«Um livro, uma caneta e um professor podem mudar o mundo». (Malala Yousafzai)

O outono transporta consigo a nostalgia do tempo que foi e deixou de ser. A melancolia das folhas que caem, da vida que morrendo se foi, taciturnidade despida, misantropia e lamento; lamento para a vida voltar, renascida poesia (…)

Cinquenta anos de abril; 50 abriladas do 25 de 74 e o cheiro, o cheiro inebriante dos cravos tavirenses, a esperança de uma nova vida com futuro, mas o cinzento outono, em tons sombrios e o negrume dissonante, teimando em matar a esperança da educação e da escola pública dos portugais do Portugal adiado.

Meio século e adensam-se os tons cinza das políticas educativas, do sistema educativo português, do falhanço da escola pública, do não ensino e da não aprendizagem. A primavera bucólica de abril contrastante com o outono do ecossistema escolar. E era para ser, deixando de ser, mas esperando acontecer voltar e ser.

O ministro da educação nacional seguinte a José Hermano Saraiva, José Veiga Simão, em discurso directo: «O marquês de Pombal não pode ser considerado um democrata e fez uma grande reforma educativa e uma grande reforma na universidade à qual os democratas prestam homenagem. É possível pensar que um homem com uma boa educação, o homem com maior cultura, é um homem mais livre e que a educação é motora de liberdade e de mudanças». (https://expresso.pt/sociedade, a reforma do ministro subversivo, entrevista de Veiga Simão a António Teodoro, 1996, publicada no livro Políticas da Educação em Discurso Directo, Isabel Leiria, 03 maio 2014)

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Quando falamos de educação e escola pública em Portugal, nos últimos 50 anos, há o antes e o depois do dia 25 de abril de 1974. São 438312 horas de políticas educativas, de mudanças na educação, ensino, experimentalismo de projecto e engenharia laboratorial pedagógica, de nula assertividade nos últimos 8 anos. Octo tempo perdido do/no ecossistema educativo de ideário digital, laxismo facilitador, facilitista e negacionista da essência escolar, muito por culpa da anética ética republicana e socialista, de larga temporalidade maioritária na (des)governança do «eduquês» no último meio século aqui no rectângulo à beira-mar plantado, e em deterioração tutelar acelerada por ideologia ostracizante e desvalorizante dos professores e educadores, e da escola pública portuguesa nas últimas 70128 horas (correspondentes aos octo idos, num total de 2922 dias).

A pioneira reforma de Veiga Simão (conhecida como a primeira lei de bases da educação em Portugal), ministro da educação nacional do Estado Novo e do marcelismo, foi precursora (do latim praecursor) da escola abrilista. Contextualizou o referencial do pré e do após 25 de 74. Foi uma reforma educacional significativa, em 1973, com matriz idiossincrática de «renovação na continuidade» da ala e pensamento mais liberal do regime, que teve como objectivo-mor a modernização do sistema educativo português. Modernizar, no sentido da democratização e massificação do ensino público, de índole igualitária (igualdade de oportunidades educacionais, independentemente da condição económica), gratuitidade, valorização do pensamento crítico e a promoção da meritocracia. Alargamento-passagem da escolaridade obrigatória e gratuita de 6 para 8 anos, dividida em dois ciclos, o primário e o preparatório. Veiga Simão deu o mote; houve o reforço da rede nacional de jardins de infância, institucionalização da educação pré-escolar (a partir dos 3 anos) mas inconseguimento da sua obrigatoriedade e gratuitidade; aposta na educação de adultos com baixas qualificações; equiparação do ensino técnico (visto erroneamente como de segunda) ao ensino liceal e possibilidade de acesso ao ensino superior; concretizando ainda o reforço da acção social para os alunos mais carenciados; combate ao abandono escolar e expansão do ensino superior; expansão do canal televisivo da tele-escola. Foi o ministro visionário do Ministério da Educação Nacional (MEN), muito à frente do seu tempo, chegando a propor a mudança de nome para Ministério da Educação e da Formação. Veiga Simão foi o ministro da educação «subversivo» que apontou o caminho à escola abrilista, herdeira e seguidora das suas ideias e princípios.

Quer a reforma Veiga Simão quer a sua sequencialidade, a escola abrilista, foram determinantes na transformação do sistema educativo português, de matriz mais inclusiva, participativa, voltada para o desenvolvimento integral da pessoa humana do indivíduo-aluno. A organização escola com mais abertura à sociedade civil, rumo ao sodalício mais democrático e progressista no Portugal pós abril; a reformação veiga-sima deixou marcas cujo eco se mantém até hoje.

No tempo pré como no tempo pós abrilista, o dilema do cenário educativo português, prende-se com o facto-desígnio esclarecido que Teodoro chamou de «despotismo iluminado», em que «o povo precisava de ser educado». (idem)

Passamos a plasmar concisa e telegraficamente os grandes marcos e mudanças na educação, ensino e escola pública nos últimos cinquenta anos em Portugal; princípios orientadores, filosofia de pensamento, teorização e praticidade.

