No nosso enviesado imaginário Ocidental, costumamos pensar no mundo árabe como uma civilização pautada pelo fanatismo religioso, por um conservadorismo medieval e por amarras de censura típicas de regimes autocráticos, que impedem qualquer rompante mínimo de inovação de ter sequer uma hipótese de sobrevivência. Mas, afinal, as pistas para o futuro do setor livreiro também podem estar aqui.

Acredito que esta nossa visão venha das notícias de guerras e tragédias humanas que, verdade seja dita, emergem deste mundo tão próximo, mas tão distante do nosso. Mas, também, para sermos sinceros, as notícias não são assim tão diferentes em sítios distantes como o Haiti, Venezuela, países da América Central ou Ucrânia (embora, neste último caso, a causa seja essencialmente externa).

O facto é que todo o nosso planeta, do Ocidente ao Oriente, é marcado, talvez em igual proporção, tanto pelas surpreendentes maravilhas intelectuais quanto pelos desastres fundamentalistas, tanto pelos nossos saltos civilizacionais quanto pelos nossos abismos sociais. O mundo é grande e acreditar que apenas uma parte dele – a que nos inclui – detém o monopólio das estradas para o futuro é de uma miopia potencialmente desastrosa.

Por força do meu trabalho, tenho percorrido o mundo para participar nas mais diferentes feiras literárias, em busca de uma compreensão maior acerca do futuro do livro e do mercado editorial.

São Paulo, Frankfurt, Londres, Guadalajara, Cairo, Abu-Dhabi, Lisboa: todas as feiras de livros partilham o mesmo objetivo de desbravar novas rotas para que cada vez mais histórias cumpram o seu propósito de encontrar cada vez mais leitores. Porque seja qual for o pensamento, uma coisa não muda: a literatura, por meio do intercâmbio de ideias que proporciona, é, indubitavelmente, o caminho mais eficiente para a evolução de qualquer povo.

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Mas há uma diferença curiosa, talvez até desconcertante, no tipo de discussão que vem do mundo árabe. O Ocidente perde-se em infinitos debates sobre as tecnologias que, na sua visão, ameaçam o futuro do livro – como o ChatGPT, para citar apenas um dos pavores dos editores de hoje. Já o mundo árabe procura saber de que forma é que essas tecnologias podem ampliar a oferta e a procura.

Enquanto, no Ocidente, são raros os casos palpáveis de inovação no modelo centenário de publicação, no Médio Oriente, há experiências cada vez mais arrojadas, inclusive com patrocínios governamentais, que procuram difundir a sua literatura para todo o mundo, em todos os idiomas. Enquanto por aqui reinam o pessimismo e a queixa, por lá predomina a necessidade de entender e de utilizar, no menor tempo possível, qualquer novidade que possa ajudá-los a abrir novos mercados.

O que significa tudo isto? Que, enquanto o Ocidente concentra todas as suas energias a nadar contra as correntes do mercado, reclamando da realidade e lutando contra o futuro, o mundo árabe abraça um estilo fundamentalmente mais prático, experimentando modelos que usem as engrenagens do mundo a seu favor, ao invés de apenas criticá-las.

O mercado editorial árabe, que gira em torno 4 mil milhões de euros, ainda é relativamente pequeno – apenas para comparação, as vendas de livros na Europa superaram os 23 mil milhões de euros em 2022. E, sim, com incontáveis desafios políticos e sociais, ainda há um caminho imenso para que os países árabes voltem a ser o que foram há mil anos: o farol cultural da humanidade. Mas um dos maiores erros que qualquer civilização pode incorrer é olhar o presente como algo imutável, ignorando os movimentos culturais sísmicos que começam a formar-se ao seu redor.

Enquanto o mercado editorial ocidental parece congelado no tempo e no seu constante pessimismo, há sinais de inovação importantes vindos do leste. Perceber e, sobretudo, aprender com as disrupções que estão a surgir no mundo árabe pode ser uma estratégia importantíssima de sobrevivência, num futuro que é cada vez mais tecnológico.