O Presidente da República (PR) disse anteontem que já previra a hipótese de uma aliança entre a «esquerda unida» para levar António Costa ao governo… Não duvido, mas a verdade é que essa hipótese foi explicitamente analisada desde 20 de Setembro e, passado um mês, ninguém sabe o que o PR fará no caso de vir a ser confrontado em breve com a proposta de um governo PS apoiado ou até participado pelo BE e o PCP…
Basta que o PR nomeie o líder da Coligação como força partidária mais votada e que o programa desta seja rejeitado pela «esquerda» no parlamento, conforme o PS tem anunciado, para o processo ficar fechado. Nem vale a pena falar do orçamento para 2016, que já foi rejeitado pelos três partidos em causa. Se e quando a Coligação for derrubada no parlamento, o PR já não terá espaço constitucional para recusar um governo PS com apoio maioritário, mesmo que não apresente quaisquer compromissos de governamentalidade nacional e internacional subscritos por estes, como em princípio não acontecerá. Só que, se Cavaco deixar o imbróglio chegar até aqui, já não há maneira constitucional para voltar atrás. E alguém concebe deixar ficar em gestão um governo minoritário do PS? Nesta altura, a «esquerda unida» estará eleita na prática, com ou sem compromissos, pelo menos durante os seis meses que o parlamento não pode ser dissolvido.
Portanto, se o PR não pretende entregar o governo a uma aliança cuja única natureza é negativa – contra a «direita» – não pode arriscar-se a convidar o PS a fazer governo. Se sou capaz de entender as regras e omissões dessa Constituição que continua a amarrar-nos a um passado que julgávamos ter ultrapassado ao fim de 40 anos, o PR terá de manter o governo da Coligação, eventualmente rejeitado no parlamento, em gestão durante seis meses. Terá portanto de fazer aquilo que dizem que não faria, mas nunca o ouvi dizer isso. Nesse caso, por mais complicado que seja, Cavaco teria de deixar a «batata quente» para o candidato que presumivelmente ganhará as presidenciais no início do ano que vem, mas este, como era de prever, não quer comprometer-se…
É aparentemente nesta contingência que o país se encontra e o PR não tem muito tempo para decidir. A única coisa boa é que, entretanto, o tempo está a correr. Quando a imprensa internacional perceber o imbroglio em que estamos metidos, os famosos mercados, que não são dados às subtilezas da Constituição portuguesa, começarão a especular com as nossas taxas de juros e chuparão, salvo seja, as pequeninas sobras que a Coligação tinha posto de lado para desapertar um bocado os cintos. E aí, de duas uma: o PS cerra os dentes e a «sua esquerda» fá-lo cair quando quiser ou, mais provavelmente, reverte para a táctica habitual de endividar ainda mais o país. Ver-se-á então quanto tempo aguenta, mas o mal – financeiramente, desde logo, bem como os expectáveis recuos nas reformas que apesar de tudo foram feitas, sobretudo na administração pública e nas empresas estatizadas – já estará consumado. A nova «coligação» que voltar ao poder terá de fazer tudo outra vez!
O PS sabe o que lhe acontecerá dentro de menos de um ano. As sondagens já estão a prever isso. Na realidade, quando se diz que a presente situação é inédita, não é inteiramente exacto. Com diferenças, aquilo que se está a passar hoje é equivalente ao que se passou em 1987, quando um partido-paraquedista chamado PRD, lançado de Belém na presidência de Eanes, seduziu socialistas e comunistas para abaterem o governo minoritário de Cavaco Silva eleito em 1985. Mário Soares, na Presidência da República, não se deixou arrastar por este bloco de esquerda e dissolveu o parlamento. O PS ficou irremediavelmente afastado do poder mais oito anos – dez ao todo – pelas duas mais amplas maiorias absolutas parlamentares que houve Portugal. É pena que os herdeiros do PS não se lembrem do que lhes aconteceu!
Inversamente, Guterres nunca conseguiu qualquer maioria absoluta apesar do patrimonialismo partidário que praticou; só se foi embora porque se demitiu. E Sócrates, quando perdeu a maioria absoluta em 2009, já em plena crise, com o escândalo do aumento dos funcionários públicos para tentar ganhar as eleições, prosseguiu o desgoverno até ser obrigado a demitir-se pela bancarrota iminente. A «esquerda» com a qual o PS pretende agora fazer governo é que se aliou ao anunciado chumbo do 4.º PEC, até aí sustentados por Cavaco Silva durante anos a mais; o PSD e o CDS só votaram contra; não demitiram Sócrates; foi ele quem, numa atitude típica de revanchismo, se demitiu em vez de procurar alianças para cumprir o memorando que assinara com os credores.
Desde 2009 muitas pessoas têm defendido um novo «bloco central» ou, como prefiro chamar-lhe, um «governo de salvação pública» aberto a quem quiser jogar o jogo da Europa e do euro, que é o preço e o prémio da nossa modernização e da adaptação às conjunturas interna e externa. O PR não fez força suficiente a favor da «salvação pública» e, obviamente, o PS não quis. Parece que prefere voltar a chamar a «troika», como a Grécia. A factura serão sempre os mesmos a pagar, isso ninguém se iluda! Fora do euro – e é esta a ameaça que se esconde atrás de uma nova bancarrota – então, sim, o país veria o que é mais empobrecimento!