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Orlando Almeida

Orlando Almeida

Adolfo Mesquita Nunes em entrevista: "PS perdeu vocação reformista, é só bloqueio"

Entrevista de Maria João Avillez ao dirigente do CDS que diz que Assunção Cristas "é a pessoa indicada para tornar o CDS a primeira natural e descomplexada escolha dos portugueses".

É dirigente do CDS, foi secretário de Estado do Turismo e não quis um lugar de deputado. Em entrevista ao Observador, este apoiante de Assunção Cristas explica o que entende por esquerda e por direita hoje em dia e por onde é que o CDS deve crescer. E admite que o partido pode viabilizar Orçamentos do PS se a solução à esquerda falhar e se António Costa concorde com eleições antecipadas.

Costuma chamar-se, o que talvez seja um equívoco e um erro, direita a todo o espaço à direita do PS. Está certo, ou errado?

A distinção entre esquerda e direita não é aquela que, para mim, é a mais relevante neste momento para diferenciar os campos políticos, nem em Portugal, nem na Europa. Aquilo que hoje nos diferencia é a forma como reagimos à mudança, ao novo, ao estrangeiro, àquilo que nos desafia. E há duas formas de reagir: uma com receio, procurando preservar aquilo que se alcançou até agora e querendo perpetuar esse modelo até ao limite das nossas forças e, portanto, querer adiar a mudança, evitá-la, limitá-la tanto quanto possível, controlá-la – uma atitude mais fechada; e uma atitude mais aberta de quem aceita a mudança, não necessariamente concordando com ela, mas adaptando-se a ela, e procura atualizar a sua forma de vida… Estas duas posturas existem na esquerda e na direita. Por exemplo, o SPD alemão. Foi um partido muito reformista do modelo de estado social da Alemanha e é um partido de esquerda e socialista. Conseguiu olhar para os desafios do mundo moderno e, em vez de querer perpetuar ao abrigo das suas ideias…

Ou de se queixar…

… o seu modelo, de acordo com as suas ideias, atualizou-as e reformou. Porque, de facto, continua a haver, depois, diferenças entre a esquerda e a direita na forma como se encara o papel do Estado e o papel do indivíduo. Mas neste momento aquele que eu acho que é o desafio que temos é: o que é que fazemos num mundo em que tudo está a mudar. Estão a mudar os modelos de produção, de distribuição, de comercialização… Novos produtos, novas ideias que colocam em causa modelos de negócio anteriores, e como é que nós lidamos com isto tudo.

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Quem é que em Portugal…

É um fenómeno curioso, deixe-me só dizer, porque o Estado social que temos do pós-guerra é um estado que procurou ser, de certa maneira, o fim da história. É algo que quer ser preservado e que quer ser perpetuado.

Tal e qual…

Algo que se conseguiu e quer ser perpetuado e, de alguma maneira, percebo que possa entender-se que a necessidade de reformar ou atualizar o Estado social seja entendida como uma traição a esse modelo. Mas não é. Porque esse modelo, se deixar de ter condições para subsistir…

Morre, agoniza…

Morre. E, portanto, hoje, aquilo que nos diferencia é a forma como reagimos à mudança. Em todos os partidos portugueses, à direita e à esquerda, temos personalidades que aderem a estas duas escolas de pensamento. Eu não acho que os partidos do PSD e do CDS tenham o monopólio de reformismo. Não têm. Têm no seu seio muitos militantes, muitos dirigentes e muitos eleitores que são profundamente conservadores e avessos à mudança. E também não quer dizer que o Partido Socialista é um partido totalmente avesso à mudança. Embora o tenha sido, e neste o momento o esteja a ser, porque também temos no seu seio uma vocação altamente reformista.

Agora é interessante porque dada a específica natureza e as circunstâncias concretas da governação que acabou há dois ou três meses, terá sido possível demonstrar, aplicar e concretizar esse espírito reformista que diz que é imprescindível para uma atitude face à mudança?

Percebo perfeitamente, e isto leva-nos a discutir um pouco um interessantíssimo papel que o Partido Socialista tem na nossa história.

O nosso?

O nosso. O PS tem na oposição um princípio que leva até às últimas consequências. Impedir alguém de governar. Tem sido sempre assim. Opõe-se à existência de canais privados de televisão, no seu tempo. Opõe-se a todas as privatizações. Opõe-se à privatização da energia. Opõe-se a tudo. Essa vocação de bloqueio de qualquer governo que não seja do Partido Socialista era compensada, posteriormente, com a vocação reformista assim que o PS chegava ao governo. O que o levava muitas vezes exatamente o contrário daquilo que tinha feito na oposição. Mas de certa maneira tínhamos dois ciclos. Na oposição o PS era um bloqueio, e levou a sério, muito politicamente a sério, esta posição. Mas era reformista quando chegava ao governo, dentro dos seus quadros ideológicos. O que se passa com este Governo atual, tendo em conta os parceiros de sustentação de Governo que encontrou, é que não vamos ter o PS reformista. Ou seja, tivemos o Partido Socialista a bloquear nos tempos da coligação PSD/CDS, como sempre aconteceu com o PS, e agora que podíamos ter um PS reformista, não o vamos ter. E num momento em que o mundo está em tanta mudança, no momento em que Portugal continua vulnerável do ponto de vista financeiro e da sua credibilidade, nós precisávamos de um partido reformista. E podia ser o Partido Socialista. Preferiria eu que não fosse, e que o fosse o PSD e o CDS, mas poderia ser o Partido Socialista…

