Veio no dia 14 de Fevereiro a público, num órgão de comunicação social português, um artigo de opinião subscrito por dois articulistas (?) sobre o processo atualmente em curso no país que visa a concessão de um estatuto de autonomia administrativa especial à Região Insular da República da Guiné-Bissau, que faz parte dos Cinco Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento  (SIDS)  na Região Africana, (Guiné-Bissau,  Cabo Verde, Comores, Ilha Maurícia, São Tomé e Príncipe e Seicheles)  entre os 39 membros efetivos da aliança dos pequenos Estados insulares membros da Nações Unidas. que consideramos totalmente tendencioso e desprovido de qualquer fundamento político e jurídico.

Independentemente da cada um ser livre de emitir a sua opinião, entendemos não ser legítimo aduzir argumentos falaciosos e sem fundamentos com base em pressupostos manifestamente incongruentes, apenas e só – não tenhamos a mínima dúvida – para servir os objetivos de uma agenda própria e também causas e interesses de terceiros que, se possuíssem um mínimo de dignidade, deveriam ter sido mencionados.

No desconcerto da prosa utilizada revelam um conhecimento seletivo e preconceituoso da realidade desse tipo de estatuto, marcado no mundo inteiro por casos de inigualável sucesso, que reverteu com resultados acrescidos em favor dos povos que dele beneficiaram, bem como dos países que assumiram essas decisões.

Aliás, vivendo em Portugal ou noutras latitudes e escrevendo num órgão de comunicação social, que lhes facultou o palco, não referem os exemplos de sucesso do estatuto autonómico da ilha do Príncipe ( S Tomé e Príncipe), dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, por exemplo, colocando-se, assim, na sua abordagem na qualidade de simples escribas e como mandatários de interesses que não são certamente do povo guineense e, em particular, dos habitantes do arquipélago dos Bijagós. 

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Falam em nome próprio – não deixando, contudo, de ser estranho surgirem os dois como signatários do manifesto – ou em nome da associação a que pertencem, o que levanta, desde logo, a séria questão de estarem a utilizar o jornal para os objetivos que a mesma persegue e a colocar este órgão da comunicação social portuguesa em alinhamento com as respetivas orientações, uma vez que este não cuidou (pelo menos, ainda!) de assegurar o respetivo contraditório.

É curioso notar que os dois referidos amanuenses tenham sentido a necessidade de escrever a duas mãos, sinal claro e inequívoco de que o fizeram instigados por outrem, debitando opiniões alheias que, por certo, individualmente. 

Terão, no mínimo, tido o cuidado de ouvir os interessados, a entidade e o organismo promotor, ou falam apenas pela sua própria cabeça, o que seria um autêntico desastre, como facilmente emerge do discurso? 

O processo sobre a atribuição de um estatuto administrativo especial à Região Insular de Bolama-Bijagós tem sido, porventura, dos temas mais amplamente debatidos na Guiné-Bissau e de forma exemplarmente democrática, desde há longo tempo. Inclusivamente, foi tema de um recente ciclo de conferências promovido pela própria Assembleia Nacional Popular, durante o qual houve a oportunidade de todos quantos se interessam por este processo se pronunciarem e de emitirem as suas opiniões.

Por um momento, no texto, parecem apresentar algum discernimento e lucidez quando dizem, e passamos a citar, “se a descentralização – levar as funções essenciais do Estado para junto das populações – é uma urgência nacional e um tema que reúne consensos na sociedade guineense, a sua implementação não deve ser feita à socapa”.

Então reúne consensos (acordo, concordância, conformidade, consonância, entendimento, harmonia, unanimidade, significados que podem ser vistos em qualquer dicionário de português) para, logo em seguida, levantarem fantasmas que só existem nas suas cabeças e nas cabeças dos seus mandatários, esquecendo-se, cuidadosamente, de referir a multiplicidade de casos em que a autonomia resultou num valor acrescentado superior a nível nacional, com benefícios inequívocos de vária ordem – económica, social, cultural, índice de desenvolvimento humano e qualidade de vida, nomeadamente – para os países que promoveram em qualquer momento da sua história esse tipo de solução a nível do seu processo de organização política e administrativa.

