Eles dizem que não. O grupo e o “espírito” deste é o mais importante, mais até que a titularidade ou não deles, dizem que o que querem é ajudar — se o “mister” quiser a ajuda deles –, prometem dar o litro nos treinos para ter uma oportunidade, um minuto que seja de oportunidade, mas também dizem que não virá mal nenhum ao mundo se não saírem do banco. Desde que Portugal vença as “croácias” uma por uma, quiçá até 10 de julho e à final de Paris, nada apodrece no reino da seleção. Mas isso é o discurso para fora, na sala de imprensa ou na zona mista.

Lá dentro, no “grupo”, ninguém quer ir a França fazer de turista e ver as paisagens pelo vidro do autocarro. O que querem é jogar. Sempre. Entre os convocados, e até este sábado, apenas cinco não tinham saído do banco: Anthony Lopes, Eduardo, Cédric Soares, Bruno Alves, José Fonte e Adrien Silva. Os dois primeiros, como guarda-redes que são, não saíram mesmo; Patrício tem sido mais espectador do que propriamente colocado à prova no Euro, mesmo tendo encaixado quatro golos na fase de grupos. Os restantes têm trabalhado para aquecer. Literalmente. O treinador chama-os, pede-lhes que se levantem e sigam de pronto até perto da linha de fundo, o preparador físico dá-lhes uma “tareia” para ver se os músculos desentorpecem, e quando por fim estão desentorpecidos, quem entra é o Renato, ou o Ricardo, ou o Rafael, nunca eles, e o árbitro apita para o final no entretanto.

Eles dizem que não, mas nenhum futebolista gosta de ser suplente. Mais a mais, nenhum deles, Cédric, Fonte ou Adrien, tinham sido convocados para qualquer Euro (ou Mundial) até aqui. Eram estreantes em França. Mas diante da Croácia, no “mata-mata”, Fernando Santos resolveu mudar por fim. Entendeu que Vierinha, talvez por estar cansado e com três partidas nas pernas, talvez por não ter a aptidão que Cédric tem para defender — afinal, ia ter o veloz Perisic pela frente, e “defender” era a palavra de ordem –, resolveu apostar no lateral do Southampton ao invés do do Wolfsburg. Ricardo Carvaho também perdeu a vez.

Entrou José Fonte, mais novo, igualmente “batido”, e mais capaz do que Carvalho nas disputas aéreas – o senhor que iria disputá-las com ele era um tal de Mario Mandzukic, que é matulão e nunca pede licença a ninguém para “molhar a sopa”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Por fim, estreou-se Adrien pela mão de Fernando Santos, saindo João Moutinho do “onze”. O médio do Mónaco até foi o melhor (segundo a UEFA) na partida contra a Hungria, é sempre quem mais sua pelo que corre e se entrega a cada instante de jogo, mas não tem sido feliz. E não tem sido porque teve uma época de alto e baixos no principado, muitas vezes foi suplente com Leonardo Jardim, outras nem convocado foi por estar lesionado, e sentia-se no Euro que Moutinho não tinha a disponibilidade física de outras competições internacionais em que participou. Quando a bola estava parada, em cantos, livres, e era ele quem a fazia rolar, esteve francamente mal (era tudo cruzado tenso, mas sem força, sem a direção dos seus, um “figo” para os adversários) e com aproveitamento nulo.

As mudanças tiveram o efeito que Fernando Santos queria. Desde logo porque Portugal venceu (1-0) a Croácia. Mas também porque os três estreantes foram dos melhores em campo – o melhor para a UEFA foi um suplente que entrou ao intervalo: Renato Sanches.

Cédric pôs Perisic "no bolso" durante os 120' em que se defrontarem em Lens (Créditos: Shaun Botterill/Getty Images)

Cédric pôs Perisic “no bolso” durante os 120′ em que se defrontarem em Lens (Créditos: Shaun Botterill/Getty Images)

Mas dizer que foram “dos melhores” é curto. É preciso também olhar às estatísticas de cada um deles contra os croatas. E comecemos por Cédric, à direita da defesa.

Um elogio prévio: viu Perisic, aquele que destroçou a Espanha e tomou para os croatas o primeiro lugar do Grupo D, durante os “oitavos”? Não? Então “culpe-se” Cédric, que mal atacou, quando cruzou, cruzou mal – dois cruzamentos, os dois para “as couves” –, mas a defender, apesar do “palmo e meio” de altura que tem, agigantou-se e “secou” a diabrura que o extremo croata traz no corpo. Cédric Soares fez três tackles (o chamado “carrinho”, em português) e seis interceções de bola na defesa; alívios — ou, na gíria, “chutões” para a frente — foram três. Mas só precisou de recorrer à falta uma vez nos 120′ que o jogo teve.

Quando o assunto é passar, Cédric fez 48 passes, na defesa todos com sucesso, no ataque nem tanto, e por isso “só” teve 64,6% de acerto neste capítulo. Tudo somado, passou no exame da estreia com distinção e louvor, ganhando provavelmente o lugar a Vierinha contra a Polónia. Veremos.