Poderia. O passado demonstra que poderia…

E há várias medidas, ou há várias tomadas de posição do PS, que demonstram que de facto não está a preparar uma governação reformista. Todas as revisões que procura fazer é no sentido de reverter tudo aquilo que foi conseguido, e que foi feito. E há, em Portugal, algo que pode ser tido como normal, mas que eu penso que quem acompanha a cena política noutros países verá a diferença. Em Portugal, partidariza-se e politiza-se toda e qualquer questão. Gostava de dar um exemplo, que é um exemplo recente. Até para se decidir qual é a melhor altura para as crianças terem a sua primeira avaliação – até para isto, que devia ser uma questão de bom senso (uns diriam que é no quarto ano, outros acharam que é no sexto, ou no oitavo) – foi criada uma questão ideológica. De um lado a barbárie, do outro lado a civilização. Ora, quando até questões desta, em Portugal, motivam uma clivagem que não existe na sociedade portuguesa… Porque poderíamos dizer que os partidos, no fundo, representam as clivagens que existem na sociedade portuguesa…

Não, mas não.

Essas clivagens não existem. E, portanto, o que é que acontece, e que eu penso que está a ser exagerado neste momento, é que há partidarização e uma politização…

Sim, mas que conduz a uma espécie de paralisia…

… De toda e qualquer questão. Eu não acho normal, se quer que lhe diga. Não acho normal que os três principais partidos não cheguem a acordo relativamente à Segurança Social. Não acho normal. Porque nos outros países aconteceu. Chegam, sentam-se a uma mesa e dizem: Olhem, eu cedo aqui, aqui e aqui e vocês cedem aqui e ali. Ninguém ganha, ganham todos. Porque é o principal problema que o país tem para resolver. Quer dizer, há muitos problemas mas este é de difícil resolução. E implicava um consenso. Ora, até pode existir consenso académico, até pode existir consenso social, mas não há consenso partidário. Porquê? Porque não se tornou isto uma questão política. Claro que há espaço para ideias diferentes sobre esta matéria.

Ainda bem.

E ainda bem. Mas o interessa maior, que é termos uma reforma que, enfim, possa assegurar a manutenção do sistema e que os mais novos possam beneficiar dele, sem que os mais velhos, que neste momento beneficiam, percam as suas… Ou pelo menos percam muito daquilo que têm…

Uma parte, sim…

… Não se chega a acordo porquê? Quando o IRC… Os dois partidos chegam a acordo, ou PSD, CDS e o PS chegam a acordo sobre o IRC… Os acordos a que se chegam em Portugal entre os partidos, depois não valem nada no dia a seguir. Uma das partes já está a querer encontrar no outro… Ele é que viola primeiro o acordo, portanto isto vai acabar.

"Assunção Cristas é a pessoa indicada para tornar o CDS a primeira natural e descomplexada escolha dos portugueses. E para isso o CDS tem que ser o partido do quotidiano".

Mas isso agudizou-se. Eu lembro-me de revisões constitucionais, do Governo Balsemão com o doutor Soares líder da oposição, de uma reforma, no tempo do primeiro-ministro José Sócrates, da Segurança Social… Portanto, não acha que vivemos tempos em que isso está particularmente e imbecilmente agudizado?

Eu penso que tem razão. Eu penso que foi sempre assim… Esses exemplos que demonstrou… Por exemplo, a revisão constitucional de 82, que é de facto essencial, já se poderia, em 82, ter ido muito mais longe. Porque, repare, estamos a perguntar, em 1982, se os modelos coletivistas dão certo ou não? Algo que, em 74, era evidente que não dava. Isto para dizer que, em 82, não se foi mais longe precisamente por questões partidárias.

Está bem, tem razão…

Mas de certa maneira, sim. Houve… Há um agudizar neste momento porquê? Porque a esquerda, à esquerda do PS, precisa da clivagem ideológica para se poder afirmar, e para poder ter espaço. Mesmo que ela não exista na sociedade portuguesa. E aquilo que tenho dito é que, olhar para as discussões do Parlamento e ver aquela clivagem ideológica… Os bons de um lado e os maus do outro… E, atenção, não estou a apontar do lado só à esquerda, porque a direita cai nesta armadilha com imensa facilidade. Depois começa a discutir o 25 de novembro, quem é que é o herdeiro da democracia, quem é que não é… Essa clivagem não existe. Numa família existem pessoas de esquerda, de direita. Temos amigos de esquerda e de direita, e todos nos damos bem.

Como temos do Sporting e do Benfica. É a vida…

Não achamos que do lado de lá está alguém que destruir o nosso país. O único assunto que, até agora juntava com alguma facilidade o primeiro-ministro e o líder da oposição na mesma fotografia era a Europa. Era o único assunto. Mas nem aí. Porque neste momento também já se inventou a clivagem entre os agachados e capachos e os tenazes e fortes que vão…

Levantam a voz…

E mais do que isto. Já se avançou ao ponto de se considerar, como vários responsáveis do PS o fizeram, que em Bruxelas estão pessoas que têm como fito e objetivo uma nova ordem capitalista liberal mundial, e que querem prejudicar pequenos países como Portugal, que querem preservar o seu modelo de Estado social. Portanto, nem na Europa, que era o único assunto onde havia, de facto, uma ideia de que não fazia mal nenhum…

Mas como é que os portugueses olham para isso? Porque não sendo eles todos estúpidos, que não são de maneira nenhuma, não é possível essa espécie de exacerbação? Ela cai na inverosimilhança…

Isso mesmo. Quando se ouve muito, hoje, falar de tempo novo, eu acho que o tempo novo podia começar por aqui. Ou seja, aquilo que os portugueses hoje querem mais do que nunca é que alguém lhes diga, que lhe dê respostas com as quais eles podem concordar, ou não, para os problemas do seu quotidiano.

