Há vários sintomas e diagnósticos da doença que a nossa democracia enfrenta. As últimas semanas e um parecer recente da CNE fizeram emergir mais um: o condicionamento do direito de informação dos eleitores, resultante de uma liberdade editorial extravasada e parcial, na dependência de três homens: Três diretores de informação da televisão.

Há um elefante na sala da nossa democracia, e a sua última manifestação é alarmante: a alienação do direito à informação eleitoral, resultado de uma liberdade editorial viciada, parcial e nas mãos de três indivíduos. Três diretores de informação das principais redes de canais de televisão.

Não se iluda quem pensa que a era das redes sociais diminuiu o controlo das televisões sobre as escolhas eleitorais do povo. Muito pelo contrário: a recente escolha dos principais candidatos às eleições europeias é uma prova gritante de como a visibilidade em televisão, e a sua trajetória mediática, importam mais do que qualquer ideia ou projeto para a Europa. A máxima sobre a liberdade, ensinada no período da adolescência, que pressupõe a exigência de responsabilidade, aplica-se a todas as liberdades, desde a de expressão à editorial.

Em Portugal, três homens detêm o poder de priorizar grande parte da informação e de moldar a leitura coletiva sobre as várias candidaturas num processo eleitoral. Os diretores de informação das três principais redes de televisão – António José Teixeira (RTP), Ricardo Costa (SIC) e Pedro Guerreiro (TVI/CNN) – têm o poder de decidir quais os partidos que participam em debates, que duração, e porventura até, sob que ângulos jornalísticos. Todas estas decisões são centrais para o nível de conhecimento e informação que o país tem das várias opções em escrutínio.

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É uma vantagem para a democracia que o debate político passe por um crivo editorial próprio do trabalho jornalístico: o da qualidade de informação e da pluralidade de ângulos ou fontes. Mas que democracia seremos se a liberdade editorial se resumir a um exercício de convites que dão palco, de forma flagrante e desproporcional, a determinados partidos em função dos seus resultados eleitorais, e não em função de critérios editoriais objetivos e próprios de profissionais que procuram informação e informar com qualidade? Por exemplo, porque é que os canais de informação das três cadeias de televisão generalistas não realizam debates

temáticos que permitam alargar o leque de candidatos representados, ou prevejam entrevistas prolongadas com cada um dos cabeças de lista? Esta é uma prática, aliás, que canais regionais, como a RTP Madeira, RTP Açores e Porto Canal utilizaram nas últimas legislativas. Não é impossível, como os três senhores nos procuram convencer.

Cabe ao jornalismo e às direções de informação serem politicamente isentas nas suas escolhas, e embora essa possa parecer uma das razões do atual modelo (por exemplo, “não podemos convidar o Volt porque senão teríamos de convidar todos os outros partidos sem assento na Assembleia da República”), na verdade, não podia ser mais parcial, e por isso mais prejudicial para a qualidade da nossa democracia. Parte do problema da enfermidade da democracia portuguesa, resulta muito da ausência de responsabilidade editorial das televisões na cobertura jornalística de eleições em Portugal.

Vejamos: se para não ser parcial com partidos sem assento parlamentar, as televisões generalistas dão uma cobertura desproporcional a todos os outros partidos, tal prática interfere com o direito dos eleitores de conhecerem de forma imparcial e igualitária todas as candidaturas. Este é um direito previsto legalmente, seja no regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral, seja pelo próprio princípio constitucional de igualdade de candidaturas. A Comissão Nacional de Eleições emitiu um parecer sobre o exercício da liberdade editorial das televisões sobre a realização dos debates as Europeias e considerou o entendimento das televisões nas escolhas dos partidos em debate não corresponder aos comandos constitucionais, sugerindo um tratamento diferenciado das candidaturas sem fundamento constitucional.

Por outro lado, mesmo na cobertura dos partidos com assento parlamentar, há partidos e candidatos desproporcionalmente mais comunicados que outros. Ou seja, na aparente tentativa de responsabilidade editorial com a imparcialidade e cuidado próprios da cobertura jornalística, há uma enorme parcialidade ilegítima, em primeiro lugar por partidos com assento parlamentar na Assembleia da República e em segundo lugar por candidatos, ou com mais votos em últimos atos eleitorais, ou mais sensacionalistas (como se explica que André Ventura lidere o tempo de televisão em Portugal?).

Na ausência de uma liberdade editorial responsável, que preze pela informação, pela pluralidade e imparcialidade, a nossa democracia tem perdido qualidade e foco nas ideias e nos projetos políticos concretos, num dos poucos espaços em que se espera o crivo da qualidade de informação: os órgãos de comunicação social em massa, em particular as televisões. Em resultado disso, vivemos numa democracia onde as ideias e propostas contam menos que o mediatismo de personalidades e sensacionalismo dos soundbites. Não é preciso repetir quem fica a perder com esta realidade e felicito as vozes corajosas e críticas que têm emergido, de forma independente, contra estes critérios editoriais.

