Os resultados do PISA 2022, lançados esta semana, mostram que estamos a espezinhar o futuro. Apesar de todos reclamarem pela importância da educação, e de alguns até professarem a sua paixão por ela, eu prefiro olhar para aquilo a que os economistas chamam preferências reveladas. O conceito de “preferências reveladas” diz-nos que aquilo que as pessoas dizem valorizar é menos importante, e menos revelador das suas reais preferências, do que aquilo que as pessoas fazem. Isto é, se eu digo que prefiro iogurtes naturais a iogurtes de morango, mas sempre que vou ao supermercado compro iogurtes de morango, então se calhar realmente prefiro iogurtes de morango e aquilo que digo não corresponde à realidade. Em linguagem popular, as acções valem mais do que as palavras. Da mesma forma, se o governo e os nossos decisores políticos dizem repetidamente que a educação é uma das suas prioridades e a base do nosso futuro, mas depois agem consistentemente contra os interesses das crianças, das reais melhorias do ensino, de todas as evidências e conselhos de especialistas, então se calhar a educação não é assim tão importante para eles. Penso ser uma das poucas conclusões possíveis.

Os resultados do PISA 2022 revelaram uma queda geral da performance dos alunos. Em média, os alunos da OCDE desceram 10 pontos a leitura, 15 pontos a matemática e ficaram mais ou menos na mesma a ciências. Para colocar esta queda em contexto, nunca em edições anteriores a queda havia sido superior a 5 pontos por domínio e 20 pontos a menos correspondem a cerca de um ano de escolaridade perdido. Em Portugal, as quedas foram superiores à média da OCDE (-15 pontos a leitura e -20 pontos a matemática) e seguem-se a uma descida que já se havia verificado entre 2015 e 2018. Se entre 2000 e 2015 os alunos portugueses mostraram-se uma evolução notável e um crescimento constante dos seus conhecimentos, o pico parece ter-se dado em 2015, altura em que começámos a decrescer como outros países da OCDE. Lanço aqui três perguntas: quando voltaremos aos níveis de 2015? Quando voltaremos a uma tendência de crescimento? E quem está a trabalhar para tal?

Perante estes resultados, alguns apologistas do actual Governo vieram argumentar que a queda de resultados tem sido uma tendência generalizada em toda a Europa e que a queda da edição de 2022 se deveu à pandemia. É inegável que a pandemia e os encerramentos das escolas nos custaram anos de formação se considerarmos os seus efeitos imediatos e futuros nos mais de 1 milhão de alunos actualmente no ensino básico e secundário em Portugal. No entanto, simplesmente apresentar este argumento como “justificação” e continuar como se nada fosse é particularmente grave.

Em primeiro lugar, os dados do Pisa revelam que, se queremos realmente levar este assunto a sério, serão necessárias medidas extraordinárias, urgentes e sistémicas para tentar recuperar este prejuízo. Note-se que, até há bem pouco tempo, o ministro da Educação afirmava que os planos de recuperação de aprendizagens no pós-pandemia tinham dado bons resultados e que o desempenho escolar dos alunos portugueses até tinha melhorado face ao período anterior à pandemia! Afinal de contas, parece que tudo isso não passou de um verniz de retórica vazia que pretendia disfarçar os problemas, mas que estalou rapidamente.

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Em segundo lugar, se é verdade que se verificam quedas problemáticas noutros países da OCDE, (como é o caso na Alemanha e em França, que tiveram quedas não só em 2022, mas que estão também em tendência de queda), estas quedas não são desculpa nem tornam a nossa própria queda menos má. Só porque os outros também estão mal, não significa que nós devemos estar satisfeitos com a nossa própria desgraça! Mais, ao contrário desses países, Portugal tem um défice histórico nas aprendizagens que precisa resolver. A política não deve ser um jogo de desculpas, narrativas e justificações, mas sim um palco de decisão sobre que acções se devem tomar para o futuro, face à realidade presente. Se outros países da Europa também verificam tendências negativas preocupantes, tal seria uma excelente oportunidade para uma acção conjunta, juntando recursos, ideias e metas que consigam enfrentar o problema. Se houve um Plano de Recuperação e Resiliência a nível europeu para estimular as economias nacionais, porque não um para Educação? Lembram-se das preferências reveladas?

É também de salientar que alguns países, como a Estónia, o Canadá ou o Japão, não mostram tendências tão negativas como as de muitos países Europeus. No relatório do PISA 2022, a OCDE menciona que quatro países revelaram ter sistemas educativos particularmente resilientes. Entre 2018 e 2022, estes países mantiveram um bom desempenho escolar, níveis de equidade no sistema, e bem-estar dos alunos. Os países são: a Lituânia, a Coreia do Sul, o Japão, e Taiwan. A própria OCDE sugere que olhar para as características destes sistemas que funcionaram e funcionam “bem” seria um bom caminho.

Claudia Goldin e Larry Katz no seu magistral The Race between Education and Technology argumentam que o “excepcionalismo” norte-americano no século XX, em termos económicos, se deveu à massificação do ensino secundário antes de todos os outros países. Os autores argumentam não só que o capital humano é um dos grandes determinantes do crescimento económico, mas que, num mundo em que a evolução tecnológica é skill-biased, aumentos generalizados de capital humano na população são essenciais para reduzir a desigualdade. Nos Estados Unidos, a massificação do ensino secundário, que posteriormente também permitiu a massificação do ensino superior no pós-guerra antes de todos os outros países, foi o passo transformador e inovador e pode ser verificada nas figuras em baixo, retiradas do livro. À esquerda podemos ver os anos de escolaridade média de um adulto com 35 anos ao longo do século XX. Podemos ver que um norte-americano nascido em 1915 foi, em média, até ao 10º ano de escolaridade. Na figura do lado direito podemos ver a percentagem da população jovem (entre os 15 e os 19 anos) que frequentavam o ensino secundário em 1955 em vários países Europeus e nos EUA. Nos anos 50, mais de 80% dos jovens norte-americanos frequentavam o ensino secundário. Em comparação, em França, por exemplo, pouco mais de 20% dos jovens da mesma idade frequentavam o secundário e na Alemanha menos de 20%. Em Portugal, esse valor era inferior era inferior a 10%.

Fonte: The Race between Education and Technology, Claudia Goldin e Larry Katz

Se os EUA foram os primeiros a massificar o ensino secundário, a Europa seguiu-se apenas na segunda metade do século XX. Portugal, no contexto Europeu, ficou especialmente para trás. Tendo perdido o comboio do ensino secundário, Portugal teve de massificar o ensino secundário e o ensino superior de forma quase simultânea, entre as últimas décadas do século XX e as primeiras do século XXI. Portugal só ultrapassou os níveis de escolaridade que os EUA tinham em 1940, em termos de formação ao nível do ensino secundário, em 2011, cerca de 70 anos depois.

É esta uma das principais explicações para o atraso económico português e para a baixa produtividade do factor trabalho (a par das deficiências graves no funcionamento das instituições e nas relações dos cidadãos, das elites e dos privados com o Estado). Não valorizámos a educação e a formação de capital humano ao longo do último século. Creio que a maioria dos políticos e cidadãos portugueses não compreende totalmente o impacto histórico que isto teve na nossa economia. Os governos portugueses têm obrigação de relembrar esta história quando abordam o tema da educação. Não como “desculpa”, como já vi o primeiro-ministro fazer no passado, mas sim como motivação e consciência da seriedade do assunto. Não nos podemos dar o luxo de não levar a sério o ensino formal, desta feita não apenas em quantidade, mas também em qualidade.