Exatamente…

E, com certeza, aos problemas macroeconómicos que afetam o seu quotidiano. Mas duvido que alguém possa assistir àquilo que hoje se passa no Parlamento e consiga aderir às discussões que para lá se fazem. Que se consiga identificar com a caracterização do outro. E isto abrange os dois lados. Claro que terei mais facilidade em olhar para os defeitos que estão do lado de lá. Mas assumo que da nossa parte também existe isso.

Vamos falar disso. Como é que está a saúde desse espaço, do PSD e o CDS? Estão acantonados e num casulo? Estão a respirar, a digerir o que aconteceu? Estão quê?

Isso é aceitar um tabuleiro no qual nos querem pôr a jogar e que nós não temos necessariamente que jogar…

Então saem do tabuleiro?

A propósito da eleição de Marcelo Rebelo de Sousa, que se dizia muitas vezes que ele não tomava partido e que quis agradar a todos… Ele não tomava partido? Ele tomou partido por várias coisas. No que ele não tomou partido foi no tabuleiro que lhe quiseram apresentar. Você é a favor do progresso ou a da barbárie? Você a favor da direita que quer destruir o país ou é a favor da esquerda que quer o progresso do país? E ele nesse tabuleiro não se enfiou. Nós também não temos que nos enfiar no tabuleiro que a extrema-esquerda quer desenhar e que nos quer obrigar a posicionar de acordo com o tabuleiro que define.

Só o momento. Não posso prosseguir sem lhe perguntar uma coisa. Um candidato presidencial que pertence a um partido há quase 41 anos, e que pertence com gosto e empenho, não ter tido uma única palavra é sair do tabuleiro? Nunca cuidou dessa gente, não teve uma só palavra para essa gente…

Dois aspetos distinguem-se aí.. Ele tomou partido a favor da integração europeia…

Não é tomar partido, é ter uma palavra para essa gente…

Mas teve. Eu discordo que ele não tenha tido essa palavra e digo-lhe mais. Um Presidente da República é suposto, uma vez eleito, ser Presidente de todos os portugueses.

Ah, mas é que ele teve palavras para o outro lado. Se não tivesse tido…

Mas eu não conheço outra forma de o fazer se não, precisamente, chegar ao outro lado e dizer: Eu consigo compromissos, eu consigo fazer consensos convosco. Daquilo que é a visão de Marcelo Rebelo de Sousa do mundo, aquilo que é o posicionamento ideológico que ele tem e aquilo que ele quer de Portugal no mundo – a integração europeia, o cumprimento dos tratados orçamentais, um país equilibrado mas que não esqueça os mais pobres – está a falar para as pessoas que votam PSD e CDS. Se está a falar para os militantes? Mas ele não tem que falar para os militantes.

Mas não há 40%… Estou a falar de quase metade dos portugueses. Não vamos perder mais tempo com isto.

Mas a demonstração é que ele ganhou as eleições, e ganhou com uma boa margem. A esquerda não ter conseguido apresentar nenhum outro candidato é também um sinal de que o professor Marcelo Rebelo de Sousa era um candidato que conseguia falar para o eleitorado da direita e para o eleitorado da esquerda.

Estamos a dar um bom exemplo de discordância democrática. É ótimo.

Certo, certo.

"Nenhum dos dois partidos, PSD e CDS, tem motivos para estar arrependido da governação que fez, no seu global. Sabíamos que os primeiros quatro anos iam ser quatro anos muito difíceis..."

Como é que analisa aquilo que tem sido a estratégia do CDS, que não é comparável à do PSD?

É uma reflexão muito interessante de se fazer sobretudo porque, em Portugal, nunca sucedeu esta circunstância de ganhar eleições e ser impedido de governar. E tentar perceber qual é a leitura que se pode fazer disto…

Quem tem que ser nova…

No fundo, é um misto de perceções. Por um lado, a perceção de que a estratégia que seguimos, quer de governação, quer de campanha eleitoral e de posicionamento estratégico não estava errada ao ponto de perdermos eleições. Mesmo com quatro anos tão difíceis como aqueles que foram. E portanto temos, de um lado, uma legitimação da estratégia que foi seguida e, por outro lado, a constatação de que isso não foi suficiente para conseguir ter a maioria…

Ter a solidez.

