Eram 16h00 do dia 14 de maio de 1948, em Jerusalém, precisamente oito horas antes de terminar o mandato da ONU concedido à Grã-Bretanha sobre os territórios da Palestina, quando David Ben Gurion reuniu os líderes judeus no Museu de Telavive para proclamar o estabelecimento do Estado de Israel. Só muito raramente uma nação proclamou a independência na História da Humanidade, ficando de imediato em risco de entrar em guerra total com todos os países vizinhos – e mesmo com outros estados que nem sequer partilhavam qualquer fronteira com o novo Estado.

A sensação sem precedentes do que muitos consideraram como o renascimento do lar judaico na terra bíblica de Israel, foi confrontada de imediato com os desafios constantes que o Estado enfrentou desde a sua criação. Estes desafios internos também são externos, por não conseguir alcançar acordos de paz minimamente estáveis e ser desafiado de forma permanente por outros Estados e grupos paramilitares, como o Hamas e Hezbollah, entre outros, fazendo da própria existência de Israel um facto histórico realmente inédito.

Ao assumir-se como a “Nação do Povo Judeu”, o novo Estado de Israel foi obrigado a tornar-se um porto seguro para um povo com dois mil anos de errância, o que significava que teria de ser também um espaço de convivência pacífica para quem tinha sofrido a experiência traumática do Holocausto, quer como sobrevivente, quer como refugiado.

Esse porto seguro traduziu-se rapidamente numa terra que tinha cerca de 650 mil habitantes judeus no dia da declaração da independência e que absorveu em pouco tempo o dobro da população, atingindo, 75 anos depois, cerca de 10 milhões de pessoas, com uma percentagem predominante de origem judaica. Mais uma vez, enquanto escrevemos estas linhas, Israel consegue ser o refúgio seguro, tanto para os judeus russos quanto para os ucranianos. Aqueles que desejam, podem encontrar um caminho para emigrar para Israel. O mesmo sucede, também, nos dias que correm, para quem não é judeu.

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Israel não ultrapassou apenas os desafios de absorver imigrantes que vieram de sítios tão diferentes como o Iémen e Marrocos, Argentina ou a Rússia, entre tantos outros, mas também é um dos países com uma das maiores taxas de natalidade em sociedades ocidentais, com uma média de quase três bebés por família. O aumento populacional é, sem dúvida, outro fator de preocupação para os decisores políticos, já que conduz à necessidade de criação de mais cidades e de novas regiões – e, por isso, ao crescimento e à expansão do Estado Hebraico.

A combinação entre garantir a segurança e responder às necessidades sociais levaram a que Israel estivesse em permanente desafio interno, consigo mesmo. Numa fase muito inicial, pelo menos até à Guerra dos Seis Dias de 1967, sobretudo devido às necessidades militares e aos constantes ataques à sua existência, Israel teve de ser inovador e criativo. Israel funcionou sempre com a possibilidade de que as portas externas poderiam fechar a qualquer momento e que a sua economia poderia ser limitada. No entanto, a história tomou uma direção diferente e a maioria das nações que se uniram para derrotar e destruir Israel em 1948 são agora grandes parceiros militares e económicos.

Os Acordos de Abraham de 2020 foram mais um exemplo de como um ator distante e não muito relevante como Israel se transformou numa força motriz para a prosperidade e o desenvolvimento da região. O que já tinha sido previsto por David Ben Gurion na Declaração de Independência de 14 de maio de 1948.

Mas o que tudo isto significa sobre os laços estratégicos da política externa israelita? Pode Israel contar apenas com o apoio dos Estados Unidos? A resposta é simplesmente negativa: o maior parceiro comercial é a União Europeia e Israel gosta de fazer parte do programa Horizon 2020, apoiando, desenvolvendo e promovendo os académicos israelitas em todo o mundo.

Através das conexões e dos contatos com a Europa, Israel pode crescer economicamente, mas também fazer parte de uma parceria estratégica mais alargada.

