Henrique Neto quer ser mais um Presidente de bastidores do que de avisos públicos. Diz até que um Presidente não pode falar sempre que os jornalistas lhe estendem um microfone. Nesta primeira entrevista que o Observador faz a um candidato presidencial, falou da necessidade que o país tem de discutir um projeto de médio prazo mas não se esquivou, ponto a ponto, a olhar para os momentos mais quentes dos ex-Presidentes, para dizer como teria feito.

Henrique Neto é um homem simples. Aparece sem equipa de assessores, sem gravata. Diz que quer ser ele próprio, que foi para isso que veio. Tem certezas, muitas. E diz que raramente se enganou nas previsões que foi fazendo sobre o futuro do país.

Uma das que se atreve a fazer é sobre o que se vai passar ainda antes das presidenciais, aquando das legislativas de outubro. A pergunta era simples: Cavaco Silva deve exigir um Governo de maioria? “Não digo exigir, será talvez forte demais, pode propor uma base de entendimento aos partidos. Penso que era preciso que os partidos, antes de se entenderem sobre políticas concretas, se entendessem sobre uma visão, um desígnio para Portugal nos próximos 10, 15 anos.”

O que resultará das eleições é também previsível, diz Henrique Neto, militante do PS, ex-deputado, o homem que avançou sozinho para Belém, recebendo um “é indiferente” do líder do partido.

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“A atual direção do PS dava a ideia de que queria um acordo à esquerda, agora parece mais próxima de um acordo à direita. Será difícil saber o que vai resultar desta relação de forças. Mas se não houver um cataclismo, aquilo que vai acontecer é um acordo à direita.”

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O depois é mais difícil, antevê Henrique Neto. “O PSD entrará num clima de instabilidade, as relações entre PS e PSD não estão felizes, há clivagens muito grandes” – mais entre as pessoas, não tanto do ponto de vista das políticas, admite ele.

De resto, o seu entendimento é de que o documento do PS (coordenado por Mário Centeno) e o Programa de Estabilidade do Governo têm mais em comum do que se tem dito. Henrique Neto leu os dois e chegou à conclusão de que não gostou “nem de um, nem de outro”. “É uma contabilidade de deve e haver, tentam definir um défice, um crescimento económico e depois arrumam as cartas de um modo diferente. Nenhum tem uma estratégia de desenvolvimento” para o país, alega. Nem o do PS? “O do PS não vai resolver o problema da austeridade, da dívida do desemprego.”

O papel de Neto, Presidente

Mas afinal ao que vem Henrique Neto, o político, mas também ex-gestor, ex-empresário. “Propor uma estratégia para o país, para a economia”, diz ao Observador. Desde logo para “forçar que o debate nas legislativas se centre sobre aqueles problemas”. E para lhes dizer que, se for eleito, terá a sua estratégia como guião. “Pode ser aquela, assumida, não assumida, mas é a do Presidente. Se for eleito é sobre ela que, dentro dos poderes presidenciais, vou forçar esses entendimentos” – dentro de uma perspetiva de estabilidade, sublinha ainda.

Porque acredita “na racionalidade do futuro Governo”, porque diz ter uma estratégia “desenhada de uma forma tão inquestionável quanto possível”, Henrique Neto diz que não é impossível cumprir a missão. Mas para isso propõe-se a fazer diferente dos outros Presidentes que o país teve. “O Presidente deve ter uma boa comunicação com a sociedade, setor a setor”, explica. Com o setor empresarial, da Administração Pública, da tecnologia, com intelectuais, com gente da cultura. “Não para discutir o dia a dia, mas sempre as grandes questões nacionais, a 10/15 anos de vista. Não para falar das questiúnculas da sociedade portuguesa”.

Mais até, diz Henrique Neto.

“O PR não pode dispersar-se com pequenos fait diverts, responder sempre que vocês, jornalistas, lhe põem um microfone ao pé da boca. Isso desvaloriza as grandes questões que o PR tem que tratar. Se seguir com grande disciplina nesse domínio e aquilo a que chamo a pedagogia do exemplo, isso fará com que qualquer Governo tenha que considerar duas vezes.”

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E nas relações com o Governo, com a Assembleia, como faria? As respostas aqui são menos afirmativas. Não abdica de poder algum, seja a dissolução, o veto, a devolução de diplomas. “Considerarei todas essas situações. Não aceitaria nunca que a situação política apodrecesse , por resultado de as políticas estarem desenquadradas do interesse nacional ou de os partidos não se entenderem”, garante o candidato. Mas seria sempre “frontal, leal”.

Os dilemas dos ex-Presidentes

E como teria feito Henrique Neto se estivesse no lugar dos ex-Presidentes, naqueles momentos mais difíceis por que passaram? À procura de um perfil do candidato, o Observador deixou alguns desafios.