… E impedir a esquerda de utilizar a fórmula constitucionalmente admissível, que utilizou, de ter um governo minoritário mais pequeno que a minoria que ganhou as eleições, ou maioria relativa que as ganhou. E, portanto, é natural que os partidos estejam num período de reflexão que não é imediato e que não tem resposta simples, e que não tem resposta fácil. Os dois partidos também viviam circunstâncias diferentes. O CDS tem o mesmo presidente desde 1998, com um interregno de dois anos. Uma pessoa que já passou por dois governos e que tem uma relação com os portugueses que é de décadas. E tem uma necessidade, perante a mudança evidente de ciclo político – vamos ver quanto tempo é que ele demora, mas é uma mudança de ciclo político a vários níveis. Desde logo porque há um Governo socialista, portanto uma nova fase. Porque é um Governo minoritário, alicerçado na extrema-esquerda, e que veio mitigar o fenómeno do voto útil. Portanto, em vários sentidos isto é um novo ciclo político. E, portanto, o CDS teve necessidade de enfrentar o novo ciclo político refrescado. Vamos ver se vai fazê-lo de boa forma, ou não, mas sentiu essa necessidade de, no fundo, assumir um novo compromisso com os portugueses. De, neste novo ciclo político, está aqui o CDS como um partido refrescado. E já vou tentar explicar o que acho…

Sim, já lá vamos.

O PSD não tem essa necessidade. Não quero muito estar a falar do PSD porque sou militante e dirigente de outro partido… Mas não há comparação a liderança do doutor Pedro Passos Coelho, que é presidente do partido há muito menos tempo e que acabou de ganhar umas eleições, e que foi primeiro-ministro conseguindo tudo aquilo que se dizia que ele não ia conseguir, como chefe de Governo. Que não ia conseguir levar o Governo até ao fim, que não ia conseguir…

Que ia haver um segundo resgate e um terceiro resgate…

Toda essa história. Portanto, é natural que o PSD esteja a fazer a sua reflexão. Nós não estamos acantonados.

Nem uns, nem outros…

O que é que significa dizer que o PSD e o CDS estão acantonados? É porque não querem participar de uma estratégia de Governo na qual não acreditam. Isto não pode ser um acantonamento. Então significa o quê? Que o PS esteva acantonado sempre que esteve na oposição? Por não querermos participar numa fórmula de relacionamento com as entidades internacionais de que Portugal faz parte, e com a União Europeia, que do nosso ponto de vista coloca em causa a credibilidade e os esforço feito pelos portugueses? Isso é estar acantonado? Não, não é estar acantonado. É uma opção. Agora, claro, porque estão em momentos de pré-congresso, os dois partidos estão numa fase de reflexão que não tem necessariamente que produzir, durante a fase reflexão, novos posicionamentos e novas ideias. Vamos deixar os partidos refletir nos seus congressos.

Mas deixe-me só perguntar uma coisa. Eu sei que não é comparável a longevidade política à frente do CDS do doutor Paulo Portas com o doutor Passos Coelho, mas um sai, o outro recandidata-se… Apesar de há pouco ter dito que está mais à vontade a falar do CDS, Pedro Passos Coelho faz bem em recandidatar-se justamente dizendo ‘Eu até ganhei umas eleições, portanto conduzi-vos até aqui, quero continuar, de outro modo, aquilo que vinha a fazer’, ou deveria…

Mas eu acho que a questão da longevidade é, de facto, uma questão determinante. Porque nenhum dos dois partidos tem motivos para estar arrependido da governação que fez, no seu global. Porquê? Isto depois dá um soundbitezito, mas é preciso estar lá a justificação. Nós sempre dissemos que esta era uma governação para oito anos, para duas legislaturas, e sabíamos que os primeiros quatro anos iam ser quatro anos muito difíceis…

Uma Via Sacra…

… Com medidas muito pouco populares, com medidas que estavam, no fundo, condicionadas por um memorando que tinha sido negociado e assinado pelo Partido Socialista, e que era o resultado das políticas socialistas, e que era necessário cumprir concordando-se ou não com elas. Porque se concordava com o fim. E porque se considerava que era essencial para Portugal recuperar o mais cedo possível a sua credibilidade, para se poder voltar a financiar nos mercados e não ter esta dependência que temos de credores externos. E sabíamos que a segunda parte do mandato, ou seja, a segunda legislatura, seria uma legislatura também ainda difícil mas…

Com certeza, mas fatalmente diferente…

… Mas em que estaríamos mais focados nas reformas estruturais, nos resultados de algumas que já tinham sido, e no sentido de ir para a competitividade da economia portuguesa, conseguir baixar o IRC, ir mitigando e começando a repor os rendimentos das pessoas. E, portanto, quando se pergunta se o PSD e o CDS estão – ou se diz que deviam estar – arrependidos ou não…

Não foi isso…

Repare, mas que balanço é que se faz para saber se o doutor Pedro Passos Coelho devia ou não devia sair, se devia ou não devia fazer um balanço negativo daquilo que fez, porque era isso que poderia determinar a sua saída… O doutor Paulo Portas…

Não, poderiam ser outras circunstâncias…

O nosso mandato foi interrompido a meio. E tínhamos muito para fazer. Nada nos diz que o ciclo iniciado pelo PS seja um ciclo com discordâncias, mas virtuoso. Nada nos diz isso. Ou um ciclo que vai por caminho diferente, mas que é um caminho virtuoso. Não. A convicção que temos, quer no PSD, quer no CDS é que este é um caminho errado e que coloca em causa muito daquilo que foi adquirido. Ainda que possa ter muito boa vontade. Não estou a diabolizar o lado de lá. Mas cujas consequências vão ser negativas. Portanto, fazendo esta avaliação eu não vejo motivos para que o doutor Pedro Passos Coelho, ou que o CDS, não digam ‘nós queremos continuar o trabalho que estávamos a fazer’. Só que, de facto, a longevidade de um e de outro é, de facto, diferente. E, portanto, acho que só as circunstâncias pessoais e políticas dos líderes e, também dos partidos, é que determinam que neste momento eles estejam a optar, do ponto de vista da liderança, por alternativas distintas.

