O dia 26 de Maio já passou. Indignados ou não com a elevada taxa de abstenção que se verificou em Portugal, estão escolhidos os nossos representantes no Parlamento Europeu. Passadas duas semanas desde o ato eleitoral, impõe-se uma reflexão sobre as matérias que são incontornáveis e que a próxima Comissão Europeia deverá abordar. Esperam-se cinco anos de trabalho árduo pela UE e pela afirmação de Portugal no espaço europeu. Apesar das forças pró-europeias terem superado as expetativas nestas eleições, não trago nenhuma novidade ao afirmar que o futuro da União Europeia é muito incerto. É por isso que devemos definir prioridades e perceber que matérias exigem uma resposta europeia. Comecemos pelo combate às alterações climáticas: esta é uma matéria que, não apenas está a ser liderada pela UE, como é a prova de que a pressão feita pela opinião pública consegue colocar temas na agenda. O respeito pelos objetivos traçados no acordo de Paris são apenas o início e o estritamente essencial. Exige-se uma verdadeira estratégia europeia para não perdermos esta “guerra”. De realçar que Portugal será um dos principais afetados, caso nada seja feito.

Mas, existem outros temas de relevo e que ocupam pouco espaço na agenda. Falemos de energia, área essencial da geopolítica e da geoestratégia. Falemos da importância de se diversificar as fontes energéticas, de diminuir a dependência face à Rússia, de reverter a realidade que demonstra que a UE e todos os seus Estados-Membros são importadores líquidos de energia e que mais de metade das necessidades de energia da UE-28 é suprida através de importações. Portugal, podia desempenhar um papel essencial nesta questão, potenciando o Porto de Sines enquanto entrada de gás natural liquefeito na Europa.

Noutras matérias, a próxima Comissão Europeia terá de ser capaz de reforçar uma parceria estratégica com a União Africana. Terá de encarar o continente Africano como um verdadeiro parceiro para que, juntos, possam encontrar soluções para os seus problemas. Essas soluções passam por aconselhar, dialogar e encontrar estratégias conjuntas e não apenas financiar.

O futuro da UE constrói-se através da coesão e dos direitos sociais. Nos próximos cinco anos deverá ser criada uma verdadeira Europa para os cidadãos. Não é exagero se disser que a UE desaparecerá no dia em que os cidadãos sentirem que nada ganham com ela. O pilar social será uma prioridade fundamental.

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O futuro passará também por refletir muito bem sobre novos alargamentos. É tempo de aceitar que já somos muitos e que, também por isso, precisamos de velocidades e tempos diferentes. Neste sentido, devemos refletir sobre a criação de círculos concêntricos com diferentes níveis de integração estudando a possibilidade de ter membros com estatuto de observador sem direito de voto, pelo menos numa fase inicial. Esta solução permitiria afastar determinados países da Rússia de Putin – imperialista e revisionista – enquanto que se integrariam os países de forma mais lenta e ponderada. O futuro da UE, mas também do Ocidente enquanto espaço político de liberdades, passa pelo reforço do multilateralismo, passa por instituições como o Banco Mundial, o FMI, ou a OMC terem a capacidade de se adaptarem e de serem capazes de integrar países como a China ou a Índia, evitando que estes criem estruturas paralelas. O futuro constrói-se marcando a Ordem Internacional através de um soft power intenso, através de relações económicas favoráveis e atrativas. Faz-se por não deixar de ser uma potência normativa, e por manter a unanimidade nas questões de política externa, fiscalidade, segurança e defesa, matérias essenciais para a garantia das soberanias dos Estados. Passa por aumentar os níveis de literacia digital dos seus cidadãos, por entender que a revolução tecnológica tem efeitos geopolíticos como prova o 5G. O futuro depende da compreensão de que a China quer liderar a Ordem Internacional (assim o prova o “One Belt, One Road”) e da necessidade de investir na inovação e na investigação, reforçando as bolsas a investigadores, flexibilizando e simplificando o acesso a fundos europeus para que os melhores projetos não desistam da UE.

Por fim, a União Europeia precisa de ponderação e de moderação. Precisa de preservar os seus traços intergovernamentais e de resistir ao ímpeto federal que alguns querem impor. Hoje, estamos condenados a uma divisão entre eurocéticos e, como um amigo meu dizia, entre “euro-escuteiros”. Estes últimos são aqueles que dizem sim a tudo, a todas as formas de integração, que encontram inimigos da União em todos aqueles que coloquem dúvidas ao projeto europeu. A música da mocidade portuguesa caracteriza-os: “Lá vamos cantando e rindo, levados, levados sim”. Eurocéticos e euro-escuteiros não devem ser subvalorizados, porque são perigosos para o futuro da União e não sei qual será pior. Os eurocéticos, aparentemente, sabem o que querem, sabem para onde vão e, mais importante que isso, nós sabemos o que esperar deles. Já os “euro-escuteiros” não fazem ideia do que querem, não sabem para onde vão e nós, certamente, não fazemos ideia do que esperar deles.

Jurista e aluno no Mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na UCP- IEP