A leitura de um livro é um momento mágico. Ouvir música também. Assim como apreciar uma obra de arte. Mas a magia só acontece se por detrás do ato existir emoção, pensamento e reflexão.

Emoções, pensamentos e reflexões exigem tempo. E nós estamos a eliminar esse tempo. Nós estamos, aliás, a ensinar, desde tenra idade, a eliminar esse tempo. E sem tempo não somos nada, nunca seremos nada.

E porque estaremos a ficar sem tempo? Vivemos num mundo digital, entenda-se de consumo tecnológico. E não estamos a vivê-lo como devíamos. Junto dos mais novos, por exemplo, a entrada deve ser feita de forma progressiva e pedagogicamente cuidada. Em idades precoces, o “vício do telemóvel” aniquila o tempo necessário à imaginação e à criatividade, o tempo para aprender e apreender, o tempo do lazer e do convívio.

Na antiguidade clássica, o Trivium estabelecia como primeira fase curricular a aprendizagem da gramática, da lógica e da retórica. Ao longo dos tempos, o Trivium foi convergindo para a aprendizagem da língua materna (gramática) e da matemática (lógica). E quanto à retórica?

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Na retórica ensinava-se a usar a linguagem de modo convincente para uma eficaz comunicação homem-homem. Agora que a comunicação é também humano-computador, torna-se necessário recorrer ao uso de linguagens com um sabor mais matemático e orientado para a perceção computacional da realidade. Como tal, a (boa) retórica consiste, agora, em “convencer” não só humanos, mas também máquinas a fazerem o que desejamos. Exigem-se, assim, competências que combinam as das referidas disciplinas nucleares com as tecnologias de informação disponíveis nas máquinas a que chamamos computadores. Nascem, assim, a computação, o pensamento computacional e o seu ensino.

É desígnio da ENSICO, uma associação privada sem fins lucrativos, incorporar o ensino da computação nos 12 anos do ensino obrigatório através de um plano de ação que assenta na criação de um programa curricular que, de raiz, realça a relevância de um Novo Trivium nas aprendizagens do século XXI. Nesse sentido, a ENSICO defende que, da mesma forma que o Trivium clássico se estabeleceu com a aprendizagem da língua materna, da matemática e da retórica clássica, um Novo Trivium deverá estabelecer-se agora através da aprendizagem da língua materna, da matemática e da computação (a “retórica formal, digital”).

Porque é tudo isto relevante? Porque parece ter-se apoderado de toda a sociedade uma espécie de vírus, diferente de muitos outros, mas mais eficaz e demolidor: o vírus da anti-intelectualidade, cujo efeito se propaga a uma velocidade espantosa, através dos media, dos smartphones, das redes sociais. E sem escolher raça, sexo ou idade.

A utilização em massa de smartphones, o fenómeno das redes sociais, o culto do imediatismo e o modo de vida ‘always-on’ alimentam a fogueira do movimento não pensante. O tempo é aniquilado e, consequentemente, a nossa habilidade de pensar.

Agir, eis a inteligência verdadeira”, diz Pessoa. Somos seres moldados pelo tempo e dele precisamos para refletir antes de agir. É o tempo da reflexão que separa o homem do animal.

O século XXI é um século eminentemente tecnológico. A tecnologia dominante é baseada na utilização de computadores e o domínio científico que sustenta a exploração dessas máquinas é o das ciências da computação.

A história da computação tem pouco mais de um século. É uma história digna de ser contada, uma história consolidada sobre os ombros de homens e mulheres determinados a avançar mais uns passos relativamente ao conhecimento acumulado até então pelos seus antepassados. O pioneirismo, a emoção, a resiliência que cada ser humano dedica às causas é o que, tantas e tantas vezes, contribui para o progresso da humanidade. Será assim sempre porque sempre assim foi.

Se é esta a nossa realidade, porque estamos a educar e a ensinar as novas gerações de forma leviana? Porque estamos a relaxar nos valores morais, nos valores sociais, na exigência, na resiliência, na ambição? Porque estamos a querer entreter, em vez de ensinar?

Somos consumidores desenfreados, de tudo, mas ainda mais de informação. Mais informação exige mais reflexão, mais pensamento, mais profundidade, menos superficialidade. Temos, por isso, de educar e ensinar as nossas crianças e jovens a pensar, a estudar, a aprender, a produzir. E só depois a consumir.

Todos sabemos, ou deveríamos saber, quão frágil é a democracia. Uma democracia evolui sobre a linha erudita da sua população. Uma democracia evolui aos ombros de decisores políticos academicamente capazes, intelectualmente e moralmente sólidos e eleitos por uma população cada vez mais conhecedora e consciente dos seus direitos e deveres. Estamos, agora, a colher o que semeamos. Temos de parar e avançar para a inversão desta linha de deterioração permanente. O estudo refletido deu lugar ao absurdo generalizado.

Estamos numa encruzilhada. Uma encruzilhada resolve-se com decisões e as decisões resolvem-se com líderes eruditos. Sem líderes a encruzilhada adensa-se e os problemas avolumam-se. Bons líderes precisam de tempo, maus líderes não precisam de tempo algum. Não podemos deixar o absurdo triunfar, até porque já fomos alertados para esse mal por Bertrand Russel em 1933: “no mundo moderno os estúpidos são presunçosos enquanto que os inteligentes estão cheios de dúvidas.

Urge, assim, esclarecer e enaltecer a importância do pensamento, algo que parece ter desaparecido das nossas terras nas últimas décadas. É tempo de um tempo novo. É tempo de voltar a usar o tempo para estudar e refletir. É tempo de aprofundar o debate e a compreensão nesta era científica e tecnológica em que vivemos. E é imperativo colocar a literacia computacional ao nível K12 pois, para além de socialmente necessária, será capaz de gerar uma dinâmica com um potencial económico valioso num país que tem como principal matéria-prima a massa cinzenta dos seus cidadãos.