Britney Jean Spears e Susana Rita Romana nasceram com cerca de duas semanas de diferença, na recta final do Outono de 1981. Esta coincidência calendar é provavelmente o único ponto que tenho em comum com a cantora, já que o distante eixo entre as maternidades de São Julião da Barra (em Oeiras) e de McComb (no Mississipi) não permite mais semelhanças. Estamos portanto as duas com 34 anos, mas os 34 anos da Britney Spears parecem-me, a esta distância, uns 64.

[“Make Me”, o novo single de Britney Spears]

Sucesso massivo, lugar na história da pop, polémicas, recordes, relações amorosas estrondosas, um casamento de 50 horas, outro casamento com um rapper chunga, dois filhos com direito a novela de custódia, colapsos nervosos com toda a gente a assistir de poltrona – e eu parece que ainda passo os meus dias nas emoções simplórias de andar à bulha com o Word, carregar o passe do metro e ver qual dos hipermercados vende o arroz basmati mais barato.

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Mas a verdade é que a cantora que se tornou célebre de totós e uniforme escolar me parece bem mais velha do que eu. E não, não é só por causa do meu quase absurdo síndrome de Peter Pan. Britney Spears já não vai em digressão – estacionou o seu espectáculo nos neons de um casino em Las Vegas, como uma diva quinquagenária. Britney Spears já não soa a jovem — está nas redes sociais (nomeadamente o Instagram) como a nossa mãe ou tia ou professora da primária que usa e abusa de fotos bimbas mastigadas, frases feitas com indirectas sobre o sentido da vida, imagens patrióticas e/ou religiosas e vídeos dos filhos.

Britney Spears já não é a nova vaga – é a senhora mais velha e experiente que já vaticinou sobre o sangue novo como jurada no X Factor, onde até o miticamente cruel Simon Cowell garantiu que ela era a mais mazinha do júri. Britney Spears já não quer ser a melhor — e parece-me sempre vagamente cansada, talvez até aborrecida, como quem já viu e já fez de tudo e agora se limita a ter um emprego. Um emprego porreiro e no qual faz por cumprir (o playback é usado com muito mais parcimónia do que noutros tempos), mas um emprego.

Numa altura em que as estrelas pop do momento — como a omnipresente e control freak Taylor Swift — levam quase a desporto olímpico a supervisão de tudo o que é publicado sobre elas, há alguma saudade em recordar a cantora de “Toxic” em 2007, desvairada da vida, guarda-chuva feito sabre de luz improvisado, a bater em fotógrafos e a rapar o seu próprio cabelo no cabeleireiro Esther’s, na Califórnia.

A minha saudade não é cruel – é óbvio que estávamos perante um momento de ruptura e desvario. Mas caramba, que libertador ver alguém a mostrar-se humano e falível num mundo da pop cada vez mais planeado ao detalhe, como se todos os cantores fossem sempre seguidos por um enorme batalhão de especialistas em marketing montados em Segways. A Britney Spears podia ser nossa vizinha. OK, talvez aquela vizinha irritante que anda de saltos altos às sete da manhã, não apanha o cocó de cão e deixa os filhos andarem a tocar às campainhas. Mas mesmo assim, nossa vizinha, daquelas que vão buscar o correio em fato de treino.

britney glory

A capa do novo álbum de Britney Spears, “Glory”

A sua história de vida, imperfeita e por vezes até brega, é determinante para que em 2016 ainda falemos de Britney. Glory é o seu nono disco. Eu, que até acompanho a carreira, não tinha noção que já eram nove. As canções que escolheria num karaoke mal iluminado pararam talvez há uma década. Mas Spears já nem precisa de êxitos, porque nunca lhe passou o epiteto de Princesa da Pop. Qual “Groundhog Day”, está presa nesse momento e será princesinha mesmo com 60 anos. Parece pouco, mas não é: a família real da pop é muito diminuta. Poucos são os que aguentam os títulos de nobreza para lá da excitação do primeiro single que acerta no airplay, mas Madonna será sempre a rainha, Michael Jackson será sempre o rei e Britney Spears será sempre a princesa. É uma instituição.

E essa noção de instituição completou o círculo. Artistas de renome no circuito mais rockeiro ou alternativo, como os Queens Of The Stone Age ou Lana Del Rey, reconhecem-lhe importância. Se “Toxic” ou “Gimme More” passarem na cave mais hipster do Cais Sodré, a pista vai encher. E se o tipo mais barbudo e enjoado do vosso escritório for apanhado a ouvi-la no Spotify, não acreditem quando ele disser que só o faz ironicamente. Ele come quinoa e bebe cerveja artesanal ironicamente. Mas canta o “Baby One More Time” com convicção.

E mais 7 vídeos para (re)ver sempre

Leave Britney Alone

Em plena era do degelo mental de Britney Spears, corria o ano de 2007, um fã insurgiu-se contra as críticas à cantora. Foi um viral como raras vezes se viu antes do advento das redes sociais. “Leave Britney alone” é umas das frases da década, mas até hoje ninguém sabe se Chris Crocker estava a falar a sério ou a mostrar os seus dotes de actor.

“Toxic”, cover de Yael Naim

A cantora franco-israelita é um dos casos na música dita alternativa a abraçar o fenómeno Britney, dando assim aos céticos e aos cínicos luz verde para perceberem que “Toxic” é um malhão daqueles que surgem muito raramente, um cometa Halley da pop perfeita.

MTV VMA, 2001, Slave For You

A PETA não gostou, o resto do mundo delirou. Britney Spears assumiu a sua persona mais sexualizada com uma gigante piton albina. Não, não foi uma escolha inocente.

https://www.youtube.com/watch?v=F5Mg4l3cdcI

Anúncio a doces japoneses, 1999

Britney Spears já vendeu de tudo, desde perfumes a latas de Pepsi. Mas se “Lost In Translation” nos ensinou algo é que as grandes estrelas ocidentais só atingem o pico quando fazem bizarros anúncios japoneses. Nem Andy Warhol se safou, quanto mais a teenager mais popular do planeta.

X Factor, 2012

Britney Spears durou apenas uma temporada como jurada do X Factor. Alguns acusaram-na de ser aborrecida, outros de esconder uma aguçada crueldade por baixo do sorriso Pepsodente. As caretas fizeram maravilhas pelos memes de internet.

Everytime, 2004

Um vídeo com storytelling e sem passos de dança, mais introspetivo do que o habitual na carreira da cantora, que muitos tomaram como autobiográfico – cena de aparente tentativa de suicídio incluída. Foi uma das primeiras canções a surgir depois do fim da relação com Justin Timberlake. Neste mesmo ano Britney casa com Kevin Federline, um tipo que faz Vanilla Ice parecer um rapper a sério.

Oops, I did it again, 2000

Se um dia um historiador com demasiado tempo livre quiser saber o qual era o conceito de “fixe” para os adolescentes na viragem para o século XXI, só precisa de ver estes quatro minutos de cápsula do tempo.

Susana Romana é guionista e professora de escrita criativa