Ninguém pode deixar de se regozijar com a invenção do sistema cromático actual, que de um modo simples nos mantém a todos informados de qualquer coisa que possa acontecer neste mundo. Chamamos-lhe cromático porque assenta em cores, quatro ou cinco. São cores comuns: encarnado, cor-de-laranja, amarelo, verde e, às vezes, azul. E é um sistema simples porque os usos das cinco cores estão há muito estabelecidos e são-nos familiares. O sistema exclui o ocre, o bordeaux e o lilás, que não se sabe o que possam significar.

O mundo foi feito noutros tempos, quando o estudo do futuro não estava aperfeiçoado. Apresenta-se por esse motivo em cores que excedem quantidades razoáveis; e além disso não tem só cores: inclui barulhos, movimentos, espasmos, opiniões, explicações, números, cadeiras, e outras coisas ainda. Para os adeptos do sistema das cinco cores o mundo como se apresenta constitui um motivo de arrelia e uma contrariedade reiterada. A função das cores é dar-lhe um módico de ordem; o sistema serve para pôr o mundo em ordem.

O processo funciona bem, e quase miraculosamente bem: sempre que uma ocorrência ainda não ocorreu é-lhe imediatamente atribuída uma cor; e chegam-nos os avisos por muitos meios. Um departamento onde trabalham sábios probos de acordo com a natureza da ocorrência pressentida emite um alerta que, em vez de ser expresso por extenso, pode simplesmente ser ilustrado nessa cor. Sol na eira? Alerta azul. Chuva no nabal? Alerta azul. Crise no feijão? Alerta amarelo. Crise de rins? Alerta verde. Trinta minutos de espera? Alerta verde. Trinta minutos de espera? Alerta cor-de-laranja.

Num caderninho de colorir, antes de sair de casa de manhã, muitos de nós habituaram-se a anotar com diligência os alertas para a jornada. Ninguém quererá correr o risco de pôr o pé na rua quando há vestígios de amarelo; e um alerta verde convida também ao recolhimento, visto que depois da bonança vem sempre a tempestade. Todas as cores são augúrios; e os augúrios são todos maus. Se os nossos descendentes chegarem a organizar exposições de caderninhos, revelar-se-á como aos seus antepassados se costumava comunicar o futuro. Em cada página desses cadernos as cinco cores do sistema permitiram descrever o que nos foi possível fazer em cada dia; e, mais delicioso ainda, o que não nos foi possível fazer.

Para nós beneficiários do processo existe uma relação tão evidente entre o sistema e o mundo que o mundo nos aparece nas cores do sistema. A superfície do gelo é-nos naturalmente amarela; o mar, cor-de-laranja; pataniscas, encarnadas (se a preocupação for a saúde) ou verdes (se for a cultura). Quem vê as coisas a cinco cores dispõe de um guia de uso transversal para o mundo que prevê tudo o que possa vir a acontecer. Alerta verde: vem aí outra vez a filosofia da história, mas com menos contra-indicações.

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