Luís Montenegro parece ter conseguido o mais difícil: depois de 20 meses, quase tantos como os que leva de liderança, de sondagens alarmantes, o líder social-democrata terá conseguido inverter a tendência de favoritismo dos socialistas. Olhando para os estudos de opinião que existem, não será exagerado dizer que é ele quem está em melhores condições de vencer as próximas legislativas. Assumir isto não é dizer que Montenegro vencerá as eleições; é tão somente notar que o presidente do PSD tem a dinâmica e a narrativa política a seu favor. E tem-nas, sobretudo, porque Pedro Nuno Santos e André Ventura, os dois adversários diretos, parecem ter ficado sem discurso.
Luís Montenegro não está a fazer uma campanha isenta de erros. Os três últimos debates correram-lhe mal e a sensação que existe é a de que se mais duelos houvesse, pior seria. Além disso, não fosse a tentação incompreensível de Pedro Nuno de bazucar os próprios pés, e o social-democrata estaria em dificuldades ainda mais evidentes para lidar com o tabu que vai animando a campanha da AD – o que fará o PSD se ficar em segundo lugar nas próximas eleições e existir uma maioria de direita no Parlamento.
Em boa verdade, Montenegro já disse o que faria – inviabilizaria o governo minoritário de Pedro Nuno. Mas, entretanto, percebeu o risco dessa mensagem – porque seria assumir a derrota, porque seria assumir a disposição do partido para uma maioria negativa com Chega, porque seria assumir que teria de sair da liderança do partido para não faltar com a palavra – e resolveu recriar o tabu, que o vai acompanhar irritantemente até ao final da campanha. Montenegro não vai responder à pergunta e está disposto a assumir esse risco.
Pelo menos, a ideia é essa. A coisa piora quando Montenegro se esquece do guião, como aconteceu na mais recente entrevista que concedeu, conduzida por Sebastião Bugalho, na SIC, em que lá foi dizendo que, na ausência de uma maioria absoluta, os dois partidos estão obrigados a negociar “em áreas importantes e orçamentais” – o que pressupõe que o PSD esteja disposto a dar condições de governabilidade a Pedro Nuno. Um lapso, naturalmente, que Montenegro tratará convenientemente de tentar fazer esquecer.
As evidentes contradições, o tabu requentado, a confusão desnecessária, a forma como já não esconde a irritação com as perguntas dos jornalistas (como Rui Rio, Montenegro já vai fazendo campanha contra os “comentadores” e acima da “politiquice”), seriam muito mais penalizadores se André Ventura e Pedro Nuno Santos já se tivessem reencontrado politicamente nesta campanha. Ainda não aconteceu. E talvez nunca venha a acontecer.
Até prova em contrário, o líder do Chega perdeu o guião que trazia para esta campanha. O sonho de Ventura foi minguando à medida que os dias foram passando. Primeiro, queria ser governo e colecionar ministérios. Depois, bastava-lhe ser um dócil parceiro parlamentar. Percebendo a rejeição de Montenegro, sonhou que as “forças vivas” do PSD o viriam resgatar, devolvendo-lhe a utilidade. Ao dia de hoje, já não confirma contactos informais com os tais barões do PSD que o salvariam. A tendência verificada nas sondagens mostra que, aos poucos, o peso do voto útil e a ideia de que se tornou infrequentável à direita estão a comprimir o Chega. E Montenegro ainda nem sequer forçou esse mesmo apelo ao voto útil na AD.
Pedro Nuno está numa posição idêntica, mas por motivos diferentes. Depois de tanto tempo investido em repetir o truque de António Costa e focar toda uma campanha na ideia do perigo da inevitável aliança entre o PSD e o Chega, perigo que os Açores vieram desmentir, o socialista foi tentando encontrar os vários spin-offs possíveis que lhe permitissem manter medo do Chega no ar. Mas as luzes do quarto já se ligaram e o papão, afinal, não está debaixo da cama.
Não quer dizer que tenha desaparecido, insiste Pedro Nuno. E tem razão. Quando diz que o PSD, ficando em segundo, arranjará forma de, mais cedo do que mais tarde, dispensar Montenegro e arranjar quem esqueça os cordões sanitários, está coberto de razão; mas as contas, as conspirações, os cenários, são de tal forma rebuscados, que, porventura, já não assustam, nem mobilizam eleitorado. Um truque que já era gasto tornou-se num espetáculo que denota algum desespero. Com um pormenor: ao contrário do que aconteceu em 2022, em teoria, a AD vai na frente; e acenar com o fantasma do Chega é um apelo indireto ao voto útil em quem vai em primeiro.
À falta de um discurso que não seja o do medo — o PS parece ter desistido de vender esperança —, Pedro Nuno Santos tenta o outro fantasma, o da troika. Será, porventura, mais eficaz, porque vive e sobrevive efetivamente na memória coletiva. Mas passaram oito anos, é muito tempo. Aliás, de acordo com a última sondagem da Católica para o Público e para a RTP, até os pensionistas, um dos seguros de vida do PS, começam a deixar de ter medo do PSD, que vai recuperando até nesse segmento eleitoral. E vai dando para fazer o ajustamento possível, ao ponto de recuperar o “diabo” que a esquerda vai espantando. Montenegro trouxe Pedro Passos Coelho à campanha e os mais cínicos dirão que foi para o manter afastado da reta final. Mas o ritual está cumprido. Passos fez-lhe o favor e diz que já não volta mais para não atrapalhar. A Pedro Nuno parece restar a ideia de não o deixar partir mais até 10 de março. Como projeto de país é curto; como estratégia eleitoral logo se verá.