Todos sabemos (e sentimos) que a pandemia COVID-19 trouxe muitos desafios à segurança alimentar global nestes últimos dois anos. Como se não fosse suficiente, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia vem acrescentar um novo: é que ambos os países desempenham um papel muito importante na produção e fornecimento global de alimentos. A Rússia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo e a Ucrânia é o quinto maior. Juntos, fornecem 19% da oferta mundial de cevada, 14% do trigo e 4% do milho, representando mais de um terço das exportações globais de cereais.

Isto significa que, para além de podermos vir a ter alguma escassez ou racionamento de alimentos, iremos ter, ou já temos, o aumento dos preços que, em Fevereiro deste ano, atingiram um valor histórico. Apesar da maior fatia do consumo mundial de cereais se destinar à alimentação humana (42%), a segunda fatia deste consumo é atribuída à alimentação animal (37%), pelo que este sector também será penalizado.

Atualmente, mais de metade da população global é urbana e a Food and Agriculture Organization (FAO) refere inclusivamente que, pela primeira vez na história da Humanidade, a maior parte da população mundial vive em cidades.

Face a estes dados, que respostas podem dar as sociedades contemporâneas aos desafios alimentares que se perspetivam?

O rápido crescimento das cidades nos países em desenvolvimento, dominadas pela situação económica (agravada pela pandemia em que vivemos e pela guerra na Europa que todos podemos testemunhar), a somar às questões relacionadas com a perda de qualidade dos alimentos, originaram uma situação onde a agricultura (urbana e periurbana) se apresenta cada vez mais como uma importante alternativa para a alimentação da população.

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Em Portugal, e de acordo com o Relatório Nacional Habitat III, o fenómeno das hortas urbanas organizadas pelas autarquias e associações locais teve maior desenvolvimento a partir de 2007 e, em 2013, verificou-se a existência de 107 hortas urbanas, totalizando 27 hectares de áreas produtivas.

Estes dados são anteriores à situação que vivemos atualmente. Será, então, o regresso à agricultura (urbana e não só) uma opção viável para mitigar as dificuldades (no que à alimentação diz respeito) que se avizinham?

Historicamente, a agricultura em Portugal teve altos e baixos: se outrora Portugal foi um país essencialmente agrícola, foi a partir da década de 50 que deixou de o ser: o êxodo rural, a emigração ou a industrialização podem explicar o abandono progressivo e a perda de interesse dos mais jovens pela prática agrícola.

Mas Portugal também cresce e avança quando vive tempos difíceis: em 1914, por exemplo, as carências de produtos alimentares essenciais era grande, sobretudo nas cidades, e não era pouco frequente o assalto às mercearias para tentar saquear os poucos alimentos que ainda existiam. Foi, então, em 1917, que foi decretado um conjunto de medidas para aumentar a produção agrícola e apoiar os agricultores, com o objetivo de diminuir a fome que se vivia.

Poderá o regresso da agricultura/atividade agrícola ser suficiente para encher a nossa “despensa”? Obviamente que não. Mas pode ser uma óptima ajuda. Talvez tenha chegado a hora de aumentar e melhorar a (re)utilização dos terrenos desaproveitados, sejam eles urbanos ou rurais, com aptidões agrícolas. Viabilizar a atividade agrícola em todo o país deve ser agora, mais do que nunca, uma prioridade política.

O regresso à agricultura para além de poder vir a ter um papel fundamental no acesso da população aos alimentos, também pode ser uma excelente forma de promover e aumentar o consumo de hortofrutícolas, essenciais para uma alimentação saudável e de melhorar a qualidade de vida das populações, promover o espírito comunitário, o regresso às origens e os hábitos de cooperação e partilha.

A situação atual tem levantado inúmeras questões. Será, então, a guerra o gatilho que precisávamos para repensarmos seriamente a agricultura e a nossa alimentação?