Zlatan Ibrahimovic abandonou o futebol de selecções de um modo muito pouco zlataniano. Afinal, a história acabou não com um estrondo, mas com um murmúrio. Só que não há na história do avançado sueco nenhum murmúrio que não possa ser transformado em estrondo. A sua passagem pelo Barcelona é uma nota-de-rodapé na história de uma das melhores equipas de sempre, mas as circunstâncias da sua saída, com alegadas ameaças físicas a Guardiola, demonstram como Zlatan tem o dom, raro entre os futebolistas modernos, de concentrar sobre si todas atenções e de fazer de uma nota-de-rodapé um manifesto da sua personalidade extravagante.

A todos os clubes que representou, Zlatan acrescentou o sal do seu carisma. Com o doping financeiro dos petro-dólares, o Paris Saint-Germain construiu uma equipa das arábias, um monstro macrocéfalo num campeonato sem glamour. Fazia lembrar aquelas super-equipas de reformados que, nos anos 70, foram para a liga americana de futebol (mais do que um campeonato a sério parecia um cruzeiro internacional sobre a temática da lombalgia). É verdade que o PSG contratou jovens estrelas em ascensão em vez de antigas glórias com idade para jogar no Sport Lisboa e Saudade. Mas só com a chegada de Ibrahimovic é que o clube perdeu o ar de Frankenstein maquilhado. Porque, apesar de nunca se perceber se Zlatan está a falar a sério ou se simplesmente está a ser Zlatan, habituámo-nos a partir do princípio de que ele não está para brincadeiras. Portanto, se Zlatan assina pelo PSG – ou pelo Real Massamá – o melhor é começar a levar a sério o PSG ou arriscamo-nos a levar um rotativo na cabeça.

Enquanto o mundo se ocupava com a infantil dicotomia Messi – Ronaldo, Zlatan pôde criar o seu universo paralelo onde não há discussão sobre quem é o maior. Nunca ganhou uma Liga dos Campeões? É verdade. Nisso fica muito atrás de Messi, Ronaldo e até de Paulo Ferreira. Nunca conquistou um grande título pela sua selecção? Inegável. Nunca recebeu uma Bola de Ouro? Outro facto. Mas isto são apenas factos e, naquele universo onírico de remates acrobáticos, golos impossíveis, afirmações desconcertantes e adorável fanfarronice, os factos são matéria para almanaques e enciclopédias. No mundo de Zlatan, ele é o maior até quando os factos o favorecem. Afinal, é recordista de golos pela Suécia e pelo PSG e ganhou campeonatos em todos os países por onde passou.

No filme Um Coração Selvagem, a personagem de Nicolas Cage diz que o seu casaco-fétiche representa a sua crença na liberdade individual. Numa época em que no futebol quase toda a gente faz o elogio do colectivo, Zlatan representa a crença minoritária no individualismo. Numa época em que os jogadores são proibidos de falar pelos clubes e que, quando falam, se limitam ao idioma universal e vazio das flash-interviews, Zlatan, em campo e fora dele, consegue a proeza de ser Zlatan e ser pago para isso, o que não está ao alcance de mais ninguém. Como o próprio diz num anúncio a uma bebida energética: “I’m not like you because I’m not you. I’m Zlatan Ibrahimovic.” Que a voz nunca lhe falte mesmo quando as botas se calarem.

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