Não pretendo, com este artigo, acrescentar opacidade, confusão e quiçá sensacionalismo sobre a acesa discussão, desde os assentos da Assembleia da República para os estúdios das principais televisões, sobre as alterações previstas aos escalões de IRS. O meu objetivo prende-se, essencialmente, com uma questão intemporal, apartidária e que se denota de forma evidente como a principal resposta a quaisquer dúvidas que subsistam sobre o celeuma político ao qual ainda assistimos.

Exponho, por esta razão, um cenário hipotético em alternativa. Um país no qual a literacia financeira fizesse parte do currículo académico de instituições públicas e privadas, no qual os progenitores promovessem uma cultura de poupança no seio das suas famílias e no qual, acima de tudo, a promoção da educação sobre o dinheiro e todos os mecanismos em seu torno fossem alvo de amplo consenso nos órgãos políticos, a análise da proposta do XXIV Governo Constitucional teria sido mais simples, incisiva e, desse modo, substancialmente menos sujeita a ambiguidades, duplas interpretações e deliberados jogos propagandísticos.

As leituras são múltiplas e foram já alvo de ampla discussão, mas aqui quero sublinhar que promover a literacia financeira dos diversos domínios enumerados contribuiria para acrescentar ao contributo inegável do jornalismo como “quarto poder” uma plena capacidade dos eleitores em atuarem, de igual modo, com a famosa alcunha de watchdog da democracia.

Por mais esclarecedor que tenha sido o comentário no “crepúsculo” do anúncio desta atualização, omite que o modelo de remuneração aplicado pelo tecido empresarial contemporâneo, nacional e internacional, vai muito além dos intricados patamares de tributação, sendo crucial que olhemos para além dos números brutos e mergulhemos nas nuances que moldam a remuneração dos colaboradores.

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Como líder empresarial com várias décadas de experiência no setor segurador, testemunho diariamente a crescente importância da compreensão financeira e reconheço que a evolução dos modelos de remuneração numa era de total disrupção digital não reflete apenas transformações nas estruturas organizacionais, como uma profunda mudança na mentalidade financeira dos colaboradores, bem como na forma como encaram a sua compensação. Hoje, não se trata apenas do salário base, mas de um conjunto de benefícios que refletem o reconhecimento do valor individual e das necessidades diversificadas dos trabalhadores.

Os salários flexíveis e os benefícios personalizados emergiram como uma resposta à procura crescente por maior autonomia e flexibilidade, uma liberdade que acarreta a responsabilidade de entender as ramificações financeiras de cada escolha, como poupar, investir ou até mesmo planear a reforma. Reduzir o debate a agregar a força trabalhadora do país por patamares ignora, pois, que cada colaborador é único, com diferentes prioridades e responsabilidades fora do seu posto de trabalho. Ignora, de igual modo, que uma população menos informada financeiramente é uma sociedade desigual, perpetuando o fosso entre classes, gerações e níveis de qualificações.

Colaboradores financeiramente alfabetizados têm a capacidade de tomar decisões informadas sobre estratégias de remuneração e planeamento fiscal, garantindo uma gestão mais eficaz dos seus recursos financeiros e ficando preparados para eventuais emergências. De opções de investimento até regimes de tributação favoráveis, a capacidade de compreender as implicações financeiras de cada ponderação é essencial para maximizar o valor dos pacotes de remuneração.

A literacia financeira não é apenas uma vantagem para os colaboradores, mas também para as organizações. Colaboradores financeiramente alfabetizados tendem a ser mais interessados, produtivos e satisfeitos, resultando numa força de trabalho mais resiliente e motivada. A promoção da literacia financeira dentro da empresa pode levar a uma cultura organizacional mais transparente e responsável, construindo confiança e lealdade entre os colaboradores e a empresa, emergindo como uma ferramenta indispensável para garantir a sustentabilidade e o sucesso, bem como o bem-estar dos funcionários, num cenário onde a “competição por competências” se sente mais acirrada do que nunca.

É um debate tão evidente que citar estudos se torna apenas necessário como nota de rodapé. Um dos mais recentes, publicado pelo grupo de reflexão Bruegel, revela que Portugal é o segundo país da União Europeia pior classificado em literacia financeira sobre questões como inflação e juros. O grupo de reflexão alerta precisamente que “as pessoas com mais conhecimentos financeiros são menos frágeis financeiramente, na medida em que conseguem cobrir as suas despesas em caso de perda súbita de rendimentos e estão mais confiantes de que terão fundos suficientes para se sustentarem durante a reforma”.

Cabe-me ainda destacar que não é apenas no final de vida, mas também no seu canto oposto que se torna premente a valorização dos conhecimentos financeiros. É, por isso, lamentável observar a recente falta de vontade política em reconhecer a importância da literacia financeira e obrigatório relembrar a rejeição da sua inclusão nos conteúdos escolares, uma decisão que reflete uma lacuna preocupante na preparação da próxima geração para os desafios financeiros que enfrentarão. A literacia financeira não é um luxo, mas uma necessidade urgente, e ao negarmos às crianças e jovens a oportunidade de adquirirem competências financeiras essenciais desde cedo, comprometemos o futuro económico do país como um todo.

O cálculo é simples. Para retirar obscurantismo à discussão sobre os principais conceitos financeiros em Portugal, bastará somar a literacia financeira. E é também através dos benefícios flexíveis que poderemos cultivar uma cultura de aprendizagem contínua e de colaboração dentro de cada empresa, onde os colaboradores se tornam não só consumidores de conhecimento, mas também agentes de mudança, alimentando um círculo virtuoso de conscientização e educação financeira na sociedade.