Mas ambos estão certos?

O PSD decidirá o que é que para ele está certo. Do meu ponto de vista, o CDS está certo.

"Uma opção é dizer que há determinados instrumentos de governação que, se a extrema-esquerda faltar, a direita pode viabilizar, com uma condição: o PS reconhecer que perdeu a maioria que sustentava o Governo e convocar eleições."

Vou já ao CDS, deixe-me só perguntar a propósito da postura, na oposição, do CDS e do PSD. Acha que o PS deve continuar o seu caminho amparado, ou escorado, no BE e no PCP ou que ao pedir, ao olhar para o seu espaço à direita, como já vez mais do que uma vez, pedindo auxílio, ou amparo, ou votos, ou seja o que for, que deve ser atendido?

Eu tenho poucos estados de alma relativamente a essa matéria.

Mas é uma questão de política, não é de estados da alma.

Exatamente. Mas há quem esteja, neste momento com estados de alma do género jamais aprovar o que quer que seja com o PS, ou tudo com o PS a favor do interesse nacional. Eu tenho poucos estados de alma relativamente a isto. E acho que tem dois critérios, que acho que têm que ser definidos já. Que os partidos têm que escolher o que querem fazer. E há duas opções.

Mas do lado do PSD já definiu, ou não. Porque o líder parlamentar já veio dizer que se entendam entre eles ou…

Bom, falo agora daquilo que eu acho que deve ser o CDS. Aquilo que o CDS deveria dizer. Temos duas opções, que eu penso que as duas são, do meu ponto de vista, aceitáveis e cumprem com o compromisso mínimo que temos que ter com os portugueses, do ponto de vista da estabilidade. Uma opção é dizer o seguinte: sempre que estiver em causa instrumentos da governação que ponham em causa a credibilidade de Portugal, a sua não aprovação.

Por exemplo?

Orçamentos de Estado. Desde que cumpram, evidentemente com os requisitos a que estamos obrigados…

Mas já vamos em três versões…

Vou já, vou já. Nós estamos disponíveis para o viabilizar, mas vamo-nos opor politicamente a eles. Ou seja, isto se a esquerda não os viabilizar… Ou seja, faltando a esquerda… Estando lá a esquerda esta questão não se coloca. Mas faltando a extrema-esquerda à chamada, há duas opções para os partidos à direita, do meu ponto de vista acertadas. Uma é dizer o seguinte: “Muito bem, os instrumentos de Orçamento de Estado e de política financeira de Portugal, desde que cumpra com as regras europeias, e para que Portugal não entre numa crise, podem ser viabilizados, mas terão a nossa oposição política”. Ou seja, eles existirão, Portugal não fica sem o seu Orçamento mas nós não podemos concordar com ele. Um pouco aquilo que o Marcelo Rebelo de Sousa fez com António Guterres, que foi dizer ‘eu viabilizo os seus Orçamentos todos, nem quero saber o que lá está, porque interessa-me a estabilidade de Portugal. E depois farei oposição ao Governo’. Essa é uma opção. A outra opção é dizer o seguinte, é dizer que Eu sou tendencialmente, de uma perspetiva prospetiva, ou seja, cada caso será um caso e a circunstância política será o que for, da primeira circunstância. Ou seja, como português não quero que o Governo… Que este ciclo político esteja a ser determinado por táticas de quem está a pensar qual será o melhor momento para pedir a demissão, para poder convocar novas eleições…

Seria, na sua cabeça, aquilo está na na cabeça de António Costa?

… Aquilo que pode estar na cabeça do secretário-geral do Partido Socialista. Não sei se está.

Primeiro-ministro…

Portanto, acho que Portugal, conquanto os instrumentos em causa respeitem o Tratado Orçamental e com as nossas obrigações internacionais… Conquanto isso suceda, penso que não se deve dar a oportunidade ao secretário-geral do Partido Socialista de ser ele a conduzir o calendário a seu belo prazer.

O CDS vai sofrer uma mudança num duplo sentido, que também é muito interessante. Não só porque, durante muitos anos, como já aqui vimos mais do que uma vez, esteve sob a liderança do doutor Paulo Portas, mas também vai mudar de mãos para mãos femininas. E as mulheres fazem política, o que é também muito interessante, de uma maneira diferente. Isto não é tão interessante? Ou é completamente secundário ser uma mulher?

Eu acho que a Assunção Cristas é a Assunção Cristas. É a Assunção Cristas mulher, com certeza, mas é a Assunção Cristas pragmática, é a Assunção Cristas sensata, é Assunção Cristas que procura compromissos. Qual é que é aí o peso da componente mulher, não faço a mínima ideia.

Não, não. Mas é interessante porque pensa que eu estou presa a um cliché politicamente correto, e não estou, de todo. Acho que ela é isso tudo justamente porque parte de uma essência feminina que lhe permite atender a coisas simultâneas com a mesma qualidade, com o critério de saber qual é que tem de atender primeiro, sem estados de alma…

Compreenderá que eu não consigo…

Pôr-se na minha pele…

Não, e sobretudo não consigo perceber verdade ou não. Ou seja, eu não consigo saber o que é que a essência feminina, nesse caso, determina. Eu olho para as pessoas como elas são. E a Assunção é aquilo que é, e eu penso que sendo como é, é uma boa candidata a presidente do CDS.

