O tabagismo é um dos vícios mais persistentes da humanidade. Seja pela sensação de prazer e bem-estar ou pela associação a momentos de convívio, o tabaco mantém-se um dos narcóticos mais consumidos da atualidade.

Com esta preocupação em mente, a ENSP (European Network for Smoking and Tabacco Prevention) e a ONG espanhola Nofumadores, com a colaboração de organizações de 15 países europeus, entre as quais a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, lançaram uma petição para reproduzir na UE a controversa legislação aprovada na Nova Zelândia, a qual torna ilegal a venda de tabaco aos nascidos após 1 de janeiro de 2009.

Esta coligação anti-tabagismo procura reunir 1 milhão de assinaturas até 15 de Janeiro de 2024, fazendo uso da recentemente implementada Iniciativa de Cidadania Europeia (ECI), para convencer a Comissão Europeia (CE) a abolir a venda de tabaco para aqueles nascidos a partir de 1 de Janeiro de 2010, tendo o objetivo de implementar uma eventual proibição completa da venda de tabaco na União Europeia.

Este é um esforço que tem como ambição evitar a morte de um de cada dois fumadores na Europa, assim como reduzir a propagação de doenças associados ao tabagismo, como cancro, doenças pulmonares e problemas cardiovasculares, entre outros.

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Contudo, apesar da intenção destas organizações ser benigna, o método proibicionista pelo qual pretendem efetuar estas mudanças é catastrófico em três pontos: na eficácia, na criminalização e na moralidade.

Eficácia

Como aqueles mais familiarizados com a história saberão, estes recentes esforços proibicionistas não são uma novidade, sendo a histórica Lei Seca americana um exemplo similar. Iniciada com o objetivo de reduzir os problemas associados com a embriaguez, esta lei proibiu a produção, distribuição e venda de álcool entre 1920 e 1933. Contudo, não só a proibição da venda legal de álcool aumentou o seu consumo, como reduziu os padrões de qualidade e controlo deste mercado. Até a nível estatal esta medida provou ser desastrosa, pois foram perdidas todas as receitas de impostos e taxas implementadas sobre o álcool e aumentaram os custos das forças de segurança, numa tentativa de implementar esta proibição.

Mais recentemente, temos o exemplo proibicionista da guerra contra as drogas americana (War on Drugs). Numa tentativa de reduzir o consumo de narcóticos nos EUA, em Junho de 1971 o presidente Richard Nixon declarou os narcóticos e o seu consumo como o maior inimigo do povo americano, criando a Drug Enforcement Agency em 1973. Esta iniciativa falhou completamente em reduzir o consumo de narcóticos nos EUA, aumentou a discriminação de certas etnias, como os afro-americanos e os latinos, incutindo custos que ultrapassam atualmente 1 trilião de dólares.

Criminalidade

A Lei Seca foi responsável por um aumento substancial da influência criminal durante a sua duração. Devido à procura de bebidas alcoólicas, apenas aumentada pela proibição da sua venda, este mercado foi tomado por elementos criminosos, os quais lucraram substancialmente no fornecimento do tão procurado álcool. Por sua vez, as forças de segurança, que desesperadamente tentavam enforçar este mandato contraversial, viam-se cada vez mais vilificadas pela população em geral, resultando na legitimação das organizações criminosas.

No caso da guerra contra as drogas, os resultados não foram de todo diferentes. Ao impedirem a venda legal e regularizada de narcóticos aos cidadãos americanos, este mercado tornou-se o foco de organizações criminosas, criando uma fonte de rendimento altamente lucrativa para o financiamento de outras atividades ilícitas.

Moralidade

A questão da moralidade, apesar de à primeira vista aparentar ser menos relevante, é igualmente (se não mais) importante que os pontos anteriores. O ato de proibir algo por consideramos que seja lesivo cria precedentes perigosos.

A nível individual, remove a capacidade de cada um raciocinar e determinar o curso que considera mais correto para si, dispensando um pilar crucial da nossa humanidade. Esta situação iria criar uma escolha nefasta, pois o indivíduo que considerasse que a lei proibitiva não fosse correta seria forçado a violar a lei para satisfazer as suas necessidades e/ou respeitar a sua moralidade.

A um nível social, estabelece o precedente de que, por algo poder ser lesivo, deve ser ilegalizado. Esta base poderia ser aplicada não apenas a narcóticos, mas a alimentos, propriedades, atividades e até opiniões, reduzindo a sociedade a um estado autoritário.

Analisando estes pontos, é possível concluir que, apesar da intenção benéfica desta iniciativa, a procura de uma implementação legislativa proibitiva a nível europeu irá ter um resultado indesejado. O combate ao consumo de tabaco deve ser efetuado através de campanhas de informação e consciencialização social, permitindo a cada um decidir se irá ou não consumir estes produtos de plena consciência. Não devemos legislar para a sociedade que queremos mas sim para a que temos, ou corremos o risco de criar graves problemas na procura cega da Utopia.