Foi na passada quarta-feira (23-03-2022) que se completaram 17 500 dias de liberdade – desde o 25 de Abril de 1974 (contando o próprio dia). O número de dias de regime totalitário somou exatamente também 17 500 dias (de 28-05-1926 a 25-04-1974). Logo, a partir de agora temos mais tempo de democracia do que de ditadura. Deixou de haver desculpas para a “pesada herança do fascismo”. Ante a barbárie de novo à solta na Europa e a crise alimentar que se avizinha lembrei as palavras bíblicas do “pão nosso de cada dia”. Ora o pão nosso para os países europeus tem sido tradicionalmente o de trigo. Noutras regiões temos outros cereais ou afins como produtos básicos.

  • Para os asiáticos tem sido o arroz;
  • Para outros, a mandioca, originária da América do Sul, mas com apreciável implantação na África Negra onde constitui a base da alimentação de algumas zonas, embora não seja um cereal.
  • E para outros, ainda, o milho (como foi o caso dos nativo-americanos) que foi trazido da América para a Europa e que hoje é um cereal quase totalmente utilizado para consumo animal tendo em vista a posterior produção de carne.
  • O centeio e a cevada têm também o seu lugar na Europa, mas muito menos importante que os acima referidos.

São estes os principais produtores europeus do “pão nosso” no triénio que vai de 2018 a 2020.

Trigo – produção anual média no triénio em toneladas:

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Considerando todos os países da Europa eis que os últimos quatro lugares são ocupados pelos seguintes países com a respetiva produção anual (média no triénio) indicada em toneladas.

Face aos números irrisórios apresentados para Portugal (cerca de 77 mil toneladas) nestes últimos anos, podemos constatar que o melhor ano da produção de trigo foi o de 1935 com uma produção de 771 000 toneladas, ou seja, cerca de dez vezes superior à atual. Nos anos 70 do século XX a produção ia oscilando entre as 400 mil e as 600 mil toneladas.

Portugal apresenta assim uma dependência externa quase completa no que se refere ao trigo e também relativamente ao conjunto dos cereais. E como o termo “pão” nunca se limitou ao trigo ou aos cereais vejamos o nosso grau de auto suficiência para os produtos alimentares básicos.

Os números acima foram obtidos a partir do quadro abaixo:
[Consumo = Produção + Importações – Exportações – variação de stocks; Inclui o consumo de turistas]

https://www.fao.org/faostat/en/#data/QCL

Ora esta situação reveste os contornos de um “crime contra a segurança alimentar de todos nós”. Para que servem então os políticos e as políticas? Como não estou interessado em abordar aqui assuntos políticos – que se tornaram num circo mediático – serve este texto para alertar os nossos cidadãos para este facto: o de o nosso país correr riscos enormes em termos alimentares. Como vejo ninguém muito preocupado com isso vou passar das estatísticas para os milagres, pois só um milagre nos salvará se a situação internacional se agravar.

Entre os milagres de Jesus descritos na Bíblia (sejam eles simples metáforas ou acontecimentos históricos reais) são especialmente famosos aqueles onde o Mestre galileu efetuou uma multiplicação de pães e de peixes perante milhares de pessoas. O episódio é comum aos quatro Evangelhos, coisa rara nos relatos bíblicos (ver à Mateus 14:13- 21, Marcos 6:31-44, Lucas 9:10-17 e João 6:5-15). Ora entre todas as descrições milagrosas na Bíblia não existe uma única em que Jesus tenha efetuado uma multiplicação de dinheiro.

Como contraponto o que se tem passado em Portugal nas últimas décadas, por obra dos políticos e com a ajuda da União Europeia (UE), foi a realização de anti milagres. Ou seja, o contrário do descrito nos milagres bíblicos pois os dirigentes deste país conseguiram criar as condições para:

  • Uma “desmultiplicação dos pães” – com a queda apreciável da produção cerealífera nos últimos decénios.
  • Uma “desmultiplicação dos peixes”. Um país com mais de 1,7 milhões de km 2 de ZEE – zona económica marítima exclusiva (a 20a mundial) – importa cerca de 2/3 do pescado que consome (incluindo o consumo dos turistas evidentemente).
  • Uma multiplicação do dinheiro vindo da U.E. – numa atividade que nos especializámos, pois desde 1986 entraram a “fundo perdido” em termos líquidos cerca de 107,5 mil milhões de Euros a preços de 2021.