Décadas de 1970 e 1980; Veiga Simão e a sua cruzada pela educação (1970-1974), democratização, massificação, universalidade de acesso ao ensino básico e à escola pública gratuita, levando a uma maior diversidade societal no ambiente escolar; extinção do ensino técnico-profissional em 1975 e fusão com o ensino liceal (erro crasso o fecho das escolas técnicas-oficinais industriais e comerciais); criação e funcionamento do ensino secundário unificado de 1976 a 1981 (do 7.º ao 11.º ano – cursos geral e complementar). Reformulação do sistema educativo português (1979), estabelecendo a escolaridade obrigatória até aos 14 anos e transportes gratuitos para os alunos que vivam a mais de 3 ou 4 kms da escola nas áreas suburbanas. O 12.º ano surgiu em 1980.

Décadas de 1980 e 1990; de realçar a descentralização e a desconcentração do sistema educativo, com a transferência de competências da administração central para as autarquias locais, visando uma maior e crescente autonomia e envolvimento comunitário educativo local. Anos 80, em 1986, a introdução da escolaridade obrigatória de 9 anos, até aos 16 anos de idade, possibilitadora da conclusão do 9º ano de escolaridade. De realçar também a lei de bases do sistema educativo (LBSE) de 1986, que estabelece o quadro geral do sistema educativo nacional. Anos 90, as câmaras municipais a assumirem políticas educativas de assumpção e responsabilidade da educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico (1999).

Décadas de 2000 e 2010; programa de generalização do ensino básico, lançado em 2005, com foco na promoção do sucesso escolar e oportunidades igualitárias dos alunos, com a oferta do inglês no 1º ciclo, mais a universalização e fornecimento de refeições escolares aos alunos do 1º ciclo do EB. Enfoque na qualidade e inovação, com a definição de objectivos ambiciosos para o sistema educativo e melhoria dos resultados escolares. Em 2005, o quadro europeu de qualificações (QEQ) estabeleceu uma estrutura comum, o reconhecimento de competências e promoveu a mobilidade. Em 2006/2007 foi introduzido o processo de Bolonha (não confundir com a génese em 1998 nem com a declaração em 1999), visando a reforma do ensino superior e a harmonização dos sistemas de ensino superior europeus. Em 2009, alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos de idade (maioridade), possibilitando a conclusão do 12º ano de escolaridade e nova tentativa de redução do abandono escolar. Em 2010 foi a vez do plano tecnológico para a educação e sociedade da informação, com a integração e impulsionamento das tecnologias digitais de informação e comunicação (TIC), equipamentos escolares informáticos, informatização maxi do sistema educativo e formação/formatação docente ad hoc.

Nas décadas de 2010 e 2020, o caminho foi no sentido dos desafios do mundo moderno-contemporâneo. Falamos de competências digitais para o seculo XXI, numa visão encurtada, reducionista e de deslumbre; foco sistémico na formação docente acelerada de capacitação digital educacional e passagem-ruptura em crescendo da escola analógica para a escola digital, de concepção e conceito neo-liberal, no âmbito da economia política do capitalismo ressurgido na tomada de decisão das políticas educativas; o princípio da equidade e inclusão, das aprendizagens nada-essenciais e ficção das medidas de sucesso escolar «travestido» e da escola desconectada do conhecimento científico e cultural profundis, com a escola pública em absoluto estado de degradação. A pandemia de Covid-19 e a implementação de plataformas e aplicações de ensino à distância (ensino remoto) e híbrido. Quanto ao ensino profissional, foram criados os Centros Qualifica, em 2016, em substituição dos antigos CNO (Centros Novas Oportunidades), tendo por missão o desenvolvimento e qualificação da população portuguesa adulta e completar a escolaridade ao nível do 4.º, 6.º, 9.º e 12.ºano, reconhecendo as suas experiências de vida através do processo RVCC (processo de reconhecimento, validação e certificação de competências).

Nas últimas cinco décadas, vários foram os momentos marcantes na evolução da educação e da escola pública portuguesa. Segue-se a abordagem tópica minimalista dos modelos de escola, pelos desafios, oportunidades e influência no sistema educativo português. Consuetudinaridade clássica, coexistência e transição da escola tradicional versus digital, e a sua evolução para a escola IA Gen.

A convencionalidade da metodologia de ensino tradicional (por objectivos, conteúdos e estratégias – taxonomia de Bloom), analógica, com o foco na sala de aula presencial e na transmissão do saber e linearidade do conhecimento, com centralina no professor, o clássico magister dixit.

Já a escola digital integra abusivamente as novas tecnologias no processo educativo, metodologia invertida com tutoria digital, com recurso recorrente a dispositivos electrónicos e dependência do computador. É a escola tecno-zoom.

