Tem sido discutida e reprovada a interacção entre humanos e certas maquinetas que nalgumas circunstâncias se confundem com eles. A discussão tem sobretudo versado as causas dessa confusão. Há no entanto outra dimensão, menos tratada, que é a da natureza das atitudes, dos sentimentos, das emoções e até das virtudes desenvolvidas em contacto com essas maquinetas. Uma linha de argumento sugere que sentimentos e emoções causados por máquinas não são genuínos.

Embora um roedor electrónico não seja idêntico a um roedor não electrónico, não podemos só por isso concluir que as afeições que desperta não sejam iguais. Grandes quantidades de crianças e de adultos interagem todos os dias com roedores electrónicos, bonecas insufláveis, e sistemas de atendimento de companhias de telecomunicações; e sentem em relação a estes fúria, gratidão e amor, vontade de os preservar, de os aniquilar, ou de os esquecer.

Podemos naturalmente argumentar que experimentarmos gratidão em relação a bonecas insufláveis não é a mesma coisa do que o fazermos em relação à variedade não-insuflável. Esta última é por exemplo capaz de reagir à nossa gratidão. O dono do roedor simples não tem dúvidas de que este manifesta regozijo quando lhe é limpa a jaula, e contentamento quando se lhe passa a mão pelo pêlo. Mas se perguntarmos ao dono do roedor electrónico, ele também não terá dúvida em descortinar (embora de um modo imperceptível para quem não esteja habituado a esse comércio) reacções de aprovação nos seus objectos de estima.

A ideia de que os sentimentos que alimentamos em relação a roedores electrónicos, bonecas insufláveis e sistemas de atendimento são menos genuínos que os seus primos da variedade clássica apareceu como reacção a estas perplexidades, e no fundo como expressão da desaprovação legítima que sentimos por quem trata bonecas insufláveis como pessoas, e maquinetas como organismos vivos. Sendo o caso que, embora nos possa temporariamente enganar, um roedor electrónico não é em tudo idêntico a um roedor clássico, parece mais difícil defender que os sentimentos, virtudes e emoções suscitados por ele não sejam iguais aos que em todas as circunstâncias experimentamos.

A fúria que sentimos em relação a um sistema de atendimento automático não é de espécie diferente da fúria que sentimos em relação a um atendedor animal. Sabemos naturalmente que certas avenidas de represália nos estão vedadas por causa da natureza do sistema que concita a nossa ira; e agradecer a um sistema de atendimento automático parece cómico e escusado: mas em nenhum caso distinguimos a nossa fúria-B de uma fúria-A que reservamos para membros do reino animal. Analogamente os nossos sentimentos em relação a pessoas que não existem (como bonecas insufláveis, personagens de romances e pessoas que morreram antes de termos nascido) pertencem à única espécie de sentimentos que podemos sentir; e é por isso que não podemos senão ficar genuinamente gratos a um roedor electrónico, ou a um sistema de atendimento automático.

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