Como podemos acreditar que seja bom para a democracia portuguesa que quase 70% do eleitorado que vota, tenha sistematicamente escolhido ser representado por dois partidos, que há muito deixaram de ter uma ideia, um plano, uma convicção. “Iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar” nas palavras sábias de Guerra Junqueiro, em 1898, em frente do próprio Rei D. Carlos, descrevendo com uma acutilância eloquente o “rotativismo” entre o Partido Regenerador e o Progressista, que dependiam dum sistema eleitoral onde apenas os homens maiores de 21 anos e instruídos podiam votar.

Passados 120 anos, o nosso sistema eleitoral, sem o vislumbre de uma reforma séria, continua a privilegiar o abstencionista involuntário e sobretudo o voluntário, de protesto e de resignação, sustentado no votante militante da fação maioritária dos partidos do arco da governação e enviesando o voto útil nas regiões mais despovoadas, contribuindo para perpetuar o rotativismo militante do século XXI entre PS e PSD.

Nos últimos 8 anos fomos desgovernados pela posição hegemónica do Partido Socialista sobre a dita esquerda, com um PCP que não consegue representar o seu militante, ancorado num projeto falhado – e que conseguiu manter em funções um Secretário Geral muito para lá do imaginável, qual Brejnev no fim do país dos sovietes, substituído por um desconhecido – , e por um Bloco de Esquerda preso a um sectarismo revolucionário, sem que se tenham vislumbrado grandes arrufos de comportamentos democráticos nestes antigos parceiros de geringonça, depois das suas maiores derrotas eleitorais, e sem que, entre os seus militantes, “emergisse uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois nem já com as orelhas são capazes de sacudirem as moscas”. No ínterim, e por cansaço claro da ex-coordenadora do BE, tornou-se imperativo passar o testemunho a uma das gémeas que sobre os “acumuladores de dinheiro” promete vigilância, convicta de que um dia conseguirão acabar com os ricos conquanto alguns possam manter os privilégios tão eloquentemente demonstrado por Orwell em o Triunfo dos Porcos.

O PSD, longe da clarividência do seu fundador, por dificuldade de renovação, insiste em glorificar por um lado a figura responsável por ter revertido alguns dos males do PREC mas que vendeu o país às postas, eliminando toda a indústria, pescas e agricultura pelo caminho, e uma outra figura quartada pelo desenrolar dos acontecimentos recentes, saudosa para uns por nos ter colocado de volta nos eixos mas que nos estrangulou para além da troika com um brutal aumento de impostos, sem nada ter dado em troca, perante todo o sacrifício. O anterior líder deste PSD ao ter-se recusado a traçar uma linha vermelha sobre um partido com claras tendências fascizantes e praticantes confessos de um discurso intolerante, traçou uma clara tendência de declínio com a derrota nas últimas eleições, consumado na eleição de um novo líder titubeio e ainda sem provas, mas que já traçou, sem grande firmeza, a dita linha vermelha de não se aliar com a extrema-direita, pelo que terá de enfrentar a besta que se adivinha pelo lado do PS para desespero do eleitor, confundido que está pela retórica radical da bem-aventurança.

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Independentemente das intrigas e da legitimidade das intenções, apresenta-se 2024 como uma janela de oportunidade para mudarmos o status quo e poder virar o poder para abraçar um novo rumo para o país, livre de sevandijas e pantomineiros e servido por pessoas integras e espinha dorsal.

Tal como diria Abílio Guerra Junqueiro “há, além disso, bem no fundo deste povo um pecúlio enorme de inteligência e de resistência, de sobriedade e de bondade, tesoiro precioso, oculto há séculos em mina entulhada. É ainda a sombra daquele povo que ergueu os Jerónimos, que escreveu os Lusíadas. Desenterremo-la, exumemo-la. Quem sabe, talvez revivesse! “

Os sociais-democratas e os liberais têm uma oportunidade de ouro, dada de bandeja pelos nossos Procuradores, de mudar claramente o País e quebrar duma vez o ciclo de marasmo em que nos encontramos, municiado com a geração mais bem preparada de sempre em todos os domínios, dos artífices aos PhD de tudo e mais não sei quê.

Deixem-se de pruridos e encarem de vez a possibilidade de fazer uma Aliança de Mudança com um programa bem definido e um acordo de regime bem alicerçado no melhor que liberais e sociais-democratas têm para oferecer.

Uma Aliança de Mudança que possa coartar os ímpetos de um partido que ganha com o discurso de protesto e promessas vãs, por as intenções das sondagens em somatório de liberais e sociais-democratas colocarem a hipotética coligação com força bastante para galvanizar, com engenho e arte, os eleitores a irem votar, combatendo o abstencionismo, e impedir os acontecimentos que se avizinham se não o fizerem:

  1. Percentagem significativa dada ao Ventura, tornando pouco provável a possibilidade de se conseguir encontrar um consenso governativo com o PSD por não ser possível absorver os ímpetos revanchistas dos poderes ocultos por detrás do Chega.
  2. Por causa de isso, empurrar o PSD (para gáudio do nosso Presidente) para os braços do PS, que até pode ser o partido mais votado, amalgamando-se e fundindo num pesadelo tornado realidade – tudo como dantes, quartel-general em Abrantes, perpetuando-nos numa teia de estagnação, de negócios e de escândalos ainda mais inverosímeis no Limoeiro.
  3. Implosão incapacitante dos liberais, relegando-os muito provavelmente para os confins do esquecimento, até porque os mídia do regime nunca lhes deram qualquer hipótese de antena.
  4. Quem sabe, até, termos o bem-aventurança, para desespero do Santos Silva e companhia, como a figura de proa nas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril que apenas começa a ser uma lembrança viva para os que hoje têm mais de 60 anos.

Por ser sensato, liberais e sociais-democratas que se entendam.

Haja esperança.