Não tem jeito. Quase todo mundo está com medo de morrer – e aproveito para dizer: esse medo se agrava bastante se você estiver num país governado pela truculenta extrema-direita, como é meu caso agora, no Brasil, terra da inconsequência e do descaso genocida (é bom estar alerta, Portugal, também há fantasmas iminentes voando por aí). Enfim, alguns estão em pânico, outros só mais receosos do que o costume acerca da própria vida. Mas, sim, a morte vem sendo um assunto que sobrevoa nossos pensamentos com alguma insistência.

Mas o curioso é que, em geral, acabamos por pensar na morte apenas como o tal antónimo de vida a ser duramente evitado, como crianças que jogam queimada da escola, se esquivando da bola a qualquer custo. Pensamos – a vida inteira – em fugir da morte, mas não pensamos efetivamente sobre ela. E isso é um problema bem sério. Porque, como disse o poeta, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade. E esquivando-nos de refletir sobre as nossas mortes, perdemos também a chance de analisar as nossas vidas.

Se você morresse hoje, acha que sairia da vida com uma certa sensação de missão cumprida? Ainda que uma missão abreviada, mas considerá-la-ia razoavelmente cumprida? Ou ficaria lá, do outro lado do horizonte, amaldiçoando sua partida precoce, amargurando tudo o que deveria ter feito e não fez?

Num almoço com o meu professor e amigo português José Couto Nogueira – uma das pessoas mais interessantes que conheci na vida – ele me disse, aos 75 anos, que vive em paz porque olha para trás e sabe que fez absolutamente tudo o que teve vontade de fazer na vida (exceto, é claro, aquelas coisas que o dinheiro não permite). Me disse que a velhice se torna menos amarga assim. Penso nisso todos os dias. O que preciso fazer para não deixar pendências no meu caminho e poder viver sempre com a sensação de missão cumprida?

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Se você morresse hoje, teria demonstrado o seu amor de forma suficiente às pessoas que ama? Teria a serenidade de ter certeza que as pessoas que realmente importam sabem claramente da amplitude do seu afeto? Ou sentiria, já morto, que ficaram cartas por escrever, beijos por serem dados, abraços pendentes e palavras de amor não ditas? A gente nunca acha que vai morrer, até ao dia em que vai lá e morre.

Se você morresse hoje, avaliaria que gastou bem as horas dos seus dias na Terra? Fez bom uso do tempo que lhe foi concedido? Ou ficaria ruminando o número de horas gastas de forma inútil, em frente às telas ou em frente a pessoas não prioritárias? Iria suplicar por uma única chance de reverter o tempo desperdiçado ou estaria sereno com a forma como lidou com seus dias?

O medo é importante. É o medo que nos faz cuidadosos, seja ao olhar para os dois lados antes de atravessar a rua, seja para passar álcool em gel nas mãos 20 vezes por dia. Mas o medo da morte costuma ser desperdiçado. Ele, frequentemente, não nos torna mais cuidadosos naquilo que realmente importa na vida. Não nos faz amar mais, implicar menos, sorrir mais, reclamar menos. Ele passa mais perto da paranóia do que da transformação. E não deveria ser assim. Se estamos com medo de morrer, tentemos, sim, evitar a morte. Mas, acima de tudo, vivamos de uma forma mais carregada de sentido.