É muito, muito raro que saia coisa boa do “remake” de um filme estrangeiro feito em Hollywood. (Aliás, raramente sai também coisa boa dos “remakes” de filmes caseiros.) Claro que há excepções. Uma delas foi o filme de terror japonês “Ring – A Maldição”, de Hideo Nakata (1998), muito competentemente transportado para os EUA em “O Aviso”, por Gore Verbinski, alguns anos mais tarde, em 2002. Mas as coisas não costumam resultar bem, mesmo quando são os próprios autores dos filmes originais a assinar os “remakes”, como foi o caso de “Brincadeiras Perigosas”, de Michael Haneke. O original austríaco, de 1997, é excelente, enquanto a versão “made in USA”, pelo mesmo Haneke, em 2007, é apenas redundante, mesmo contando com Naomi Watts e Tim Roth.

Hoje chega aos cinemas portugueses mais uma dessas excepções. É “O Segredo dos Seus Olhos”, de Billy Ray, o argumentista de “Capitão Phillips” e realizador de “Verdade ou Mentira” — sobre o jornalista que durante vários anos escreveu artigos inventados na revista “The New Republic” –, que faz o “remake” do filme homónimo argentino de Juan José Campanella, premiado com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010. E logo com três intérpretes de primeira linha: Chiwetel Ejiofor, Julia Roberts e Nicole Kidman.

(“Trailer” de “O Segredo dos Seus Olhos”)

Simultaneamente policial de tintas políticas e história de um amor frustrado, passado ao longo de várias décadas e envolvendo acontecimentos do passado recente da Argentina, como a ditadura militar dos anos 70/80, os regimes populistas que se lhe seguiram e o drama dos opositores políticos àquela que desapareceram sem deixar rasto, “O Segredo dos Seus Olhos” está longe de ser uma pêra doce em termos de “remake” para outra realidade, sobretudo a norte-americana, sob pena de ser desfigurado até ficar irreconhecível. Além do seu rigoroso realismo, o filme de Campanella era ainda dominado por uma atmosfera emocional melancólica e dolorida, contando com uma memorável interpretação de Ricardo Darín no papel principal.

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(Entrevista com o realizador e argumentista Billy Ray)

Se era impossível à partida fazer um filme tão bom ou melhor que o original, este “O Segredo dos Seus Olhos” hollywoodesco consegue, pelo menos, ser uma versão perfeitamente digna e apresentável, que apesar de algumas alterações inevitáveis no contexto histórico-temporal, sua “americanização” da intriga e em especial na definição e na arrumação das personagens centrais, permanece bastante fiel à ideia narrativa e ao espírito dramático da produção argentina — ao que talvez não seja alheia a presença de Juan José Campanella como consultor e produtor executivo.

(Entrevista com Chiwetel Ejiofor)

Billy Ray, também argumentista, trocou a ditadura militar pelos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 e adaptou a história a estes, revisitados em “flashback”. O assassino é agora um informador das movimentações dos muçulmanos radicais, enquanto que as personagens de Chiwetel Ejiofor e Julia Roberts são agentes do FBI envolvidos na “guerra ao terror”, mantendo-se a de Nicole Kidman, como no filme original argentino, a funcionar no campo jurídico. Tal como se mantém a atracção nunca verbalizada nem consumada entre a sua personagem e a de Ejiofor. Contar mais alguma coisa sobre o enredo será ser desmancha-prazeres, mesmo tendo em conta que, seguindo “O Segredo dos Seus Olhos”, versão EUA, muito de perto a história de “O Segredo dos Seus Olhos”, original argentino, quem viu o filme de Juan José Campanella e vá também ver este de Billy Ray, nem que seja para fazer comparações, já saberá onde as coisas vão dar.

(Entrevista com Julia Roberts)

(Entrevista com Nicole Kidman)

Chiwetel Ejiofor (que substituiu Denzel Washington) parece ter estudado a interpretação impecavelmente modulada de Ricardo Darín para fazer a sua, e Nicole Kidman, bem, é Nicole Kidman. A única fífia é dada por Julia Roberts, uma actriz que não precisa de aparecer feia nem fisicamente devastada pela desgraça para que lhe seja dada credibilidade dramática e até ganhe Óscares, como provou, por exemplo, em “Erin Brockovich”, de Steven Soderbergh.  O facto de Roberts o fazer em “O Segredo dos Seus Olhos” tem, por isso, o efeito exactamente oposto do pretendido.