Gostava de dizer ao sr. primeiro-ministro uma coisa que me parecia evidente mas que, tendo em conta as suas últimas palavras, se calhar não o é. Para os media darem melhor informação era bom que começasse ele próprio por dar, ou deixasse que dessem, uma informação melhor. Ou pelo menos alguma informaçãozita digna desse nome. A começar, de uma vez por todas, por respostas claras às conclusões da Comissão Independente sobre os fogos de Outubro (que mataram mais 48 pessoas). E que não são muito diferentes das dos grandes incêndios de Junho (onde morreram 65).
Segundo António Costa, um dos problemas dos incêndios foi a “péssima qualidade da informação” em Portugal, que só “desperta para o problema no meio da tragédia”. Segundo os 12 especialistas que estudaram o maior incêndio da Europa em 2017, o problema foi da “falta de meios” e de “falhas evitáveis do Estado”. Portanto é preciso esclarecer em que é que ficamos. E esta já me parece ser a hora adequada para colocar as questões que nunca foram respondidas.
Para que nem eu, como jornalista e responsável em jornais, leve mais puxões de orelhas sem pruridos democráticos do primeiro-ministro. Nem ele, como líder do Governo e das instituições que são suposto garantir a segurança dos cidadãos, seja arrasado por quem sabe das coisas e foi para o terreno ver e ouvir o que lá se passou e não se ficou pelas tais ‘tretas’ que Costa acha que foram dadas pelos media.
Admito que António Costa preferisse que todos ignorássemos mais este grave relatório. Que talvez não considerasse isso “péssima qualidade da informação”. Lamento, mas não concordamos. E tenho uma série de perguntas para enviar à sua atenção. Espero que ele desculpe a impertinência (caso contrário tem sempre o recurso a SMS), porque são questões mais do que pertinentes.
Como não quero ver mais dessa tal “informação péssima“ por aí, gostava que dissesse claramente quem recusou os sete pedidos de reforço de meios feitos pela Protecção Civil entre Março e Outubro? E a quem é que se pode atribuir em concreto a responsabilidade de ter dito não? E, já agora, o que lhe vai acontecer?
Como não consigo ignorar o papel da então ministra da Administração Interna, que à altura ainda insistia em manter em funções, gostava que a própria respondesse às muitas dúvidas presentes neste relatório para poder dar finalmente informação excepcional. A drª. Constança, que já deve ter tido férias para descansar e só tem agora de reavaliar se o dr. Feliciano precisa de voltar a ter aulas para manter a sua tese de doutoramento, que diga por favor porque só autorizou 50 das 105 equipas de combate aos fogos solicitadas e chumbou horas de voo suplementares, mais aviões e equipas especiais de bombeiros. E porque só lhes deu o ok depois do “pior dia do ano”.
Como não pretendo publicar nada sem a “qualidade” devida, gostava que esclarecesse também como é que os peritos dizem que era possível prevenir os incêndios de Outubro, sobretudo depois do que acontecera em Julho, se tivesse sido dada mais e melhor informação prévia e tomadas medidas mais robustas. Isto tendo em conta que disse que “foi feito tudo o que podia ser feito” e que “estas coisas não se podem prever”.
Como não desejo que continue a ter má impressão da informação dos jornalistas, gostava que reencaminhasse esta questão para o sr. ministro da Defesa, que até já passou pela ERC. Para que Azeredo Lopes diga concretamente, enquanto elaborou o relatório de Tancos pelo qual Marcelo (des)esperava, porque é que o apoio das Forças Armadas, tão badalado, ficou “aquém do desejado”, enquanto ardiam mais 200 mil hectares em apenas dois dias.
Como sei que se aplicou tanto no controlo da boa informação da Proteção Civil, gostava ainda que interviesse para que apareçam para mais uma daquelas comunicações formais. Apenas para sabermos porque suavizaram os alertas e até falaram em chuva, levando algumas pessoas a arriscar fazer queimadas.
Como criticou tantas vezes o SIRESP e apontou para tantas mudanças depois das falhas de Julho, gostava de lhe pedir uma última boa informação. Que justificasse porque voltou a haver falhas nas comunicações que limitaram o INEM e deixaram as populações abandonadas (muitas hoje ainda sem ter como comunicar).
Só para acabar, como se empenhou tanto na nova lei da limpeza das matas e até mandou a informação chegar a todos com um intimidante mail remetido pelas Finanças, gostava que comentasse o que afirma agora a Comissão Técnica Independente. Não sei se já leu: diz preto no branco que as novas regras são o “exemplo de leis mal feitas, sem base técnica ou científica“.
É que depois de ler todo o relatório, linha a linha e vírgula a vírgula, fiquei com uma impressão bem diferente da do sr. primeiro-ministro. Parece-me que quem só desperta para os problemas depois deles acontecerem não são os media, são os ministros e as entidades que eles lideram. E que o problema não é da péssima qualidade da nossa informação, mas sim da péssima qualidade da sua governação.
Só mais duas ou três coisas
- Não houve movimentos nas redes sociais. Nem abaixo-assinados de professores ou alunos, antes pelo contrário, partiu deles o convite. A conferência tinha o apoio da RTP e da RDP, a televisão e a rádio pública paga com os nossos impostos (olhem para a factura da luz). José Sócrates, o ex-primeiro-ministro acusado de corrupção e vários outros crimes, foi dar uma aula sobre o projeto europeu depois da crise económica. E o que acabou por dizer Sócrates: em duas horas esteve a auto-elogiar-se, só culpou a austeridade de Passos, deixou meia dúzia de elogios a Governo e ignorou por completo as questões de Justiça. Foi uma lição e peras.
- Um leitor criticou-me por raro ser o artigo em que não me refiro a José Sócrates. Quero dizer-lhe a ele e a todos que escrevo não sobre Sócrates em particular (embora não faltem motivos), mas sobretudo sobre o que ele representa na política. E faço-o exatamente por causa de casos como os de Barreiras Duarte, de Miguel Relvas, de Sónia Fertuzinhos, de Salvador Malheiro, de Armando Vara, de todos os que falsificaram currículos, declararam moradas falsas para receber mais uns trocos e/ou se aproveitaram da passagem pela política, ou do estatuto que ela lhes deu, para quererem parecer mais do que são, ou para chegarem onde não chegariam de outra forma. O que todos eles demonstram, cada um à sua escala, são diferentes graus de maus políticos. De uma política que já não tem, nem atrai, homens grandes. Que vive na pequenez.