As eleições presidenciais americanas no próximo ano prometem ser das mais decisivas e consequenciais da História recente da terra dos livres e lar dos corajosos. O futuro mostra-se, sem dúvida, incerto, perspetivando-se a difícil e pobre escolha entre um octogenário claramente fragilizado para exercer o cargo a que se propõe, acompanhado por políticos cuja retórica ultra-progressista à esquerda promete inimizar parcelas significativas da sociedade americana (veja-se o exemplo da congressista Alexandra Ocasio-Cortez), e um quasi-octogenário, responsável pela destruição dos valores conservadores do Partido Republicano e a sua transformação num partido de cariz fascista e cuja estrutura deve ao líder total subserviência. Escrevo, logicamente, de Joe Biden e Donald Trump.

Contudo, não é totalmente certo que estes sejam os dois contenders à corrida presidencial (poderá mesmo haver um terceiro partido – o No Labels Party (“Partido Sem Rótulos”), liderado pelo Senador democrata Joe Manchin e pelo ex-Governador republicano do Utah Jon Huntsman), apesar de Trump liderar as sondagens para a nomeação republicana com uma vantagem de 35 pontos percentuais para o segundo classificado, Ron DeSantis. Um evento que certamente contribuirá para uma mudança (seja ela qual for) nas intenções de voto republicanas será o primeiro debate entre os candidatos à nomeação, a 23 de agosto, na FOXNews.

Terreno favorável a todos os candidatos e, especialmente, a Donald Trump, o canal outrora conservador e, desde 2016, fervoroso porta-voz do ex-presidente Trump, será o anfitrião de um debate onde a presença do líder nas sondagens não é ainda certa. Moderado por Bret Baier – cuja entrevista a Trump há mais de um mês expôs a sua total incapacidade para exercer o cargo de POTUS (President of the United States) – e Martha MacCallum, o debate transmitido a partir do swing-state (estado cuja distribuição bipartidária dos votos é flutuante) Wisconsin promete ser um teste de fogo a todos os candidatos e, em especial, a Donald Trump.

Líder das sondagens desde que anunciou a sua recandidatura à presidência a 15 de novembro de 2022 no seu resort em Palm Beach, Flórida, o ex-presidente Trump é, sem dúvida, um caso de estudo: duas vezes alvo de um processo de destituição (impeachment) por abuso de poder, obstrução da autoridade do Congresso (primeiro impeachment), tentativa extrajudicial de reversão de um resultado eleitoral (resultante do telefonema onde se ouve Trump a pedir ao Secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, que “encontrasse 11780 votos, que é mais um do que temos, porque [nós] ganhamos o estado”), e incitamento à rebelião contra o Capitólio, ocorrida a 6 de janeiro de 2021, o candidato multimilionário pelo Estado da Flórida está cada vez mais perto de assegurar a nomeação republicana, apesar da investigação e julgamento de que será alvo pela posse indevida de “caixas” de documentos classificados.

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Trump será – a não ser que seja julgado e condenado antes da nomeação republicana – o candidato pelo GOP (Grand Old Party, expressão que define o Partido Republicano) às eleições de 2024, transformando-o de forma definitiva num partido fascista que certamente antagonizará milhões de americanos, motivando-os a votar no Partido Democrata, independentemente do candidato apresentado. O seu desejo de vingança contra pessoas que considera como inimigos (fora e dentro do partido), como Bill Barr (ex-procurador-geral no seu mandato) ou Mark Meadows (chefe de gabinete da Casa Branca entre 2020 e 2021), o seu desmesurado e perigoso protecionismo que, se posto em prática, significaria o fim da guerra na Ucrânia pela sua capitulação (de que maneira conseguiria ele acabar a guerra em 24 horas, como afirma?), o seu total descomprometimento para com a separação da igreja e do Estado, ao empoderar radicais evangélicos outrora marginalizados da cena política, o desejo de uma cada vez maior concentração de poderes do Estado na pessoa do Presidente (logo, na sua pessoa) e a desmesurada guerra cultural, que partilha com Ron DeSantis, contra aqueles a que apoda de “marxistas, socialistas, radicais, fascistas” (estaria, finalmente, a referir-se a si e seus apoiantes?) e a propagação ininterrupta de mentiras que, quando repetidas vezes sem conta, aparentam tornar-se verdades absolutas – firehosing – resultará em um de dois cenários: a capitulação da sua candidatura ou a transformação dos EUA num estado autoritário saído da novela orwelliana 1984.

