Após a receção de várias questões relativas ao projeto Worldcoin, a Comissão Nacional de Proteção de Dados emitiu, a 8 de março, um comunicado de imprensa no qual aconselha os cidadãos a “ponderarem muito bem a cedência dos seus dados biométricos”. Importa, por isso, conhecer este projeto, para se retirarem conclusões concretas quanto à legitimidade do tratamento destes dados pessoais.

O projeto Worldcoin é um protocolo open-source desenvolvido para permitir o acesso universal à economia global, através da instalação da aplicação móvel “World App”. Para o efeito, os utilizadores criam a sua conta Worldcoin e a partir daí têm acesso a uma wallet digital com moedas digitais.

Para além de outras características, realça-se que o protocolo Worldcoin apregoa oferecer o primeiro token a ser distribuído gratuitamente aos interessados

No entanto, para que seja possível aos utilizadores receberem uma parte gratuita dos Worldcoin Tokens e outras moedas digitais, deverão criar o World ID, para garantirem a sua “humanidade única”, isto é, a sua identificação inequívoca. Para isto, os interessados deverão dirigir-se a um Operador Worldcoin, para aí ser captada a imagem da sua íris, o que através das características biométricas da mesma, permite aferir de forma inequívoca a referida humanidade única (apesar de a Worldcoin referir que o processo de verificação da humanidade única é feito de forma anónima).

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E é neste momento que surgem as seguintes questões: “estarão os indivíduos a receber dinheiro em troca do fornecimento de dados dados de categoria especial?” (sim!), “com uma tecnologia que visa identificar de forma inequívoca um indivíduo, poderá falar-se em processos anonimizados?” (claro que não!).

Importa clarificar que a captação das características unívocas da íris de um indivíduo constitui um tratamento de dados biométricos, os quais por serem dados de categoria especial estão sujeitos ao princípio geral de proibição do seu tratamento, sendo necessário encontrar o seu enquadramento de exceção.

Face às condições de legitimidade previstas no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, entende-se que apenas o consentimento livre e esclarecido dos indivíduos poderá legitimar o tratamento destes dados, ou só é possível se forem fornecidas informações claras que permitam a formação de uma vontade esclarecida sobre o tratamento de dados pessoais. Para o interessado deverão ser claras, nomeadamente, as finalidades subjacentes ao tratamento dos dados pessoais e os direitos perante o responsável pelo tratamento, entre os quais o direito à revogação do consentimento.

Sobre o protocolo Worldcoin recaem ainda suspeitas de estarem a ser recolhidos dados biométricos de menores, sem a devida autorização dos titulares das responsabilidades parentais, o que resulta num tratamento ilegítimo por falta de capacidade jurídica dos menores.

Dito isto, importa que os interessados entendam que a imagem da íris constitui um dado de identificação inequívoca, revestido de especial sensibilidade, pelo que urge refletir em consciência e liberdade de espírito no momento de prestar o consentimento, sem que a cedência gratuita de tokens seja a motivação que impulsiona o fornecimento do consentimento!

Caso neste momento esteja a pensar que não devia ter permitido a captação da imagem da sua íris, saiba que tem o direito de revogar a qualquer momento e de forma gratuita o seu consentimento, devendo, para o efeito, utilizar os contactos fornecidos nas Políticas de Privacidade associadas ao protocolo Worldcoin.