Se alguma coisa aprendemos nos últimos vinte e cinco anos, é que o Partido Socialista nunca sai do governo quando as coisas estão a correr bem. Bem sei: há quem prefira fingir que os únicos problemas da geringonça estão na suposta arrogância de António Costa ou numa suicidária obstinação do Bloco de Esquerda ou do PCP. Querem divertir-se com psicologismos, ou perceber o que realmente se passou? Leiam então a notícia sobre o hospital de Braga. Depois de Setúbal, mais uma demissão em massa num estabelecimento do SNS, por falta de investimento. Não, as coisas não estão bem, e António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa sabem. A conversa sobre o PRR, em que o PS insistiu durante a campanha autárquica, escondeu as más perspectivas. Mas o PRR não vai diminuir o tempo de espera para uma operação no SNS, nem o preço da gasolina, nem as taxas de juro, se a inflação as fizer subir.

Não, não foi por causa das leis do trabalho ou do salário mínimo que a geringonça correspondeu ao desafio do Presidente da República para provocar eleições. Foi porque calculou que, nos próximos anos, este é, apesar de todos os riscos, o melhor momento para ir a votos. Antes que as dificuldades criem mais descontentamentos, e sobretudo antes que se torne ainda mais evidente o que muita gente vai percebendo ao fim de seis anos de “geringonça”: que as esquerdas portuguesas, unidas ou separadas, não têm uma única ideia para o país, para além do estica aqui e do corta ali de uma pobre ginástica orçamental completamente condicionada pela dependência financeira externa a que o endividamento socialista submeteu o país. Segundo contas do semanário Expresso, desde 2016 que ficaram por executar 4 mil milhões de euros de investimentos públicos. A classe média continua a pagar mais IRS do que antes de 2011. Foi assim que se governou: mantendo o aperto fiscal e cortando investimentos, num regime de austeridade escondida. Para quê? Para concentrar os recursos a tentar converter os dependentes do Estado num rebanho eleitoral que os conservasse no poder. Mais nada.

A geringonça dividiu e enfraqueceu a sociedade portuguesa: criou uma economia que não trata de criar riqueza, mas de repartir a pobreza; gerou uma cultura que não procura o que é comum e agrega, mas o que separa e tribaliza. O seu horizonte é de uma triste mediocridade: a mediocridade de uma sociedade em vias de se tornar a mais pobre da UE, sem meios de empregar os mais qualificados; a mediocridade de uma classe política que já não acredita em nada, a não ser em agarrar-se ao Estado; a mediocridade de um país sem qualquer intimação de grandeza histórica, depois da criminalização do seu passado segundo modas ideológicas importadas dos EUA.

Os últimos seis anos foram um tempo perdido. Em 2015, o país tinha reconquistado a confiança dos seus credores. As exportações cresciam. Nos anos seguintes, os grandes bancos centrais conservaram as taxas de juro baixas. Como teria sido, se tivéssemos tido um ambiente favorável ao trabalho e ao investimento, sem o colete-de-forças fiscal e regulatório? Países pobres da Europa mostraram como poderia ter sido. Mas não foi. Há agora uma oportunidade, não apenas para a alternância no governo, mas para a regeneração das instituições, da economia e da sociedade. Isso precisará de tempo. Daí não haver pior maneira de começar do que com umas eleições improvisadas à pressa, em que nenhuma liderança se pudesse afirmar nem desenvolver um projecto alternativo. Seria mais uma oportunidade perdida, a garantir que os próximos anos também seriam perdidos.

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