O segundo classificado na contenda pela nomeação republicana é o Governador da Flórida, Ron DeSantis. DeSantis é não mais que uma cópia de Trump, baseando a sua candidatura não num programa económico, social ou de política externa, mas numa guerra cultural entre aqueles que apelida de “marxistas e wokes” e um quasi-fascismo responsável pela censura de livros, programas de televisão e uma guerra judicial contra a Disney. No que à política externa diz respeito, DeSantis afirmou numa entrevista televisiva que a guerra na Ucrânia era uma “disputa territorial” e que, por isso, os americanos não deviam aguentar os custos de apoiar a Ucrânia financeira e militarmente. Com DeSantis na liderança dos EUA, o protecionismo e, em última análise, isolacionismo de Trump no plano internacional seria amplificado. Contudo, é pouco provável que o governador da Flórida consiga incomodar Trump ou mesmo manter-se na segunda posição na corrida à nomeação republicana, já que nas passadas semanas a sua retórica exclusivamente anti-woke e, portanto, a não apresentação concreta de um programa de políticas públicas que interessem diretamente à população americana antagonizou os grandes doadores financeiros da sua campanha, ao mesmo tempo que parece não conseguir fixar-se sequer nos 20 pontos percentuais.

Apesar da incerteza quanto à participação (ou não) de Trump neste primeiro debate, outros candidatos já confirmaram a sua presença: Ron DeSantis, Tim Scott, Nikki Hayley, Mike Pence, Vivek Ramaswamy ou Chris Christie. Para isso, tiveram de atingir a quota de, pelo menos, 40 mil doadores a nível nacional e permanecerem acima de 1% em três sondagens nacionais. Apesar do cumprimento destes requisitos, apenas a um candidato se atribui a capacidade de enfrentar Trump diretamente e sem filtros: Chris Christie.

DeSantis, Scott, Hayley, Pence e Ramaswamy têm em comum o facto de “chutarem para canto” os imbróglios judiciais em que Trump está envolvido, os seus ataques diretos ao constitucionalismo americano, além de repetirem a fracassada estratégia utilizada em 2015 por outros protagonistas (onde se incluía Chris Christie) de utilizarem “diferentes faixas” para a nomeação: a ideia de que cada candidato poderia apelar a um setor ou fação do republicanismo americano, ignorando por completo a aura que se construía à volta de Trump que, há época, afirmou o seguinte em resposta a uma questão endereçada por Megyn Kelly (pivô da FOXNews) sobre a atitude de Trump para com as mulheres: “Saía-lhe sangue dos olhos, sangue da sua… não interessa.” A única esperança na batalha pela alma do Partido Republicano parece ser mesmo Chris Christie.

O ex-procurador e governador do estado da Nova Jérsia é, neste momento, o único capaz de enfrentar Trump sem quaisquer reservas partidárias ou religiosas (como Pence), transformando o seu passado de criador do monstro que é o Trumpismo no único republicano sensato e capaz de procurar compromissos. Por defender os verdadeiros valores conservadores como Eisenhower, Reagan e Bush fizeram anteriormente – transferência de poder do Estado federal para os Estados federados, reduzindo a centralização e concentração do poder em Washington; o investimento na Defesa e no apoio à Ucrânia (que Christie caracteriza como uma proxy war com a República Popular da China); a reversão do Obamacare; a liberdade religiosa e, por isso, a devida separação entre Igreja e Estado; a importância da família como base da educação e da moral; a reforma das instituições judiciais – como o Departamento de Justiça; a redução da despesa; ou a manutenção da decisão do caso Roe vs Wade.

Apesar da inevitável vitória de Trump (que supera os 50 pontos percentuais nas intenções de voto) nas primárias republicanas, a sobrevivência do Partido Republicano enquanto partido de poder e garante do bom funcionamento democrático e institucional assenta numa só premissa: a sua derrota. Uma vitória de Trump significaria a transferência de votos do centro e de conservadores moderados para a esquerda (Partido Democrata), transformando o GOP num partido única e exclusivamente composto por votantes radicais e, por isso, inelegível. Com Trump, vozes como as de Marjorie Taylor Greene, Kari Lake, Lauren Boebert ou Matt Gaetz, tornar-se-ão ainda mais visíveis e preponderantes nos círculos de poder (Greene afirmou, numa entrevista, que os republicanos deviam ser “nacionalistas cristãos”…), contribuindo decisivamente para o enfraquecimento da democracia americana e, claro está, o fortalecimento do autoritarismo pelo mundo.

Apenas podemos esperar uma de três coisas, para bem dos EUA, do Ocidente e do mundo como o conhecemos: a inelegibilidade de Trump, a derrota de Trump na nomeação republicana ou o melhor de dois males – a escolha entre Joe Biden e Donald Trump. Faço votos para que, pelo menos, uma destas se concretize.