Ao fim da tarde de uma quinta-feira decidi – depois de ser bombardeado com uma propaganda quase ininterrupta nos corredores da universidade e nas redes sociais – dirigir-me a uma pequena sala no piso térreo onde se encontravam alguns estudantes à espera de iniciarem um debate. Tema do debate: os processos de descolonização e os seus efeitos nas ex-colónias. Como entusiasta da História, nomeadamente da História do Estado Novo, senti-me tentado a participar, vontade essa que se traduzia no desejo de expor factos históricos que facilmente deitariam por terra falsas e idílicas narrativas que têm tudo menos parecenças com a realidade.

Sentei-me e escutei.

No imediato, os discursos altamente enviesados de comunistas e wokes vieram ao de cima – constantes ataques ao capitalismo, ao Ocidente, ao modus vivendi português. Chegou a ser chocante como indivíduos que habitam o “Ocidente capitalista”, com tudo o que isso lhes proporciona – a oportunidade de ingressarem numa universidade à sua escolha, de poderem vestir as roupas que bem entenderem, de comprarem o que lhes aprouver, bem como a própria liberdade para serem anticapitalistas e antiocidentais (o contrário não aconteceria, certamente, em países comunistas) – vociferarem chavões contra o “grande capital”, a iniciativa privada, ou o mero individualismo premiado nas sociedades ocidentais, e de forma acertada.

De entre acusações de escravatura (já praticada entre os próprios colonizados e outros povos do Global South, como o árabe) e imposição religiosa (glorificando, assim, religiões tribais que têm por base o sacrifício humano, entre outras experiências tenebrosas), o que mais me impressionou foi a admiração e fascínio que jovens entre os 18 e 21 anos têm com a simplicidade da vida e a rejeição dos padrões ocidentais. Há tempos, quando relia um dos meus livros de eleição, Os grandes ditadores da História, de Pedro Rabaçal, encontrei uma retórica e discurso semelhantes num dos mais sanguinários e despóticos autocratas do século XX: Saloth Sar, vulgo Pol Pot.

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O estudante comunista de EFREI (École Française d’Életronique et d’Informatique) foi responsável pela morte de 1,5 a 2 milhões dos seus compatriotas, um quarto da população do país que, à data da sua chegada ao poder, contava com 7,5 milhões de habitantes. Tal como nas Geórgicas, de Virgílio, os Khmeres Vermelhos de Pol Pot idealizavam um Cambodja livre de influência ocidental (francesa, portanto) e exclusivamente remetido à ruralidade – ao ponto de evacuarem a capital Phnom Penh, num esforço maquiavélico para removerem toda a população em direção ao interior do país – onde o povo trabalharia em grandes unidades coletivas, alimentando-se do que produzia e sendo massacrado com propaganda comunista de forma ininterrupta. Naquela quinta-feira, algo me soou a isto, mas pode apenas ter sido um errada interpretação (assim fosse…).

Durante o debate, um colega procurou intervir e cometeu o erro fatal de usar o termo “povo inferior”. De imediato, a moderadora (comunista woke – que não deve saber que Estaline considerava a homossexualidade uma doença) advertiu o aluno para o facto de estar a usar uma “linguagem abusiva” e que todos estamos em pé de igualdade, negando, novamente, factos históricos em detrimento do uso de lentes analíticas atuais.

Este ato de censura revelou a verdadeira essência da ideologia professada por estes estudantes, o que me levou a constatar um prazer e genuína perceção que têm de uma suposta opressão que o Norte impõe ao Sul, e a necessidade de o Norte se transformar segundo a vontade de certos habitantes que julgam estar a falar pelos Sulistas. Certamente não leram sobre a Tomada de Saigão pelos norte-vietnamitas: se o comunismo é o “mar de rosas” que querem fazer ver, como explicam a fuga de mais de 3 milhões de pessoas, entre 1975 e 1995, dos Estados comunistas do Vietname, Laos e Cambodja, arriscando a vida numa viagem de barco incerta? Não têm explicação ou, se a têm, remetem para uma lavagem cerebral ocidental que os motivou a abandonar o domínio vermelho.

É por estes motivos que entendo ser necessário uma mudança – que não parta de setores radicais opostos ao comunismo, mas sim do estudante socialista democrático ao estudante conservador, quadros ideológicos que acreditam na primazia da verdade, da justiça e do Estado de Direito. Possuem diferenças? Certamente, a começar pelo grau com que defendem a intervenção estatal na economia ou mesmo no panorama moral, mas a união contra os extremismos e espetáculos de desvirtuação da imutabilidade da verdade sobreleva-se a essas diferenças ideológicas e de programa.

Faço votos para que isto se concretize.