O Presidente da República, a pouco mais de um ano de terminar o seu último mandato, deixou sérios avisos para o futuro. Com o quadro partidário alterado e com as eleições legislativas à porta, Cavaco Silva optou por deixar alertas aos partidos políticos. No discurso do 5 de outubro, avisou que se os partidos continuarem focados em políticas de “vistas curtas”, de mero “taticismo” e “imediatismo” e rejeitarem uma “cultura de compromisso”, há um risco de “implosão do sistema partidário português tal como o conhecemos”.

Na cerimónia do 5 de Outubro deste domingo de manhã nos Paços do Concelho, em Lisboa, com novos protagonistas do lado do PS, o Presidente da República fez um discurso político puro. Começou por lembrar os ideais da República de que “todos somos cidadãos”, para daí partir para a necessidade de mudar a cultura em Portugal sob o risco de se perder a qualidade da democracia.

Traduzindo: Cavaco Silva quer mais compromisso porque, caso contrário, a instabilidade governativa e o afastamento entre eleitos e eleitores continuará a aumentar. E foi nesta linha que deixou um novo aviso para futuro:

“Quem não for capaz de alcançar os compromissos necessários a uma governação estável, poderá alcançar o poder, mas dificilmente terá a garantia de o exercer por muito tempo”.

António Costa, que é agora candidato do PS a primeiro-ministro e será eleito líder do principal partido da oposição até ao final do ano, e Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro e que será recandidato ao cargo, ouviram o Presidente descrever um cenário negro. E foi com esta mudança de protagonistas à frente que Cavaco lembrou que os portugueses não estão insatisfeitos “com a democracia ou com a República”, mas sim “com a forma como as instituições democráticas têm funcionado no nosso país”. E que, por isso, é necessário promover “uma reflexão séria sobre o regime político português e encontrarmos em conjunto soluções para os problemas que afetam a governabilidade da nossa República”.

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A começar pela postura dos próprios partidos políticos que, reforçou, não podem “viver na ilusão” de que “tudo isto lhes passará ao lado”. O tom foi de previsão – dizendo ao mesmo tempo que não queria ser alarmista nem queria entrar no “populismo de ocasião” e de “crítica sistemática e inconsequente” -, mas com acento grave: “Mantendo-se a tendência das forças partidárias para rejeitarem uma cultura de compromisso, não é de excluir, sem qualquer dose de alarmismo, um aumento dos níveis de abstenção para limiares incomportáveis ou a implosão do sistema partidário português tal como o conhecemos”, disse.

E continuou lembrando que a “persistência do taticismo e do imediatismo, a teimosia de uma política de vistas curtas, exclusivamente centrada nos interesses partidários, trará custos a médio prazo para a democracia portuguesa no seu todo”.

No rol de problemas identificados pelo Presidente da República não está só a defesa de postura perante a política – o Chefe de Estado até acredita que o sistema eleitoral garante a proporcionalidade, mas que essa proporcionalidade também pede que o compromisso seja mais forte para que se alcance um governo estável -, mas também a necessidade de tornar mais transparente “o financiamento político-partidário”, sugerindo indiretamente aos partidos que promovam alterações às leis do sistema político, que pedem dois terços dos deputados para serem aprovadas.

Além do afastamento entre eleitores e eleitos, o Presidente destacou a dificuldade da administração pública em captar quadros competentes dizendo que há, cada vez mais, uma “repulsa dos cidadãos mais qualificados pelo exercício de funções públicas. Não apenas no que toca ao desempenho de cargos políticos, mas também ao exercício de funções nas diversas áreas da Administração Pública”.

O Presidente disse que cada vez mais os portugueses olham para o exercício de cargos na administração pública como sinal de “carreirismo e oportunismo, associado, com frequência a um percurso de vida inteiramente situado no seio dos partidos” e não como uma noção “patriótica de serviço à causa pública”. E para isso, diz Cavaco, também têm contribuído as “barreiras à entrada” nos partidos de novos protagonistas.

Eleições à vista

No discurso, Cavaco Silva até colocou no mesmo grupo, no que à atitude dos portugueses diz respeito, a luta pela liberdade, a votação para a Assembleia Constituinte, a entrada na União Europeia e a capacidade de sacrifício perante a crise económica e o resgate financeiro, para dizer que apesar de ainda se sentirem os “efeitos de uma das mais graves crises que teve de enfrentar nas últimas décadas”, também é verdade que existem “sinais de esperança” e “múltiplos desafios” pela frente.

Entre os desafios estará a manutenção do Estado social. Acredita o Presidente que “o modelo do Estado social não está, de modo algum, posto em causa”. Mas que é para que ele não seja posto em causa que é preciso “proceder a uma utilização muito criteriosa dos escassos recursos públicos disponíveis”.

E foi aí, falando da obrigação de se cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas também o Tratado Orçamental, que o chefe de Estado pediu aos partidos que “de uma vez por todas” optem por uma “cultura de responsabilidade e uma cultura de verdade”.

Cavaco Silva sabe que os partidos já estão em clima de pré-campanha eleitoral e começa a definir o que quer para os debates e posicionamentos dos principais partidos até às legislativas de 2015: que não façam promessas que depois não possam cumprir. Porque, referiu, essa “prática constante” tem servido apenas para “conquistar o apoio dos cidadãos e o voto do eleitorado” e o “incumprimento” da palavra tem sido o maior fator para o aumento da “desconfiança” nas instituições”.

E terminou dizendo: “É tempo de instituir uma cultura de maior responsabilidade e realismo, pois a conjuntura que atravessamos não se compadece com promessas de facilidades nem com soluções utópicas”.