  • Cavaco Silva devia ter demitido o Governo na crise política de 2013? “Não me teria limitado a dizer entendam-se, sobretudo naquela altura, com um partido no Governo pouco interessado num entendimento e com o PS a pensar numa mudança. Teria apresentado um documento com duas páginas, com as questões estratégicas como a Europa, etc. Uma base do entendimento. Se não se entendessem, teria de dissolver a AR. Mas claro que sim, bastaria que os dois partidos (PSD e CDS) se entendessem. Desde que houvesse um acordo de Governo, claro que bastaria”.
  • Cavaco, os cortes e o TC. Exagerou, fez a menos? “Antecipar os acontecimentos é essencial. O PR deve antecipar as questões, falando com o primeiro-ministro e com os partidos. Não deve deixar que as coisas de deteriorem a um ponto… deve balizar o caminho, deve dizer: se isto acontecer, eu faço isto. Para as pessoas saberem com o que contam.”
  • Cavaco lidou bem com José Sócrates? “Não, é evidente que não lidou. Mas verdadeiramente ninguém lidaria bem com José Sócrates, fosse quem fosse. Percebi muito bem o que é que ia acontecer quando ele ascendeu ao poder no PS, comecei logo a escrever e a avisar os socialistas. É verdade que na primeira legislatura, com maioria absoluta, a margem de manobra do PR é muito pequena. Mas lá está: podia e deveria ter recorrido à opinião pública. Eu não teria permitido que as PPP se tivessem realizado daquela maneira. Primeiro falaria com o primeiro-ministro: ‘eu sou pela estabilidade, mas não vou permitir isto, nem isto, nem isto. Portanto, tire daí as necessárias conclusões'”.
  • Sampaio fez bem em demitir Santana Lopes? “Fez, fez, fez.” E em dar-lhe posse? “Aí eu teria dito ao dr Durão Barroso que não subscrevia a ida dele para Bruxelas”.
  • E Soares? Foi melhor no primeiro ou no segundo mandato? “Talvez no primeiro. É muito dificil, Mário Soares é Mário Soares. É imprevisível, é uma referência da República, tem coisas extraordinariamente positivas e extraordinariamente negativas. Eu não teria feito aquelas acções muito gongóricas, são excessivas, não dizem nada. E tinha avisado para o que aí vinha. Naquela altura já era óbvio que a economia ia ter problemas. Eu texto textos e textos a dizer: não se iludam”.

Sampaio da Nóvoa? Lírico. Poético

Olhando para a frente, Henrique Neto tem já um adversário no caminho, precisamente a tentar preencher o seu campo político. Sampaio da Nóvoa apresentou-se, com vários militantes do PS no Teatro da Trindade. Mas sem o apoio oficial dos socialistas. Tendo ouvido o discurso, o que sentiu que tivesse de diferente do ex-reitor da Universidade de Lisboa? O início da resposta contesta “essa posição de independência” de Sampaio da Nóvoa: “A minha convicção é de que se candidatou porque tem o apoio de um partido desde o início, o PS, e não está preocupado com aquelas coisas com que eu estou: quem paga a campanha, criar uma organização, etc.”

Mas há dois pontos em que Henrique Neto quer distinguir-se de Sampaio da Nóvoa. O primeiro: “O meu currículo de operário, de gestor, de empresário, político desde o MUD juvenil aos 14 anos, passando pelas eleições de 69, aquilo que escrevi também. O meu currículo acho que compara muito favoravelmente com muitos candidatos, da esquerda à direita, que se conhecem. Nenhum tem a experiência que eu tenho”, acredita.

Mas há um segundo, mais político, acutilante: “O discurso do prof. Nóvoa é um discurso que reflete o currículo dele, a sua vida, o seu passado. É um discurso um pouco lírico, um pouco poético. Nesse plano inquestionavelmente bonito, mas que não se confronta com a realidade dos problemas nacionais, nem com estas perguntas que me tem feito aqui. É um discurso feito de palavras, mas discursos de palavras o país já tem anos – o país precisa de ação. Um especialista da palavra não é o que o país precisa neste momento”.

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E de que tipo de ação precisa, então , o país? A visão do candidato ficará para um segundo momento, já depois das legislativas. Mas houve tempo para um princípio orientador, que começa em Sines – precisamente como ponto de partida. “Portugal deve tornar-se o sítio indicado para as empresas integradoras, que recebem os componentes e montam em produtos em Portugal e mandam os produtos para todo o mundo – empresas como a AutoEuropa. O que nos falta é logística. Se definirmos a estratégia, Sines torna-se relevante. Sem ela, é mais uma obra pública”.

E desde a entrada na UE que Henrique Neto não vê uma estratégia em Portugal. “Depois foi uma navegação à vista”.