O recentemente formado Clube do Egeu, constituído por Israel, Chipre e Grécia, provou ser um importante denominador geoestratégico, pressionando tanto a Turquia quanto o Líbano a mudar de rumo em várias questões, principalmente no campo da energia. Israel tem vindo a tornar-se de facto num parceiro estratégico para os países europeus da sua região, algo inimaginável há cerca de vinte anos.

Através dos contatos com a Europa, os israelitas puderam desenvolver os campos de gás natural e criar uma estabilidade económica e uma independência energética, mas também permitir que seus aliados na Europa explorem ou procurem fontes de energia menos controversas, criando uma alternativa para o gás natural oriundo da Rússia ou do petróleo iraniano. Em questões de segurança, os laços nunca foram tão fortes e a indústria de segurança israelita tem vindo a desenvolver-se de mãos dadas com os parceiros europeus – e a procura continua em alta. As relações políticas com a maioria das capitais europeias são fortes, permitindo que Israel compartilhe conhecimento com os parceiros europeus. Esta parceria beneficia os países europeus não só em diversos campos em termos de segurança, mas também contribui para a manutenção dos interesses europeus no Médio Oriente.

Quanto à questão palestiniana, há aqui um grande desafio para os decisores políticos. Se a ideia por trás dos Acordos de Abraham for desenvolvida e a Europa for um facilitador mais ativo no apoio e na promoção da paz económica entre os palestinianos, apoiando o seu objetivo de estabelecer instituições estatais funcionais, é possível que se venha a criar uma liderança palestina estável. Uma liderança que terá de se empenhar, numa primeira fase, no desenvolvimento económico, educacional e social da sociedade palestiniana.

O foco na sociedade civil e o facto de os Acordos de Abraham terem sido estabelecidos com os Estados Árabes são um excelente caminho para complementar a ideia europeia do Processo de Paz no Médio Oriente (MEPP). A experiência de Israel com a retirada unilateral da Faixa de Gaza mostrou que a falta de infraestruturas democráticas existentes na região, mas também na Cisjordânia, não permitirá que a Palestina se desenvolva como desejam tantos palestinianos, em Israel e na diáspora. O círculo de sangue e terror, assim como o desafio da violência e da falta de esperança, só pode ser ultrapassado com a promessa de um futuro melhor – e aqui a

Europa pode e deve desempenhar um papel muito ativo. Esse papel não se deve conter na injeção de financiamento, mas na monitorização dos fundos disponibilizados e na obtenção de resultados. Se os países vizinhos tivessem aceitado a criação de um estado árabe em 1948, muito provavelmente estaríamos a celebrar agora um duplo aniversário.

Por último, o 75.º aniversário da independência do estado de Israel é contemporâneo de uma forte contestação interna que opõe os dois espectros da política israelita. Ambos reclamam que já se ultrapassou a fase de formação para um Estado já estabelecido, quer interna, quer externamente. A falta de uma constituição escrita, o resultado direto da falta de consenso político no que toca a assuntos fundamentais do Estado, leva a confrontos entre as duas fações, nomeadamente no que toca à chamada “revolução judicial”. Embora muitos o vejam como um declínio democrático, este é, na verdade, um sinal de que a democracia israelita está viva e que permitirá, através deste desafio polarizador, garantir não só mais 75 anos de existência, mas muitos mais ainda como um Estado democrático, onde todos, independentemente da origem, têm uma palavra a dizer.

Israel goza da perspetiva de um futuro brilhante e a população ainda relativamente jovem, inovadora, mas educada na narrativa da diáspora e nos desafios impostos ao povo judeu, tornou-se num milagre com grande potencial. As vivas discussões políticas fizeram sempre parte do panorama político israelita e um compromisso como o de Harari nos anos 50 também é possível hoje. Talvez tenha chegado o tempo de se criar uma Constituição escrita.

Aconteça o que acontecer, judeus e israelitas não têm outra alternativa: só um Estado dinâmico, inovador e democrático poderá continuar a ser o porto seguro e, assim, continuar a dar ao Mundo tudo o que de melhor tem oferecido.

Parabéns Eretz Israel!