Por outro lado, ainda, afirmam que “a sua implementação (a do processo de autonómico, refira-se) não deve ser feita à socapa” quando, conforme foi acima dito, a iniciativa que visa a concessão da autonomia foi amplamente discutida no seio da Assembleia Nacional Popular, prevendo-se, inclusivamente, que o tema venha novamente a ser abordado numa próxima oportunidade, o que leva a perguntar a estes “estremes” cidadãos se ali não se sentem representados – o que é natural que possa acontecer por, eventualmente, as opiniões, suas ou alheias, não terem almejado obter ali qualquer tipo de representatividade. E se tal aconteceu parece afinal ser até um sinal de bom augúrio, ou seja, por outras palavras, um prenúncio de que o povo não está virado para o seu tipo de dissertação.

No amplo debate realizado, onde é que estavam estes senhores que, utilizando agora a cobertura dada pelo jornal português, vêm sub-repticiamente instilar um ódio primário e levantar o espectro de esta iniciativa poder ser uma decisão lesiva dos interesses coletivos da Guiné-Bissau?

Se entendêssemos estarem de boa-fé, presunção que manifestamente não partilhamos, ainda poderíamos tentar esclarecê-los sobre as preocupações que temos e que foram, aliás, recorrentemente referidas em algumas intervenções no debate levado a efeito no mencionado ciclo de conferências promovido pela Assembleia Nacional Popular sobre as preocupações acerca da preservação do património cultural e ambiental, sobre a necessidade de não ultrapassar os limites e a capacidade de resiliência dos recursos naturais no plano da promoção e exercício das atividades económicas e, sobretudo, de ter para o turismo um plano de desenvolvimento que respeite a identidade cultural dos povos do arquipélago e não ultrapasse, em termos de carga, os limites admissíveis que técnica e cientificamente se considere serem de molde a assegurar de forma conveniente, segura e inequívoca, a sustentabilidade a longo prazo do meio ambiente e dos recursos.

E assim, senhores Braima Mané e Inácio Júnior, conseguir, no mais curto prazo de tempo possível, submeter à UNESCO um processo consistente de candidatura a Património da Humanidade daquilo que hoje está já assumido por esta Organização das Nações Unidas como Reserva Mundial da Biosfera, a mais importante da África Ocidental, como, neste caso, muito assertivamente referem e, assim, conforme também judiciosamente declaram, conseguir que “esta pérola do chão da Guiné ”passe a integrar a lista do Património Natural e Cultural da Humanidade. Fundamentos existem, inúmeros e soberanos, para justificar a existência neste ambiente de um Valor Universal Excecional; aquilo que falta, e que seguramente o estatuto da autonomia administrativa trará, é a capacidade para o comprometimento e, mais até, para a preparação e elaboração daquilo que aquela organização exige, que é um Plano de Gestão, Proteção e Conservação credível, exequível e claramente assumido por quem vive naquele espaço, que assegure continuadamente a biodiversidade e a sustentabilidade do património existente numa perspetiva de longo prazo.

Podem crer, a autonomia administrativa não é contra ninguém, mas a favor de todos, assegurando o interesse e o reforço da coesão nacional na República da Guiné-Bissau!

Se os gloriosos Combatentes da Liberdade da Pátria, liderados pelo Camarada Amílcar Lopes Cabral, tivessem de aguardar pela criação de condições objetivas para um Estado soberano jamais teríamos a independência total em 1973, em Madina de Boé. 

Bissau, oficialmente denominada um Sector Autónomo de Bissau, (SAB), perguntamos onde está o mal em que parte insular usufrua em termos constitucionais dos direitos que já vêm tipificados na nossa Carta Magna.

* Francisco Conduto de Pina é Presidente da Comissão Eventual para o Estudo e Elaboração de um Projeto para a Autonomia Administrativa da Zona Insular, da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau.