Temos entre nós, infelizmente, o triste hábito de queixar-nos e exalar pessimismo sempre que imaginamos o futuro. É um traço cultural, uma característica que remonta a séculos.

“O nosso país está cada vez pior”, bradam tantos, esquecendo-se que, há pouco mais de 50 anos, no início da década de 1970, estávamos mergulhados numa ditadura que censurava o pensamento livre e que exibia números assustadores como 25,7% de analfabetismo (20,5% a mais do que em 2011) ou 65% da população sem sequer ter frequentado a escola (62% a mais do que hoje).

Temos, como país e como planeta, um longo caminho a percorrer – há muito a melhorar na nossa sociedade, em muitíssimos aspetos. Mas não podemos ignorar o inegável facto de que estamos, hoje, numa posição muito melhor do que ontem.

Falemos, pois, da literatura, pedra fundamental do conhecimento, veículo primário das novas ideias e, portanto, principal motor da evolução. O que falta para que a literatura cresça em Portugal, para que o hábito de leitura se consolide mais na nossa sociedade? Procuremos a resposta nos números.

O mercado de livros em Portugal cresceu 7% em 2023 em relação a 2022 – ano em que já havia crescido 9% sobre o período anterior. São taxas muito acima, por exemplo, da média da União Europeia, que não passou dos 2% em ambos os anos.O crescimento deve-se, sobretudo, ao público mais jovem – justamente a base que irá “construir” o nosso futuro. Leitores com idade entre 15 e 34 anos são responsáveis, hoje, por quase 30% do total de vendas de livros em Portugal.

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Para os que dizem que as redes sociais são uma praga que precisa ser combatida, vale também uma leitura de estatísticas. A massa de utilizadores recomendando livros uns aos outros no TikTok é tão intensa que, hoje, responde por 3% de todas as vendas globais do mercado editorial. As 185 mil milhões de visualizações de conteúdos com recomendação de livros, sob a hashtag “BookTok”, fizeram 48% dos seus usuários afirmarem ler mais livros hoje do que antes de entrarem na rede.

Do ponto de vista da oferta, em todo o mundo, a literatura expande-se devido a livros publicados por autores independentes, a maior parte por plataformas online. Para se ter ideia, 75% dos 4 milhões de novos livros em 2023 – e que responderam por 300 milhões de exemplares vendidos – foram autopublicados. Portugal é um dos poucos países que contam com plataformas gratuitas de autopublicação com distribuição global em todos os formatos, impresso e digital.

Em outras palavras: temos, em Portugal, uma espécie de tempestade perfeita com meios inovadores e gratuitos para novos autores publicarem as suas obras, taxas de leitura crescentes nas camadas mais novas, redes sociais dominantes que impulsionam o consumo literário e um mercado editorial que sente, positivamente, o impacto dessa procura.

Voltemos, pois, à pergunta título deste artigo. O que falta para que a leitura se expanda em Portugal? A resposta é simples: tempo. Afinal, ela já está no início de uma poderosa rota de crescimento – um facto que, devidamente embalado por dados incontestáveis, deve servir de alento até aos mais pessimistas.