Como sabem, sou candidato ao Parlamento Europeu pelo Volt. É inédito: nunca em Portugal houve um partido europeu a concorrer a eleições europeias. Também por isso, nunca houve um partido em Portugal a concorrer a eleições europeias com um programa eleitoral para a

União Europeia. Um programa comum a todos países em que se apresenta. O Volt é um partido recente em Portugal, ainda sem assento parlamentar na Assembleia da República, mas já com assento no Parlamento Europeu, desde 2019, com a eleição do eurodeputado Damian Boeselager. A ele juntou-se, mais recentemente, a eurodeputada holandesa Sophie in ‘t Veld, depois de uma carreira de 20 anos como eurodeputada nos liberais holandeses. Temos por isso dois membros, neste momento, com mandato no Parlamento Europeu. Se isto não fosse já o suficiente nos termos do interesse jornalístico e público, e do dever de informação, a própria lei consagra ainda que uma candidatura como a do Volt beneficie de cobertura nos debates entre candidatos.

Falo da Lei n.º 72-A/2015 que estabelece o regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral e que define no seu artigo 7º que no período eleitoral os debates entre candidaturas promovidos pelos órgãos de comunicação social obedecem ao princípio da liberdade editorial, devendo ter em conta a representatividade política e social das candidaturas concorrentes. Essa representatividade, segundo o mesmo artigo é aferida tendo em conta a candidatura ter obtido representação nas últimas eleições, relativas ao órgão a que se candidata.

Dada a circunstância inédita do Volt, desde logo expusemos esta realidade a estes três homens, na expectativa de que, no seu exercício da liberdade editorial prevista e regulamentada na lei, nos garantissem o direito a uma resposta.

Até hoje não obtivemos qualquer resposta formal, apenas rumores internos a que tivemos acesso. Somam-se, no caso da RTP, relatos anónimos de uma situação grave, descrevendo que, desde a eleição do PAN em 2015 à Assembleia da República, haverá instruções editoriais implícitas para não se cobrirem pequenos partidos, uma vez que o seu crescimento obrigaria a uma necessidade de mais equipas e mais complexidade nas redações para a cobertura político-partidária do país. A ser verdade, este é mais um elemento que reflete o nível perigoso de degradação do jornalismo livre e sério em Portugal, vindo, além do mais, de uma estação pública de televisão.

Sabemos que muitos dos partidos sem assento parlamentar na Assembleia da República avançaram para a via litigiosa com as televisões. Era de esperar.

O nível de litígio de vários partidos contra as televisões vem piorar ainda mais a pré-campanha, que arrancou da pior maneira possível. Em primeiro lugar, tarde; depois, com partidos cujos programas eleitorais foram divulgados tardiamente, a menos de um mês das eleições; debates televisivos tardios e reduzidos, nos quais houve partidos que pretendiam debater menos, e um outro ainda, o Volt – o único partido europeu em Portugal – que vê o seu eurodeputado

ser desconsiderado e daí a sua participação em debates televisivos excluída, mesmo que outros partidos sem assento parlamentar europeu tenham sido introduzidos no debate. Os principais prejudicados são os portugueses, que são tratados pela quase totalidade de partidos, e também pelas televisões, como europeus de segunda a quem negligenciam um direito fundamental em democracia para votarem de forma esclarecida: o direito à informação. Segundo o estudo da Euroconsummers, 56% dos portugueses sentem-se mal informados sobre os programas eleitorais nestas Europeias, considerando ainda 41% dos eleitores, que estar bem informado é um elemento essencial para a sua decisão de voto. Um terço dos inquiridos aponta que não tenciona votar devido ao facto de se sentir desinformado para o fazer. Sabemos que a abstenção é catastrófica em Portugal em eleições europeias e em 2024 estamos a testemunhar o porquê: partidos como a AD, o PS, a IL, o Livre, o PAN, o Chega, mas também televisões como a RTP, a SIC, a TVI/CNN e a CMTV, descuraram de forma gravosa a preparação do período de debate e de campanha às Europeias, para grande prejuízo da democracia e dos cidadãos. A menos de 1 mês do ato mais decisivo do ano para a Europa, pouco se sabe ainda sobre o que está em jogo em Portugal nas Europeias.

A solução para tudo isto é corrigir assimetrias de visibilidade, com entrevistas, [os] frente-a frente, participação em programas de entretenimento e outras formas de garantir que não são as televisões que decidem quem é eleito (em função da visibilidade que escolhem dar a cada partido), mas sim os eleitores, que têm de estar devidamente informados e com qualidade, pelas televisões e demais órgão de comunicação social. Ainda vamos a tempo!

Deixo um apelo final. Precisamos todos de defender a democracia de várias formas e em várias frentes. Da ilegalização de partidos fascistas, à exigência de uma cobertura televisiva imparcial e igualitária, é preciso que os democratas tenham a coragem de não se contentarem com uma democracia mais ou menos. Contem comigo e com o Volt para essa defesa, da mesma maneira que o Volt espera contar convosco.