No dia 5 de Maio, quatro dias antes da celebração do “Dia da Europa”, o Tribunal constitucional alemão veio declarar, de uma forma provocadoramente clara, que: “As decisões do Banco Central Europeu (BCE) sobre o programa de compras de dívida do sector público (2015-2019) excederam as competências da UE” (comunicado de imprensa nº 32/2020 do tribunal constitucional federal da Alemanha). Os juízes de Karlesrhue, no fundo, defendem (como tem sido a posição tradicional daquela jurisdição, pelo menos, desde o já longínquo “acórdão Maastricht”) que as competências da UE e, por conseguinte, o campo de ação abrangido pela integração europeia, resultam da delegação de poderes originariamente efetuada pelos Estados membros e constante, direta ou indiretamente, dos Tratados. Assim, a primazia do Direito europeu, (quando porventura) em confronto com os direitos nacionais, para aquela jurisdição constitucional alemã, resulta ainda da vontade dos Estados e não de uma intrínseca e inevitável necessidade decorrente da integração.

É relativamente normal que um tribunal constitucional nacional defenda os pressupostos do seu poder de jurisdição e do Estado (segundo uma visão clássica) cuja constituição nacional o justifica. Da mesma forma que não se poderia esperar, por exemplo, da jurisdição constitucional espanhola que, fácil e ligeiramente, reconhecesse a pretensão de alguns catalães à independência da Catalunha, desagregando o Estado/Reino constitucional espanhol, tal como existe atualmente. Também não devem as instituições e os órgãos da União (nomeadamente, o visado BCE), responder ou, de alguma forma, reconhecer alguma propriedade nas exigências (intimidação?!) do Tribunal Constitucional alemão. Aquela ou qualquer outra jurisdição alemã não têm competência para se pronunciarem sobre o direito europeu — só o Tribunal de Justiça da União o pode fazer e, sobre a mesma matéria e tal programa do BCE, este Tribunal já o fez em 11 de Dezembro de 2018, validando-o!

Mas, independentemente da disputa jurídica e do já apelidado nacionalismo legal alemão, uma coisa parece evidente: num momento em que as instituições europeias avançam com planos para um mega fundo de recuperação da crise (sem precedentes) que vivemos, quando a digitalização avança velozmente e, impulsionada pela atual crise (vulgarização do teletrabalho, das relações digitais, etc), fará com que a “unidade de conta” territorial do Estado não seja mais prestável para resolver parte dos problemas com que nos confrontamos, a reafirmação desse nacionalismo legal parece ser, no mínimo, estranho. Só se poderá compreender, talvez, ou por razões culturais e geracionais dos próprios juízes de Karlsruhe ou pela permeabilidade daquele Tribunal às ondas de choque da política circunstancialmente dominante. Da “política caseira”, entenda-se, na medida em que falamos de política partidária interna, nacional, em confronto, neste caso, com o futuro do projeto europeu! Esse tipo de permeabilidade é, de resto, uma crítica por vezes repetida em relação aos tribunais constitucionais.

Talvez a Europa integrada só ganhe o seu futuro se, realmente, superarmos uma visão que, para tudo, se estriba na perspetiva interna nacional, apesar de ser cada vez mais evidente que só a nível global (com intercooperação e/ou integração, pelo menos regional) casos como a maior crise económica, sanitária e social de que há memória (esta, a do Covid-19) podem ser minimamente geridos!

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