A pandemia COVID-19 gerou uma dupla disrupção, quer ao nível da oferta, quer ao nível da procura da quase totalidade da cadeia produtiva, com efeitos a uma escala sem precedentes, provocando a interrupção de fornecimentos e de produção industrial de bens e equipamentos, dificuldades em toda a cadeia logística, restrições à circulação e a necessidade de cumprir as normas de saúde e segurança impostas por diversas entidades, inclusive de confinamento.

Com a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, assistiu-se, de imediato, a um comportamento anormal, absolutamente extraordinário e inesperado, por parte dos mercados internacionais de commodities, agravando ainda mais a escalada de preços das matérias-primas e aumentando o clima de incerteza quanto aos impactos de tal conjuntura no setor da construção civil.

Esta situação provocou um aumento exponencial dos custos da mão de obra, dos materiais e dos equipamentos necessários à execução das empreitadas.

Após meses difíceis por parte dos empreiteiros e de ameaças de paragem de obras, o Governo definiu medidas extraordinárias e urgentes indispensáveis para garantir as condições de execução dos contratos públicos, nomeadamente a aprovação de um regime excecional e temporário no âmbito do aumento dos preços com impacto em contratos públicos, através do Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sucede que, três meses volvidos desde a entrada em vigor daquele regime, os empreiteiros são confrontados com uma enorme resistência por parte dos donos de obra em aceitarem as propostas de revisão extraordinária de preços apresentadas, seja por receio, seja por avareza, e o que parecia uma luz ao fundo do túnel tornou-se num imbróglio de burocracia e discórdia.

Desde logo, os documentos juntos com o pedido pelos empreiteiros e construtoras nunca são suficientes para fundamentar o aumento dos preços, sucedendo-se uma troca de missivas com pedidos de elementos e informações adicionais, que vão protelando a aplicação de um regime que se pedia urgente e expedito.

Por outro lado, o atraso na publicação dos índices trimestrais de revisão de preços pelo IMPIC (veja-se que os índices de revisão de preços relativos ao 1º trimestre de 2022 foram publicados quase três meses depois através do Aviso n.º 11325/2022, de 3 de junho) adia a determinação da taxa de variação homóloga do custo, dificultando a aplicação do regime.

Também objeto de contenda tem sido o entendimento comum dos donos de obra de que a revisão extraordinária de preços apenas se aplica ao prazo legal da empreitada, ignorando que a legislação prevê expressamente que a revisão extraordinária de preços se aplica a todo o período de execução da empreitada, ou seja, ao efetivo prazo de execução da empreitada, incluindo prorrogações de qualquer natureza.

O máximo a que os empreiteiros podem almejar é que o dono de obra aceite a realização da revisão de preços por fórmula, com os coeficientes de atualização (Ct) resultantes dos respetivos cálculos multiplicados por um fator de compensação de 1,1, conforme admitido pelo diploma legal.

Ou seja, faltando pouco mais de quatro meses de vigência deste regime excecional e temporário, que cessa a 31 de dezembro de 2022 e mantendo-se o aumento exponencial dos preços, o mecanismo de revisão extraordinária de preços criado pelo Governo não tem conseguido devolver aos contratos de empreitadas de obras públicas o necessário e desejado equilíbrio financeiro, nem resolver entropias evidentes no setor.

Assim, ainda para mais quando se anuncia um aumento histórico da taxa de inflação, urge alterar o Decreto-Lei n.º 36/2022, não só prolongando a vigência deste regime, mas principalmente clarificando-o e simplificando-o, pois só dessa forma serão alcançadas as finalidades subjacentes à sua aprovação, isto é, a prossecução do interesse público e a sustentabilidade e viabilidade dos operadores económicos.