1 Vivemos na denominada “Era secular”. E sociedades secularizadas são sociedades individualistas, fragmentadas e “líquidas”; são sociedades sem Deus, são sociedades onde as pessoas vivem como se Deus não existisse.

O Cristianismo, conforme as escrituras e a tradição, propõe um modo de vida diferente; a sua proposta é social e culturalmente provocadora, tem um carácter inconformista e contracultural. Por isso, os cristãos que vivem com seriedade a sua fé têm um preço alto a pagar; no trabalho, na família, no grupo de amigos; e pasme-se, dentro da própria igreja.

Não adianta, contudo, estarmos eternamente a lamentar a crise e a focar-nos no estado a que chegámos; não adianta procurar desesperadamente uma fórmula mágica para reverter números, perdas, danos, prejuízos; não adianta querer regressar a uma época de ouro imaginária nem, finalmente, construir grupos de pessoas alienadas e isoladas do mundo real. E também não adianta, quais pateta-alegres (e úteis) ignorar, ou fingir ignorar a crise instalada (aprendamos com a metáfora da rã a cozer em lume brando…)

O nosso compromisso com o Cristianismo histórico, das sagradas escrituras, da Revelação… deve, assim, contrariar com firmeza o individualismo e o secularismo, da modernidade, bem como a cultura consumista (que lhes está associada) e que nos vai, a todos, fazendo perder o sentido do que significa, verdadeiramente, ser cristão. Felizmente vão surgindo, como profetizava Bento XVI, pequenos grupos de fiéis e comprometidos crentes que vivem e testemunham intensamente a sua fé… os quais terão, em certos aspectos, de romper com a sociedade onde vivem para se agarrarem e ancorarem à Verdade (e a cujo rótulo de fundamentalistas, radicais, fascistas e homofóbicos… não escaparão, certamente ).

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Nas sociedades contemporâneas, um traço evidente na transmissão do Cristianismo, realizado nas últimas décadas… é a progressiva substituição do “eu moral” pelo “eu psicológico”, do Homem moral pelo Homem psicológico. Ou seja, assiste-se a uma indiferenciação, e a uma despersonalização da vida moral a favor de uma individualização e fragmentação da mesma. Constata-se, ainda, que certas sensibilidades dentro da própria igreja enveredaram por este caminho de psicologizar a moral, parecendo assim estar menos preocupadas em salvar almas e mais preocupadas em organizar o seu Buffet Espiritual, atraente, sortido, compensatório, irresistível.

2 É o “Cristianismo Moralista Terapêutico”, o tipo de religiosidade dos jovens americanos da actualidade. Os estudos recentes apontam nesse sentido, e a extensão a seus pais e ao ocidente em geral é uma realidade em curso, e aparentemente imparável. É um tipo de religiosidade sentimentalista, na qual Deus quer que cada um seja bom, amável e justo com os demais; é uma religiosidade, contudo, epidérmica, de superfície, indolor, “à la carte”… na qual, o principal objectivo da vida é a pessoa ser feliz e sentir-se bem consigo própria. Boas pessoas vão para o céu quando morrem, e bondade natural é, então, suficiente. Ou seja, à partida, a Salvação está garantida para todos.Tal perspectiva, contudo, é uma inversão total do sentido da “porta estreita” dos Evangelhos. O CMT é uma versão de fachada, lustrosa, envernizada do Cristianismo, produto de uma sociedade e de uma cultura que privilegia e exacerba o “eu” e o seu bem estar material e pessoal. Não, não podemos encarar a religião como um verniz, como um adorno ou um consolo. Temos de viver o Cristianismo como uma sincera entrega pessoal a Cristo. E sendo assim:

