Ao esconder o “parecer” do “grupo de trabalho” sobre a vacinação das crianças, a DGS limitou-se a desempenhar o seu papel: servir o poder e desprezar o interesse público. Público ou privado, de resto, o “parecer” não prometia. Agora que ordens superiores, atentas ao dia 30 de Janeiro, decretaram a divulgação daquilo, percebe-se que a DGS colheu as opiniões alucinadas e ignorou ou desvalorizou explicitamente as restantes, ouvindo apenas os “peritos” empenhados em dizer o que a DGS queria ouvir. A DGS, vírgula: é duvidoso que a DGS sequer exista. Bem espremido, aquilo é uma senhora que se alivia de frases e que depois nega essas frases sempre que o governo a “aconselha”. A conhecida dra. Graça é um matraquilho que o dr. Costa utiliza para fingir que as decisões políticas carregam legitimação técnica.

O problema do episódio em causa não é tanto o “parecer” (ofensivo para boa parte dos profissionais de saúde e para a totalidade do bom senso), e sim o esforço na respectiva ocultação. Começa a ser um hábito local, não restrito à DGS. Nas sociedades democráticas, que aliás já viram melhores dias, assuntos delicados arriscam despertar uma barafunda de posições em conflito. Em regimes híbridos como o nosso há a voz do dono, a que se segue um respeitoso silêncio. E o dono disto tudo, que sabe pouco mas sabe colher os benefícios do medo, convenceu-se de que lançar resmas de “medidas”, por grotescas, cómicas, inúteis ou perigosas que sejam, é o caminho para simular “eficácia” e, um bocadinho paradoxalmente, manter elevados os níveis de pânico. Por um lado, o truque ajuda a garantir o sucesso eleitoral do PS, para cúmulo numas eleições em que a oposição plausível abdicou de o ser. Por outro lado, entretém as massas com pantominices e facilita a impunidade dos socialistas para atropelar a lei, o bolso alheio e o ocasional transeunte.

É claro que, do que se depreende das posições da classe médica e dos pediatras em particular, mesmo entre os “peritos” da confiança da DGS seria complicado atingir um consenso acerca da vacinação de criaturinhas que, estatisticamente, não adoecem “de” Covid. Por isso a DGS começou por poupar a ralé à maçada de conhecer divergências, e terminou a ridicularizá-las no próprio documento. Divergências instigam dúvidas. Dúvidas provocam desconfiança. E a desconfiança face ao supremo esclarecimento de quem manda não é coisa boa. Nem aqui nem na China. Ou na Coreia do Norte. Ou em Cuba. Ou na falecida União Soviética, que Lenine a tenha.

A propósito, lamento informar que, não sendo pai, o que me assusta nesta história não é principalmente o cobarde recurso a petizes para proteger os adultos de um contágio que a vacina não impede. Ou a imposição tácita de se vacinar 700 mil cachopos (a somar a 700 mil adolescentes) contra um vírus que, admite o “parecer”, em dois anos matou 4 (quatro) pessoas com menos de 18 anos e com presumíveis condições clínicas que o “parecer”, discreto, não confessa. O que aterroriza mesmo é a aplicação dos métodos leninistas que o episódio revela, um “estilo” inaugurado em 2015 e hoje devidamente banalizado.

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Uma espreitadela ao Twitter, lugar mais rico em psicoses do que o Manual das Doenças Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, mostra o absurdo vigente e os lacaios do dr. Costa em acção. Estes fornecem uma “explicação” recorrente dos segredos da DGS: a necessidade de não alimentar os “negacionistas” ou perturbar cabecinhas simples. Juro que isto está escrito por numerosos vultos, alguns, ao que consta, professores universitários. Omitir, torturar ou enterrar a verdade não é censura (ui, nem por sombras!). É só acautelar que os adversários do “bem comum” não usem a verdade de modo a suscitar insubordinações e perturbações da paz social. Os “negacionistas” são os novos “burgueses”, de cuja influência pérfida as cúpulas da URSS resguardaram o bom, porém crédulo e retardado, povinho.

O engraçado é que, à semelhança do que sucedia com os “burgueses”, a quantidade de “negacionistas” aumenta em proporção directa ao zelo dos fanáticos e às loucuras que o fanatismo impõe. A “injúria” que, a princípio, visava unicamente umas dúzias de excêntricos algo delirantes, passou a incluir a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros e os pediatras consultados pela DGS (e rapidamente enxovalhados no famoso “parecer”). Não tarda, o tradutor para surdos que assiste a dra. Graça é “negacionista”. A prepotência convida à paranóia, e a paranóia convida a descobrir inimigos em cada esquina ou em cada mera advertência de cautela.

É fatal: à medida que as políticas da Covid perdem os últimos vínculos à realidade e se definem de vez enquanto culto religioso, o rol de blasfemos, ou “negacionistas”, tenderá a crescer. Num mundo ideal, os inquisidores acabariam sozinhos, a esconjurar o próximo até se esconjurarem mutuamente. Por azar, o pedacinho de mundo que temos não permite grandes optimismos. Favorecidas pela conivência da vasta maioria dos partidos, dos “media” e do dinheiro, por cá a ocultação, a manipulação e a pura mentira ainda pesam muito. E o amor dos portugueses à liberdade nunca pesou por aí além. A democracia é matéria de nações adultas: um “povo criança”, dizia o poeta, “não dá para ser um país”. Mas dá para vacinar as crianças, gozar com o povo e brincar aos países.

A propósito de brincadeiras, uma anedota final: na quinta-feira, o ministro Santos Silva afirmou que é essencial “combater a desinformação”.