Quanto à evolutiva escola IA Gen, representa uma nova abordagem educativa e integra a novidade de ponta da inteligência artificial no ensino e na aprendizagem. Simboliza a fusão no ensino e no acto educativo do elemento de carbono (humano) e do elemento de silício da IA (algoritmos, big data e inteligência generativa computacional tech – capacidade de produzir conteúdos pelas máquinas). Configura um processo inexorável, imparável e irreversível de desumanização da escola pública e perda do factor humano em ambiente escolar.

Neste lapso de tempo cinquentenário, a escola pública também tem vivenciado a chamada inovação, projectos, educação não formal, a (in)evolução dos curricula com novas disciplinas, competências transversais, métodos de avaliação diversificados e diferenciados. A ostracização lunática das humanidades – erro de palmatória. A intelectualidade do professor amordaçada.

No que concerne à autonomia escolar, é referente à capacidade das escolas e dos presidentes dos conselhos directivos e directores (foi mudando a designação e o organigrama do órgão de gestão) tomarem decisões ao nível da gestão pedagógica, administrativa e financeira; flexibilidade, adaptabilidade e especificidade consoante as comunidades educativas e o enraizamento da escola no meio.

Abril, do Estado Novo à democracia e à liberdade, da primavera da esperança ao outono das políticas educativas; da mais valia e paixão da educação ao desinvestimento na escola pública. E tudo abril trouxe: do sonho ao pesadelo, do planeamento ao destrambelhamento, da genialidade do ideário e doctrina à presente mediocridade política reinante, do «influencer» e falho prioritário  wokismo e ideologia de identidade de género a uma escola pública em modo de sobrevivência, professores em fuga e cenário capitalista neo-liberal no campus educare. Inversão e «outsourcing», consultadoria e (des)legitimação partidária desplanificada, sem estudo e delineação e muita, muita promiscuidade entre o poder político e o poder económico, em rasante aproximação a uma visão da educação-negócio e escola pública miniaturizada, política e intelectualmente atrofiada, minimizada, desautorizada por amadora insanidade ministerial, com cerca sanitária governamental decretada, para vergonha da democracia, da liberdade, de Salgueiro Maia e de abril soluçantes, tal o desencanto político.

Este texto ficaria incompleto sem a menção ao estatuto da carreira docente (ECD), com evolução ao longo do tempo (décadas). A fechar, a alusão às grandes lutas dos professores ao longo da história do Portugal democrático. O critério para ambas as referências é o elucidativo facto-registo único. Apresentar a factuosidade, em retrospectiva, seria longo e fastidioso. Deixamos respectivamente, para leituras em aprofundamento, os seguintes links da web com informação criptografada:

– https://www.ate.pt/estatuto-da-carreira-docente-desde-1990

-https://www.publico.pt/2019/03/23/sociedade/noticia/ja-anos-90-reclamava-  tempo-servico-nao-negoceia-contase

Ao longo do tempo, o ECD sofreu várias alterações. Teve várias modificações e actualizações. Como nota introdutória sumária, referir que alguns dos decretos-lei que foram publicados, o foram no sentido de alterar, aditar ou revogar artigos do estatuto docente, passando a regular nos respectivos textos dos diplomas legais matérias referentes à profissão docente.

1990 – Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril; aprova o primeiro ECD, estatuto da carreira-função docente e disposições relativas à vida profissional docente, do recrutamento à cessação de funções. Versa sobre a carreira docente e a sua estrutura; remete no artigo 35.º para o DL n.º 409/89, de 18 de novembro, versando sobre a estrutura da carreira docente. ECD em abril de 1990.

Vem de longa data a luta do professorado pela contagem do tempo de serviço; desde os anos 90. «O tempo de serviço não se negoceia, conta-se». A mais icónica e icástica manifestação de professores, a maior de sempre em Portugal, foi a de 08 de março de 2008, com mais de 100 mil professores e educadores na rua, praticamente toda a classe docente mobilizada, gritando a plenos pulmões no Terreiro do Paço, plataforma sindical, em luta e revolta pelos direitos e profissionalidade docente até aos dias de hoje. Aquele que ficou na história como o período mais quente da luta, contestação e revolta dos professores, e afirmação categórica e inequívoca de consciência de classe. Consulado político socialista de José Sócrates & Maria de Lurdes Rodrigues, de má memória.

Nota: pelo desafio intelectual, complexidade, abrangência, trabalho ciclópico e pesquisa esgotante, critério-selecção e concisão deste artigo (cinco décadas em cinco páginas), em homenagem-hino dos professores e educadores de Portugal à educação e à escola pública no cinquentenário de abril, pressionado pelo simbolismo-tempo da data-publicação, pode acontecer haver uma ou outra gralha, ou referência que nos tenha passado, facto pelo qual peço desde já desculpa. Carlos Almeida