“Onde não temos problemas, não os devemos criar”. Esta foi uma das mensagens que o Presidente da República deixou ao primeiro-ministro Luís Montenegro acabado de empossar no dia 2 de Abril. Aparentemente esqueceu-se de aplicar esse conselho a si próprio, como percebemos pela conversa em tom de monólogo que teve com os jornalistas estrangeiros a viver em Portugal. O que disse foi de tal for estranho que justificou a perplexidade dos jornalistas na tentativa de perceberem o que pretende Marcelo Rebelo de Sousa. Defender o seu legado? Sair da presidência como mais popular dos presidentes? Mesmo que isso tenham custos para o país?

No universo da política e especialmente da elite tradicional lisboeta, não há quem não identifique uma inteligência superior no Presidente. É difícil perceber porquê, mas temos de aceitar que quem conhece melhor o Presidente tenha razões para afirmar aquilo que não conseguimos identificar, ao longo deste tempo de exercício da sua função e principalmente nestes últimos anos. Aquilo que nos é dado é uma personalidade centrada em si própria e viciada em cenários e jogos políticos, que não se coíbe de dizer uma coisa e o seu contrário e a quem tudo é perdoado pelo encanto que gera à sua volta, mas também por fazer parte integrante da elite lisboeta que andou pelas mesmas escolas e universidades.

Os problemas que temos, que são muitos e constituem as principais explicações para a atracção do eleitorado pelas mensagens populistas, não parecem preocupar o Presidente.

A Justiça não funciona e temos parte relevante da classe política contaminada por investigações. Mas para o presidente o relevante é falar sobre o que considera serem as tácticas da Procuradora-Geral da República, que classificou como maquiavélicas por ter aberto, no dia da demissão do primeiro-ministro António Costa, um inquérito ao seu eventual envolvimento numa cunha para gémeas de origem brasileira terem acesso rápido aos serviços portugueses de saúde.

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A Educação está repleta de problemas que vão desde a falta de professores a um facilitismo que vai agravar desigualdades e afectar toda uma geração. O acesso à Saúde agrava igualmente as desigualdades, com um país em que uns têm melhores cuidados do que outros, porque têm dinheiro ou seguros. A imigração está em descontrolo e há sintomas crescentes de tensão entre as comunidades locais e quem procura o país para trabalhar. Os polícias e os militares estão descontentes. A economia cresce de forma medíocre, baseada no turismo que está longe de garantir salários mais elevados, enquanto vamos falhando projetos que procuram localizações europeias, seguindo o movimento da desglobalização, de aposta na segurança de abastecimento europeu ou de novos sectores ligados à economia verde ou digital.

Manifestou o Presidente alguma ideia sobre as suas preocupações com estes temas que afectam a vida dos portugueses? Claro que não. Preferiu classificar o ex-primeiro-ministro como “lento” por ser “oriental” insultando de caminho os orientais. E olhar para o novo primeiro-ministro como um saloio, um “rural” como disse, difícil de entender.

Como se tudo isto não bastasse e contrariando o que recomendou a Luís Montenegro, lançou um tema que divide a sociedade e alimenta o populismo: “reparar” os danos causados às ex-colónias. Aquilo que não era um tema na sociedade portuguesa passou a ser o centro de uma polémica, quando basta pensar um bocado para perceber a impossibilidade de tal “reparação”, quer em termos práticos como pelo facto de estarmos a abrir uma autêntica caixa de pandora. A quem e como vamos pagar? E qual é o corte temporal na história que vamos fazer?  E porque não deve também o Estado reparar o mal que fez aos seus próprios cidadãos que foram enviados para a guerra ou àqueles que o regime ditatorial prendeu e torturou?

E assim estamos a debater um tema sem solução, quando os portugueses enfrentam problemas concretos no seu quotidiano que ninguém parece preocupado em resolver. Enquanto se fazem debates sobre a reparação do passado, deixamos de olhar para o presente de um país que tanta acção precisa.

O que pretende o Presidente? Porque está a criar problemas que não existem, contrariando o que sensatamente recomendou a Luís Montenegro que não fizesse? Revela o que disse uma maior preocupação com a sua popularidade, consigo próprio, do que com o País? E é assim que pensa que vai conseguir ser mais popular? Marcelo Rebelo de Sousa corre o sério risco de terminar o seu mandato como o menos popular dos presidentes e como um promotor do populismo, mesmo sem o querer.