Aqui, foi Mandzukic quem levou a melhor pelo ar. Antes e depois foi José Fonte (Créditos: KENZO TRIBOUILLARD/AFP/Getty Images)

Aqui, foi Mandzukic quem levou a melhor pelo ar. Antes e depois foi José Fonte (Créditos: KENZO TRIBOUILLARD/AFP/Getty Images)

E José Fonte? Ele também é do Southampton como Cédric, mas é mais do que isso: é o capitão dos Saints, com muitos minutos disputados na Premier League. Talvez por isso, pela experiência que carrega do alto (ele é muuuito alto; quase um metro e noventa) dos seus 32 anos, Fonte não tremeu contra a Croácia e mal se sentiu a ausência de Carvalho ao lado de Pepe. Sim, Pepe foi um “xerifão” na defesa, mas ter ao lado um defesa que não compromete, que é tão seguro quanto o luso-brasileiro, também ajuda. Quando um deles não tinha pernas para um croata sozinho, ia lá o outro e fazia a “dobra”.

José Fonte é, tal como Cédric, tal como Adrien, produto da formação do Sporting. Mas, ao contrário dos restantes, nunca foi aproveitado em Alvalade. A geração é outra. Fonte foi cedo para Inglaterra (antes, ainda andou pelos bês do Benfica), primeiro para o Crystal Palace, depois para o St Mary’s Stadium onde joga hoje, e fez-se um central do que de melhor Inglaterra tem. Desde logo porque percebeu as suas limitações e potenciou o que são as qualidades. Viu-se isso contra a Croácia. Fonte não é um central que sai a jogar, que tenta proteger a bola e driblar o avançado depois; se for preciso cortar a bola para lá do sol-posto, Fonte corta e com isso não se compromete — como se tivesse “um simples vestido preto”. Mas Fonte, pelo ar, sabe que é tudo dele, antecipando bem onde a bola vai cair e impulsionando-se mais alto que os demais. Este é José Fonte.

E como foi ele nos “oitavos”? Fez quatro interceções de bola, mas só precisou de recorrer à falta numa única ocasião. Na hora de aliviar a bola, é o que se sabe: oito “chutões” para nenhures – ou quase, porque três deles até caíram num dos seus. Quanto a passar, Fonte procura quase sempre Pepe à sua direita, Raphael Guerreiro à esquerda, ou William mais à frente. E procurou-os 48 vezes, tendo acertado 75 dos passes que fez. Nada mal para quem não é prodigioso com os pés.

Ofensivamente, não há nada a dizer dele nas estatísticas. Também não é isso que se lhe pede.

No estílo que é o seu, "raçudo", não foi só Modric que Adrien "secou"; Rakitic também se viu pouco no Croácia-Portugal (Créditos: KENZO TRIBOUILLARD/AFP/Getty Images)

No estilo que é o seu, “raçudo”, não foi só Modric que Adrien “secou”; Rakitic também se viu pouco no Croácia-Portugal (Créditos: KENZO TRIBOUILLARD/AFP/Getty Images)

Adrien Sébastien Perruchet Silva. O segundo nome e o primeiro apelido não enganam: é luso-descendente, filho de mãe francesa e pai português. Nascido em França, Adrien começou a dar os primeiros pontapés na bola no Bordéus, clube que deixou quando veio para Portugal aos 13 anos, ingressando no Sporting e em Alcochete aos 14.

Contra a Croácia, foi chamado por Fernando Santos para ocupar o lugar de João Moutinho, e isso já se sabe. O que também se sabe é que Adrien passou (até aos 108′, quando Danilo o substituiu) o jogo todo a morder os calcanhares a Modric. E se só por uma vez a Croácia rematou à baliza (ou melhor, ao poste, por volta dos 116′) de Patrício, muito se deve a Adrien, que evitou que o camisola dez croata assistisse alguém ou construísse jogo como habitualmente constrói na seleção e no Real Madrid. Cansou só de ver, a omnipresença de Adrien, que nunca dá uma bola por perdida – mesmo quando a perde –, que procura sempre sair com ela no pé, libertando-a rápido para o ataque. Nada de “rodriguinhos”, portanto.

Estatísticas? Vamos a isso: defensivamente, Adrien fez três tackles, quatro interceções de bola e três faltas (algumas “inteligentes”, quando a Croácia saia em contra-ataque), não vendo qualquer cartão amarelo. Olhando aos “alívios” de bola, fez dois, apenas dois, optando por sair quase sempre a jogar, driblando os adversários em cinco ocasiões.

Ao nível do passe, fez 44 e teve um bom aproveitamento: 79,5%. Um deles, apenas um, foi aquilo a que se chama um key pass, ou seja, uma desmarcação que isola um colega e o deixa em posição de rematar à baliza. Não é uma “assistência”, porque essa significa que o remate teve sucesso. Ainda falando de passes, a maioria foram curtos, tendo Adrien feito apenas quatro longos, derivando a bola de flanco ou colocando-a (tentando, pelo menos) nas costas da defesa croata. Uma coisa é certa: bola que cai nos pés de Adrien, é bola que não vem escorregadia; só falhou uma receção nos “oitavos”.

Só remates à baliza é que Adrien não fez. Aliás, Portugal só fez um, por Ronaldo, um remate que acabou por dar em golo de Quaresma.