas da possibilidade de tais acontecimentos acontecerem. Ninguém de boa índole disputará que as crianças devam, na medida do possível, ser resguardadas de cães desaustinados; mas encorajar-se a que sejam resguardadas das emoções que sentiriam caso um cão se desaustinasse perto delas é um excesso de zelo. Habituar crianças a distinguir cães de emoções acerca de cães pode ter uma função educativa importante.

O zelo nestas matérias é nocivo por duas razões principais. Por um lado, o medo do medo reduz o repertório das acções que consideramos realizar. Deixamos de pensar em passear no jardim não porque possa aparecer certo cão mas porque teríamos medo se um certo cão aparecesse; e os nossos esforços de protecção passam a medir-se não pela integridade do nosso braço, mas pela das nossas emoções. A quem nos queira assustar nenhum cão será requerido: bastará apelar ao medo que temos de sentir medo. A segunda razão é que o evitar de certas emoções (medo, terror, piedade, nojo, amor, desgosto, compaixão, e outras) torna-nos incapazes de cultivar uma série de actividades inseparáveis dessas emoções, o que francamente pode ser uma pena. Que seria deste mundo se só pensássemos na nossa segurança emocional; sem que considerássemos comer rim grelhado, sair de casa com mau tempo, ler romances, ou interagir com cães desconhecidos?

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