Ao falar-se de genealogia é quase inevitável pensar-se em apelidos sonantes e antepassados ilustres. Contudo da maior parte das pessoas sabe-se apenas a data de nascimento e da morte. Mas isso já permite saber muito, como explica nesta entrevista Jorge Forjaz. Um açoriano que, de arquivo em arquivo, segue o rasto das famílias portuguesas pelo mundo.

“Se eu não souber de uma família mais nada se não que teve dez, doze ou quinze filhos (que é uma coisa muito vulgar do século XIX para trás), se não souber mais nada a não ser datas posso fazer inúmero estudos a partir da própria genealogia. Posso contar-lhe o caso de uma família em Angra do Heroísmo que teve quinze filhos e quando morreram não tinham filho nenhum. E mais, desses quinze filhos sete chamaram-se Mateus, o que quer dizer que eles iam morrendo sempre. Depois vinha outro e eles davam-lhe o mesmo nome. Dos quinze filhos, eles só tiveram três vivos ao mesmo tempo. Todos morreram antes dos 3, 4, 5 anos. Todos!” – O sotaque açoriano de Jorge Forjaz torna-se mais forte quando as palavras ganham emoção. Como acontece quando perante as datas de nascimentos e óbitos desta família de Angra, pergunta: “Que mortalidade é esta? Que capacidade de resistir é esta?”

Os arquivos têm-lhe contado histórias emotivas como a destes pais de Angra ou tão tormentosas quanto desconhecidas como a dos macaenses que residiam em Xangai. Expulsos por Mao Tse-Tung, tiveram escassas horas para deixar a China. Na fuga perderam os bens e muitos deles também a nacionalidade portuguesa. Tendo como único documento de identificação o passaporte, estes portugueses fogem para Hong Kong, Brasil, Austrália… Mas quando se dirigem aos consulados e embaixadas daquele que sempre tinham considerado o seu país, Portugal, pedem-lhes o Bilhete de Identidade, documento que no consulado de Xangai nunca lhes tinham dito para tirar. Sem Bilhete de Identidade deixaram de conseguir provar a nacionalidade portuguesa.

“Houve dias em que meti 500 cartas no correio”

Jorge Forjaz começou a fazer genealogias antes de existir o mail e até o fax. Escrevia cartas às centenas – “Houve dias em que meti 500 cartas no correio. Isto foi num dia, fora os outros” – e para todo o mundo: “Estamos a falar de gente que nasceu em Macau, casou em Goa, teve filhos em Moçambique, casaram segunda vez em São Tomé e vão morrer na Guiné.”

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A mobilidade é, além da nacionalidade portuguesa, aquilo que estas pessoas tão diversas partilham: “No caso de Macau são trezentas ou quatrocentas famílias espalhadas pelo mundo que têm um tronco original em Portugal e têm um ramo que vai para Macau. Esse ramo de Macau abre um outro que vai para Hong Kong, esse de Hong Kong vai para Cantão, o de Cantão vai para Xangai, o de Xangai para Yokohama no Japão, ou para Banguecoque ou para Singapura. E isto enquanto ainda não saíram do Oriente..”

Tornados obrigatórios pelo Concílio de Trento (1545 a 1563) para combater a bigamia, os registos paroquiais vão estender-se geográfica e socialmente muito rapidamente no mundo católico. Vinte anos depois do Concílio de Trento já se encontram nos Açores registos paroquiais: a Sé de Angra tem registos desde 1560 até hoje sem faltar um único registo. Em muitas freguesias de Lisboa os registos remontam a 1570.

E a presença ou a ausência dos registos paroquiais tem ela mesma significado histórico: em Tomar os registos apenas remontam até em 1808, pois a documentação anterior foi destruída durante o saque que as tropas francesas efectuaram nas igrejas daquela cidade. Já no continente africano, mais precisamente em Ceuta, encontram-se registos que remontam ao século XVI porque os portugueses que tomaram aquela praça há precisamente 600 anos (1415) introduziram ali os assentos paroquiais e estes sobreviveram em notável estado de conservação todos estes séculos.

Percebida a importância da genealogia? Esperemos que sim. Acabamos com um aviso: a nossa memória, diz Jorge Forjaz, só chega até aos nossos avós. Como fazer para a recuperar? Começar por ouvir esta entrevista e desfazer-se daquela ideia de que os arquivos são locais enfadonhos. Mesmo que só nos deem datas encerram histórias que nunca deixarão de nos surpreender.