A criação de canais de denúncia constitui, desde há uns anos, prática frequente nas empresas, com vantagens reconhecidas, designadamente na prevenção da prática de infrações, na gestão de conflitos, na promoção do respeito pelas regras de conduta internas e no reforço da confiança na organização.

A Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, veio prever como obrigatória a adoção de canais de denúncias e instituir as regras a que deve obedecer a denúncia e a divulgação pública de infrações.

As entidades do setor público e privado que empreguem 50 ou mais trabalhadores, passam então a estar obrigadas a dispor de canais de denúncia interna a partir de 18 de junho de 2022. Independentemente do número de trabalhadores, estão também obrigadas à adoção de canais de denúncia as entidades que prestem a sua atividade nos domínios setoriais referidos na Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento e do Conselho. No setor público, excluem-se as autarquias locais que, embora com 50 ou mais trabalhadores, tenham menos de 10 000 habitantes.

Segundo a lei, podem ser denunciadas ou divulgadas publicamente infrações já cometidas, que estejam a ser cometidas ou que razoavelmente se preveja que venham a ser cometidas, bem como tentativas de ocultação. A denúncia ou divulgação pública da infração pode ter como fundamento informações obtidas no âmbito da atividade profissional (atual ou que tenha já terminado) do denunciante, ou até mesmo na fase de recrutamento e independentemente da natureza da atividade, do respetivo setor e/ou da qualidade do denunciante (trabalhador, prestador de serviços, fornecedor, sócio ou acionista, membro de órgãos de administração ou de supervisão, estagiário, outro).

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As infrações podem ser denunciadas por meio de canais de denúncia internos ou externos ou divulgadas publicamente, estando previstas regras de utilização e de precedência entre os diferentes meios. Em regra, o denunciante deverá recorrer aos canais de denúncia interna.

Os canais de denúncia interna devem possibilitar a apresentação e o seguimento das denúncias (por escrito, verbalmente e/ou através de reuniões presenciais) e respeitar determinadas regras, nomeadamente em matéria de confidencialidade e proteção da identidade do denunciante.

Prevê-se que a entidade recetora notifique o denunciante da receção da denúncia e preste um conjunto de informações no prazo de sete dias, que realize diligências de verificação interna (cessando a infração, se for caso disso) e, por último, que comunique ao denunciante as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia, no prazo máximo de três meses.

Está proibida a prática de atos de retaliação de qualquer natureza contra o denunciante. A lei enumera os atos que, se praticados até dois anos após a denúncia ou a divulgação pública, se presumem constituir retaliação (e.g. avaliação negativa de desempenho, a não renovação de contrato a termo ou o despedimento). Igualmente, presume-se abusiva qualquer sanção disciplinar aplicada ao denunciante, nesse período de dois anos.

Para que o denunciante possa beneficiar desta proteção legal, exige-se que a denúncia ou a divulgação pública da infração seja feita, de boa-fé, segundo os termos previstos na lei e que no momento da denúncia ou divulgação pública o denunciante tenha fundamento sério para crer que as informações são verdadeiras.

Finalmente, estando previsto um extenso leque de contraordenações por violação das obrigações relativas à gestão e tramitação das denúncias e à proteção do denunciante, com coimas que podem ascender aos 250 000,00 euros, é prudente que as entidades obrigadas procurem implementar todos os mecanismos necessários ao cumprimento integral destas novas regras até junho de 2022.