Tem colaborado muito com ela, disse-me ela…

Tenho. Quer dizer, tenho colaborado com certeza e colaborarei sempre com qualquer presidente do partido conquanto ele avance que eu penso que pode seguir. Mas isto para lhe dizer que se a Assunção, o projeto que tivesse… Sendo a mesma pessoa que é, o projeto que tivesse fosse um projeto mais como é legítimo defender-se no CDS, doutrinário, mais ideológico, o CDS como o partido bastião de determinados valores e como o guardião de determinados valores, um partido que na sua essência não quer atualizar a democracia e dos anos 70 e do Maritain e de Monnet?Independentemente se ela for mulher, ou não for mulher, de ser pragmática ou não ser…

"As pessoas não comem conversa ideológica em casa. Isso não lhes educa as crianças. Não as faz pensar como é que arranjam emprego".

Como é que define ideologicamente o partido que ela vai tentar moldar, ou encenar, ou produzir?

O partido é, ideologicamente, aquilo que estes 40 anos demonstram que ele é. Que ele consegue albergar no seu seio as correntes democrata-cristã, que é aquele de que estou menos próximo, a conservadora e a liberal. E é desta tensão, deste compromisso, destas cedências que é feito o CDS. E o CDS foi evoluindo como todos os outros partidos foram evoluindo. O desafio que o CDS tem neste momento não é definir-se ideologicamente. Porque a definição ideológica do partido é aquela que resulta.

Tem que começar por aí.

O desafio do CDS é, do meu ponto de vista, tornar-se uma escolha natural e descomplexada dos portugueses. Porque não o é.

Nunca foi, nunca foi…

Nunca foi, nunca foi. Na minha geração ainda não é…

Ou era uma muleta, ou era o voto útil.

E as pessoas tinham necessidade de explicar porque é que votavam CDS. É natural votar PS, é natural votar PSD. Mas para votar no CDS e, sejamos justos, para votar no PCP a coisa também me parece que sucede – é uma escolha complexa -, a pessoa quase que tem que apresentar uma justificação. É por isso, aliás, que nas sondagens estamos sempre abaixo daquilo que são os nossos resultados.

As pessoas têm vergonha…

Há uma relação complexa. Isso tem várias razões. Muitas culpas do CDS, mas muitas culpas, também, do enquadramento político que em Portugal se formou. E eu penso que ela é a pessoa indicada para tornar o CDS a primeira natural e descomplexada escolha dos portugueses. E para isso tem que ser o partido do quotidiano. Ou seja, aquilo que o CDS tem de encontrar, neste momento, é a forma de responder ao quotidiano das pessoas e aos problemas que têm. Mais que estar a enfrentar este ciclo com debates ideológicos com a esquerda. Posso dar-lhe exemplos de distinção sobre o discurso. Quando se discutiu – volto ao exemplo que dei há pouco – os exames da quarta classe, ou no oitavo ano, etc.. Ter discussões na educação dizendo que o Governo está preso aos sindicatos da CGTP para a maior parte dos pais não diz nada. Pode ser verdade, até é verdade, de facto. Mas para os pais isso não quer dizer nada. Os pais querem lá saber se a CGTP manda mais ou manda menos. O que os pais querem saber é se as soluções que nós temos para a educação dos seus filhos são melhores ou piores. E, portanto, em vez de estarmos a dizer, não foi isso que o CDS fez, mas em vez de estarmos a dizer e a opormo-nos com base nisto, não. Vamos explicar. Nós queremos avaliar as crianças nesta altura porque achamos que pedagogicamente é interessante, temos que prepará-los para um futuro melhor, etc., etc. Isto é…

Mas isso foi o que fez Nuno Crato, ou que tentou fazer… Foi exatamente isso. Escolheu um alvo de idade e disse ‘penso que o mais’…

Mas é que, neste momento, o ciclo político que nós temos e o xadrez que a esquerda nos põe é aquele que depois nos diz que estamos acantonados. Que é, quer-nos pôr a jogar o tabuleiro, em que aquilo que nós temos que discutir com eles é esta conversa ideológica. Ora, as pessoas não comem esta conversa em casa. Isto não lhes educa as crianças. Isto não as faz pensar como é que arranjam emprego ou como é que criam emprego, ou como é que sobem na vida. E, portanto, quando eu digo que o CDS tem que ser o partido do quotidiano, ele não tem que mudar de ideias. O discurso é que tem que se adaptar num momento em que o discurso parlamentar e o do Governo aposta na clivagem ideológica. E, portanto, temos duas opções. Ou aceitamos o jogo e vamos a jogo, e até é bastante interessante do ponto de vista parlamentar…

Ou jogamos outro e impomos outro.

E acho que ligarmo-nos diretamente às pessoas, ao seu quotidiano, e mostrarmos que, enquanto os outros estão numa conversa que interessa pouco, embora seja interessante, à vida das pessoas, nós somos o partido das soluções. E acho que isso casa também com a imagem pública da Assunção Cristas. E, de certa maneira, temos a oportunidade de aparecermos refrescados, mas não ignorarmos aquilo que somos. E acho que, de facto, ela tem condições para o fazer.

Porque é que não quis ficar no Parlamento ou numa vida política mais ativa, e optou pela advocacia?

Isso agora implicava aqui…

…Uma confissão…

Sim, quase uma sessão de terapia.