  • O Cristianismo não existe para viabilizar o normalmente egoísta projeto de felicidade das pessoas, mas sim para as salvar. Ou seja, a principal tarefa do crente na terra é santificar-se, é salvar-se… e não, “apenas”, ser feliz. Isso será uma consequência da primeira grande e principal tarefa, referida como prioridade;
  • Um Cristianismo sem cruz, destituído de sofrimento, comprometido mais com a procura do conforto e com a desmedida satisfação de todos os prazeres terrenos, não é o Cristianismo do Cristo das Escrituras e da Tradição;
  • Um Cristianismo sem arrependimento, sem contrição, sem penitência (dado que o Homem de há muito deixou de se assumir como pecador) não é o Cristianismo do Cristo das Escrituras e da Tradição;
  • Um Cristianismo essencialmente humanista, individualista… sedutor, não é o Cristianismo do Cristo das Escrituras e da Tradição;
  • Um Cristianismo psicológico, de clichês e chavões, focado em temáticas meramente existenciais, correntes, e terrenas, não é o Cristianismo do Cristo das Escrituras e da Tradição;
  • Um Cristianismo sem santificação, e sem a bem-aventurança eterna da Salvação para os que disseram “Sim”, ao contrário daqueles que, obstinadamente amantes de si mesmos, preferiram, por opção própria, manter-se afastados de Deus, não é o Cristianismo do Cristo das Escrituras e da Tradição;
  • Um Cristianismo aberto a todas as espiritualidades, aberto a novas revelações, considerando a Revelação de Deus algo em aberto, flexível, adaptável, com diversos tons e sabores não é o Cristianismo do Cristo das Escrituras e da Tradição;
  • Um Cristianismo que nos dá um Jesus demasiadamente humano, o qual não passa de um bom exemplo a seguir e, por outro lado, nos dá o Homem, que sendo um ser essencialmente bom, só precisa de caminhos para descobrir a verdade que já está dentro de si… este, não é o Cristianismo do Cristo das Escrituras e da Tradição. (Já Bento XVI dizia “a Igreja não precisa de ser mais humana, a Igreja precisa de ser mais divina; só assim será verdadeiramente Humana”. A fé da igreja é a fé num Deus encarnado, sobrenatural, divino).

3 Um Niilismo secular e hostil vai tomando conta dos governos da velha Europa, outrora cristã… os quais, valendo-se do generalizado desconhecimento bíblico e catequético dos fiéis, bem como da fragilidade de lideranças ingênuas, frouxas, e despreparadas teologicamente (e outras mal intencionadas)… invadiu as sociedades ocidentais, as suas instituições, a mídia, a universidade, a escola, as famílias, a arte e a literatura, e também as igrejas, as comunidades, os grupos da igreja… espalhando o perfume envenenado do secularismo, das falsas e pseudo doutrinas, das espiritualidades “grande superfície”, que conduzem as pessoas a uma secura existencial profunda e as afastam do Evangelho simples de Jesus.

O Relativismo, supostamente a corrente de pensamento, a partir da qual, o Homem passaria a ter uma verdadeira liberdade de pensamento e acção, de acordo com as suas convicções e necessidades, rapidamente se transformou em “ditadura do Relativismo” ( tal como profetizou Bento XVI). Por ex, durante anos os direitos civis dos homossexuais foram avançando lentamente, passo a passo, conquistando espaço ( e, em muitos aspectos, ainda bem)… Tal não pode, contudo, impedir que a crença cristã na complementaridade sexual no casamento, e dos cônjuges, passe a ser considerada como fundamentalismo, homofobismo, radicalismo e, nalguns casos, punível até como crime. Chegámos, então, à ditadura do relativismo. Já dizia São John Henry Newman que “o mal prega a tolerância até que se torne dominante, a partir daí ele procura silenciar o bem”.

4 Qual é então o problema do CMT, se o mesmo até proclama a existência de Deus, e se este mesmo Deus até quer que os Homens sejam felizes e bons uns com os outros?

  • O problema é que na sociedade preconizada pelo CMT, tudo gira em torno do “eu”, tudo gira à volta do Homem e da sua felicidade pessoal, da sua auto-estima, da sua relação com os outros, dos seus sonhos e projectos, da sua realização pessoal. Já o Cristianismo das escrituras e da tradição, é muito mais do que isso: o Cristianismo bíblico fala da centralidade da oração, fala do arrependimento e da pureza de coração, fala do esforço, do sacrifício, do sofrimento e do esquecer-se de si próprio, fala da comunhão, do mal e do pecado; fala da Cruz como caminho incontornável para Deus. É algo totalmente diferente!
  • O problema é que na sociedade preconizada pelo CMT , a primazia da emoção e do sentimentalismo, e o primado da autodeterminação e da vontade individual são considerados o Bem Supremo. E o mundo faz essa enorme pressão para que nos mundanizemos, para que nos banalizemos e nos deixemos condicionar pelas modas, tendências, preferências do momento; o mundo quer que desistamos de “remar contra a maré”. Mas Jesus diz-nos: “Céu e Terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. E passará esta geração, mas as minhas palavras não”! A palavra do Evangelho é sempre actual!