Na Grécia antiga, a realização das Olimpíadas já servia como método de contagem do tempo. Quatro anos é o tempo que medeia entre cada edição dos JO. Considerando que o tempo é o bem mais escasso e mais precioso que temos, saber aproveitá-lo é uma virtude. Quatro anos pode ser uma imensidão e uma oportunidade, mas também pode ser insuficiente. Senão vejamos.
Facto 1: a mudança é uma constante na cultura humana
Heráclito dizia que nenhum homem entra no mesmo rio duas vezes e foi também ele que sublinhou que nada neste mundo é permanente, exceto a mudança e a transformação.
Naquela época, o sábio grego não podia imaginar que a mudança viria a ser tão vertiginosa. A tecnologia evolui tão rapidamente que cada avanço e cada conquista podem ficar obsoletos de um dia para o outro.
O mundo muda a uma velocidade espantosa e toda a adaptação e capacidade de gestão da mudança se tornou fundamental para enfrentar o presente e o futuro. As nações precisam de líderes que sejam agentes da mudança.
Nesta lógica, os Jogos Olímpicos da era moderna também têm que dar resposta a este fenómeno da mudança acelerada e exponencial. As novas tecnologias potenciam novos hábitos dos atletas, a globalização abre a novas modalidades como o skate, o surf, a escalada e as estafetas mistas, e tudo isto são sinais dos tempos e de adaptação de progresso.
Facto 2: A educação influencia uma cultura desportiva
A resposta é óbvia: influencia e muito. Neste sentido, o desporto é um meio ou um fim? Queremos iludir-nos, olhando só aos resultados finais, ou queremos que cada conquista, cada prova de excelência seja um processo sustentável, estimulante e gratificante? Como podemos melhorar a consistência na prestação desportiva? Como é que alinhamos todos os intervenientes no fenómeno desportivo, no mesmo sentido e na mesma direção? O desporto pode inspirar uma nação? Uma nação mais responsável, mais solidária e mais inclusiva exige que façamos as perguntas certas às pessoas certas. A cada um de nós, não apenas aos líderes e gestores.
A resposta também está nas pessoas, no cidadão comum, mas qual é a nossa visão, a nossa missão? Temos um propósito?
O público, em geral, sente-se inspirado pelas performances e vitórias dos atletas. Ao ver aquilo de que são capazes, muitas pessoas identificam-se com os sacrifícios, a entrega, as metas e também se sentem mais aptas a uma superação pessoal. Acreditam que se uns são capazes, outros também poderão tentar, numa escala individual, nas suas áreas de especialidade, nos seus universos e comunidades. As conquistas dos atletas olímpicos provocam mudanças saudáveis em muitos dos que assistem e nem sequer se dedicam ao desporto.
Induzem alterações comportamentais, geram uma vontade de criar mais e melhores hábitos, provocam novas rotinas e incitam muitas pessoas a praticar atividade física. Só pelo exemplo que dão e pela sua entrega a um povo, uma nação, os atletas olímpicos são também agentes de mudança. Despertam para outras realidades, como aconteceu nestes JO com a ultra medalhada Simone Biles, mas não só. Chamam a atenção para questões que têm a ver com a saúde física e mental, com o bem-estar e o equilíbrio, mas também com a educação e a cidadania ativa, no sentido mais global que podem ter.
Provam, no pódio e fora dele; nas metas que cortam e naquelas que falham; nas tentativas conseguidas e frustradas para ir mais longe, para correr mais rápido e para saltar mais alto, que a educação aliada ao desporto é um motor de desenvolvimento cultural. A educação e o desporto tornam as sociedades mais saudáveis, mais equilibradas e mais aptas para o progresso e o ritmo vertiginoso a que vivemos. E fomentam um conjunto de valores fundados no respeito, na superação, na resiliência, na excelência e na amizade. Na competição saudável promovida pelo trabalho em equipa, pois até o atleta mais solitário só chega ao pódio se trabalhar com outros, seja o treinador ou quem o apoia e o ajuda a estar em boa forma física e mental.
Facto 3: Movimento cívico, enquanto ação coletiva e organizada, para produzir mudanças junto dos cidadãos
As consequências das transformações recaem sobre as pessoas, pois não há maior ativo numa nação. Por isso mesmo, é imprescindível contar com a participação individual e apostar em ações coletivas.
Um movimento inspirador de cidadãos, que congregue e funcione como gatilho para que o desporto seja visto como um meio para algo maior e mais nobre, tem esse poder e essa magnitude.
Estes JO são o tempo certo para olharmos para além da linha da meta. Para rasgar novos horizontes e sermos mais ambiciosos. Afinal tudo o que se constrói no mundo, constrói-se com um propósito elevado e que nos eleva acima das nossas circunstâncias. Apesar da pandemia, os JO estão em curso e todos os dias há conquistas e medalhas. Nós, Portugueses, só podemos estar orgulhosos dos nossos atletas, mas o mundo inteiro tem que render homenagem a todos, os que conquistaram medalhas e os que deram o seu melhor mas não chegaram ao pódio.
Precisamos de visão e de uma missão. Os tempos são difíceis e adversos, mas por isso mesmo precisamos de os converter em oportunidades de vida para podermos fazer a diferença.
Precisamos de ter consciência de que podemos ser nós o gatilho da mudança. Basta começar a planear agora, estabelecer metas, definir caminhos, traçar etapas e colocar no papel o significado de sucesso. Se queremos que o desporto desperte a nação temos que perceber que o caminho até às medalhas só é possível se for bem planeado e bem executado. Nada é uma questão de sorte ou azar e até o melhor improviso deve ser preparado.
Assim e em jeito de sumário, temos hoje uma equação que importa conciliar: a mudança é constante e atingiu uma velocidade estonteante; a educação (ler: todas as formas de educação que promovam a literacia, o ensino e a aprendizagem, o desenvolvimento intelectual, físico e emocional, a cidadania informada, a cultura e o desporto) precisa de se adaptar às novas realidades. Os jovens já não querem ser objeto de um ensino passivo, que não os desperta nem estimula, que não os envolve nas soluções para os desafios concretos com que têm que lidar diariamente. Eles são os novos navegadores, os outros descobridores que procuram avidamente o conhecimento e têm cada vez mais e melhores perguntas porque sabem que todos evoluímos mais através das perguntas do que das respostas.
Precisamos de nos unir para criar movimentos cívicos que mostrem novos caminhos e despertem (ou reforcem) a consciência para a importância vital do desporto.
O desporto desperta uma nação. Nunca será demais repeti-lo. Tudo o resto acontece como consequência deste despertar olímpico, por assim dizer. Os recursos, as infraestruturas, os fãs incondicionais e o orgulho nacional são fasquias que também se elevam quando um país para para assistir aos JO e para ver as conquistas dos seus atletas.
Todos nos comovemos quando ouvimos tocar o hino nacional nos JO e não sou exceção. Termino dando os parabéns ao 92 bravos que representaram Portugal com a prestação mais conseguida de sempre. Não deixa de ser eloquente ter sido a melhor, nas condições mais adversas e com o mundo inteiro ainda em guerra contra o coronavírus.
Parabéns Pedro, parabéns Patrícia, parabéns Jorge e parabéns Fernando, pelas medalhas e pela quase dezena de diplomas.
Acima de tudo, e como dizia Pierre de Coubertin, parabéns a todos, a estes e a todos os outros, pela participação e diversão. Todos em conjunto inspiraram uma nação!