Mas tenho imenso gosto…

Dir-lhe-ia que entrei no Parlamento aos 35 anos e depois estive no Governo…

E que idade tem?

Tenho neste momento 38, vou fazer 39. Portanto se calhar entrei com 34… Bem, enfim… 34, 35. E se ficasse mais quatro anos, eu sairia do Parlamento aos 42 anos. São anos muito importantes na formação pessoal e na formação profissional. E eu não quero ter um compromisso profissional com a política. Não porque ache que não se deve ter, porque acho que é menor, não porque acho que seja ilegítimo, antes pelo contrário. Não quero ter. E, portanto, é uma decisão, de certa maneira, racional. E se quer uma parte mais confessional… Dizer-lhe que a política muito atrativa, tem um lado solar muito tentador e muito interessante. Mas tem um lado lunar que eu nunca experimentei. Mas que se continuar mais tempo cá mais tempo vou experimentar. E, portanto, saio antes de experimentar.

Mas acha que pode, de algum modo, a política, ter sido ou ser, mesmo que agora aposte tão pouco entre parentes, uma vocação, ou algo parecido com uma vocação, ou não? Ou foi um acidente que se veio enriquecendo e amadurecendo?

Não lhe consigo dizer. Sempre tive interesse por políticas públicas e sobre como é que podemos mudar – porque é uma palavra de que gosto muito – e como é que essa mudança deve ser feita. E sempre me interessou como é que Portugal se pode modernizar e como é que pode passar para um estado de desenvolvimento que seja comparável com os países com os quais nos gostamos de comparar.

E com os quais temos de nos comparar.

Mas esse ímpeto pode ser consumido ou pode ser exercido na política, na vida associativa, na vida empresarial… Não sei se é uma vocação. Gostei muito daquilo que fiz, e gostei muito da oportunidade que tive de pôr em prática algumas das ideias que tinha, sobretudo na área do turismo. Mas não sinto que seja uma carreira profissional para mim. Não sinto que o seja.

Pode voltar em todo o caso…

Claro…

Sim, a porta não se fechou, ficou entreaberta…

Sim, e continuarei a ter atividade partidária porque…

Faz parte dos órgãos do partido.

Dos órgãos dirigentes do CDS. E enquanto me quiserem lá…

É natural que queiram. Que marca é que acha que deixou – depois pode escolher alguns exemplos – qual é que foi o seu ex-líbris, a sua assinatura nos quatro anos que esteve no turismo? É uma pasta muito interessante e onde se podem fazer muitas coisas, mas é sempre vista, às vezes, como um second best

Eu deixo essa classificação, ou a resposta, para as pessoas do setor do turismo, porque elas é que poderão saber que marca é que deixaram. Eu posso dizer que marca é que tentei deixar. Mas gostava de pegar nisso do second best porque é verdade.

Percebe porque é que o digo? Estou a interpretar…

Vou até reforçar isso. O turismo não é entendido do ponto de vista político, no discurso público, como Economia à séria. Não é. O turismo cresce, mas as pessoas dizem ‘Ah, mas isso é turismo’. O turismo dá emprego e dizem ‘Ah, mas isso é restaurantes’. Ninguém consegue perceber porque, enfim, há um trabalho mediático que eu procurei fazer – mas que terá ser continuado – de demonstrar que o turismo é área da nossa economia onde as novas tecnologias se podem aplicar, onde empregos que nada têm que ver com os setores tradicionais do turismo – e que aliás são muito relevantes, atenção, não poderíamos viver sem eles – onde eles podem ser exercidos… Novas ideias aplicadas ao turismo, é uma área com um potencial enorme, big data, business intelligence… Tudo aquilo que vão ser as indústrias do futuro podem aplicar-se ao turismo. E, de facto, há um certo preconceito… Como quem diz ‘mesmo que isto esteja bem, não temos nada ver isso, não depende de nós’. E, de facto, depende. Não era possível termos os resultados que tivemos se não tivesse havido para já um setor privado extraordinário. Atenção, porque o setor do turismo não é um setor privado. E, depois, isto é uma marca que espero ter deixado. Não houve vez nenhuma que eu não tivesse comentado os resultados do setor do turismo, que foram sempre recorde atrás de recorde – tive essa sorte, de poder estar no Governo nessa altura – que eu não tivesse dito isto: “Não se cria um destino turístico em dois anos”. Os governos anteriores, socialistas portanto, também têm responsabilidades nisto. Porque eu de facto pude focar-me em algo que precisava de ser reformado, que era a forma de promover Portugal lá fora. Fizemos muitas transformações. Mas eu só pude fazer isso porque…

Porque havia uma semente…

… Porque tinha hotéis bons, ou seja, já tinha havido uma política de qualificação da nossa oferta. Porque já tinha havido uma boa política de captação de rotas aéreas e, portanto, já estávamos melhor servidos do que há não sei quantos anos… Ou seja, eu pude escolher como prioridade algo que é mais visível, aliás é invisível porque ela tornou-se bastante mais técnica e digital e, portanto, menos visível, mas que o trabalho depois foi reconhecido na promoção, porque havia muita coisa que já estava feita. E esta marca de despolitização do turismo que eu tentei dizer, e várias vezes chamar a atenção, que nós podemos crescer assim porque eu não me entretive a desfazer tudo aquilo que encontrei.

Vai ser continuado? Acha?

Bem, o novo Governo tem o seu tempo…

Estou a falar concretamente da pasta em si, de quem lá está.

Eu penso que há, evidentemente, matérias que penso que ficaram consensualizadas. Nomeadamente, o ter largado as velhas formas de promoção e ter começado com as novas formas de promoção que são mais invisíveis e são politicamente mais difíceis. Porquê? Porque o secretário de Estado e o ministro não aparecem. Já não fazemos os grandes eventos e as grandes festas e os grandes torneios, e vamos lá entregar uns prémios, e gasta-se muitos milhões nisso e os turistas que trazem são poucos. É tudo na Internet, é tudo digital, é convidar os jornalistas para virem a Portugal e escreverem sobre Portugal… Portanto, nós não aparecemos. E, às vezes, politicamente é menos atrativo, mas espero que na promoção isso tenha ficado adquirido. O que pode não ter ficado adquirido, o tempo o dirá, é uma vocação mais liberalizadora e de adaptação às novas tendências de mercado, nomeadamente os apartamentos turísticos, que liberalizámos, a animação turística, que liberalizámos… E as pessoas depois queixam-se…

Agora tem o Partido Comunista a dizer que a baixa está overcrowded e que sei lá o quê…

Enfim, isto são desafios também urbanos, e desafios municipais e autárquicos. Que têm que ser levados em conta, mas que tenho alguma dificuldade em perceber como é que depois da liberalização da animação turística que fizemos – e o número de empresas cresceu 70% – venham perguntar… Uma das perguntas frequentes era ‘Mas não acha que há empresas a mais?’, ou ‘Será que elas oferecem todas a qualidade que é necessária?’. E eu pensava ‘no momento em que vivemos, com o desemprego a crescer, e quando se cria emprego pergunta-se se se está a criar emprego a mais?!’

Agora levantando voo de Portugal, que há de fazer um partido de direita, por exemplo em França, ou na Holanda, ou na Hungria, ou onde for… Que há de fazer? Cede um bocadinho para ir buscar eleitorado tentado por esse partido, ou ser intransigente e perder votos? Ou seja, o futuro desses partidos está um pouco incerto…

Temos aqui duas sementes de radicalismo do meu ponto de vista. Uma das sementes é o medo do novo e do estrangeiro. E, portanto, os partidos mais xenófobos e os partidos que defendem que se fechem fronteiras e que se criem barreiras alfandegárias, que se impeçam os outros partidos de entrar com produtos… Aí a pedagogia que tem de ser feita é mostrar que a Economia aberta e livre é sinónimo de progresso e de riqueza e de criação de emprego, e que aquilo que esses partidos estão a defender, em última instância, vai provocar desemprego e menor crescimento. Mas há uma outra semente…

Só para o seu raciocínio ainda nessa primeira hipótese. O estrangeiro mudou de natureza e de rosto…

É verdade, é verdade. Mas esses partidos xenófobos são, de certa maneira coerentes. Não no sentido positivo, mas são coerentes na sua reação ao novo. Eles tanto são contra estrangeiros porque têm uma posição xenófoba, como são contra produtos vendidos por outros países, porque querem proteger a sua indústria. Mas há um outro foco de radicalismo, que se junta a este e formam partidos, de facto, com uma linguagem bastante forte, que é a crítica ao processo de integração europeia. E aí acho que temos de fazer alguma reflexão. Porque não podemos ser acríticos relativamente à Europa. E não podemos deixar que a única reflexão sobre o processo de integração europeia esteja nas mãos desses partidos. E estamos a deixar. Por outro lado, também não contribui nada termos no nosso Governo, ou nos governos, quem [diga que] tudo aquilo que fundamente políticas populares foi decidido pelo Governo, contra Bruxelas, e tudo aquilo que fundamenta políticas impopulares foi Bruxelas que obrigou. E isto está a acontecer nos nossos dias, está a acontecer em Portugal, e a consequência disto é criar espaço para que esses partidos apareçam, juntando um discurso de reflexão de sobre a Europa que devia ser feito a um discurso, então, mais xenófobo, um discurso que quer fechar, que quer o isolamento outra vez. E voltamos ao princípio da nossa conversa, entre a divisão entre aqueles que vivem e que querem uma sociedade e uma economia abertas, e aqueles que querem uma economia e uma sociedade mais fechadas.

O futuro da União Europeia preocupa-o, ou inquieta-o?

Preocupa-me que a União Europeia se esqueça dos seus princípios fundacionais, das quatro liberdades, e se entretenha com projetos de integração política. Preocupa-me. E preocupa-me…

Vamos lembrar os quatro.

Liberdade de circulação de pessoas, capitais, bens e serviços. E preocupa-me que não se tenha aprendido nada com a lição de termos ostracizado… Termos países e União Europeia e comunicação social… Aqueles que foram chamando a atenção para os erros do processo, e não termos aprendido nada com o facto de termos ostracizado. Sou muito thatcherista – o que só ao dizer esta frase já perdi 80% que podiam estar a gostar de estar a ouvir…

Mas importa-se?

Não, não me importa nada. Por isso é que digo que sou muito thatcherista, e faz-me alguma confusão aquilo que ela escreveu e foi dizendo – umas coisas com razão, outras sem. Mas era tão pertinente se a tivéssemos ouvido. E hoje, no fundo, há tanta a gente a dizer exatamente o mesmo que ela, mas ‘ai Jesus se vai citar a Margaret Thatcher’.

Pode ler aqui a entrevista completa.

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