É dia de contas, mas das contas que iam fazer a história nas horas seguintes pouco se falou. O problema do debate quinzenal desta sexta-feira é que não se podia debater aquilo que era suposto debater. A poucas horas de ser apresentado o Orçamento do Estado, o que podiam os deputados perguntar ao primeiro-ministro? Podiam perguntar tudo. António Costa também poderia responder a tudo. Mas não foi isso que fez. Escolheu. Respondeu a uma única pergunta sobre o Orçamento. Tudo combinado e ensaiado. Foi o que pareceu.

A única resposta concreta que respondeu sobre o OE foi ao Bloco de Esquerda. Sobre as pensões, um dos aspetos de negociação mais difícil, Catarina Martins quis saber onde é que se vai “buscar” o dinheiro para aumentar o rendimento das famílias. Mas a pergunta era retórica e comportava a sua resposta: “Não deve ser aos rendimentos do trabalho. Para sermos justos temos de distribuir outras formas de rendimento ou riqueza”. Era a dica para António Costa responder…

… e dar a notícia da manhã sobre o Orçamento do Estado, um dado que não tinha transpirado para os jornais nos últimos dias. O destino das verbas do novo imposto imobiliário:

A proposta de orçamento que hoje dará entrada vai deixar de uma forma inequívoca qual a função e razão de ser da tributação dos grandes patrimónios imobiliários. A razão [é ser] uma fonte de diversificação da Segurança Social, ser um contributo para o reforço de sustentabilidade da Segurança Social. Essa receita será consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). Não vai ser um imposto para pagar despesa em 2017″.

O imposto do imobiliário deve assim reverter para o mesmo FEFSS que o Governo queria utilizar para a reabilitação do património edificado. O Executivo chegou a apontar para a utilização de cerca de 10% do dinheiro do FEFSS para esse fim. Eram cerca de 1.400 milhões de euros para financiar a reabilitação urbana: “Para criar um novo segmento de rendimento acessível no mercado, o Governo vai ele próprio investir através do Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social cerca de 1.400 milhões de euros na recuperação do património, alargando as fontes de financiamento da Segurança Social”, chegou a afirmar o primeiro-ministro. Esta medida nunca avançou. Não parece que seja em 2017. E não se sabe se existe alguma relação com o novo imposto.

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Ao contrário do que fez em relação a Catarina Martins, o primeiro-ministro não respondeu às perguntas de Assunção Cristas sobre o Orçamento. A líder do CDS havia de protagonizar o momento mais colorido da manhã, ao oferecer um embrulho com um laço, com gráficos para o primeiro-ministro analisar. “Trouxe-lhe um presente que pode usar, pus uma fita cor-de-rosa”, e ironizou que mostrava a “variação homóloga” do investimento. Era uma blague em resposta ao número artístico de Costa no último debate, em que levou uma série de gráficos para acabar com aquilo que qualificou como “os mitos da direita”.

O tom delicado usado pelo chefe do Governo para responder a Catarina Martins ou a Jerónimo de Sousa depois de dias de negociações difíceis para o Orçamento de Estado contrasta com as respostas à direita (garantiu ao PCP que iam desaparecer parte das rendas excessivas na energia). Tratou Cristas com ironia e Passos com desdém.

Quem abriu o debate foi o PSD. Mas Pedro Passos Coelho continua com a sina dos líderes da oposição que não conseguem levar os primeiros-ministros a jogo. Nem quando Passos lhe perguntou por que razão se financia Portugal a taxas que são três vezes superiores às de Espanha — que não tem Governo — obteve uma resposta. António Costa respondeu assim: “Como sabe, a evolução das taxas de juro são explicadas pela forma como foi gerido pelo seu Governo, e que me escuso de adjetivar, toda a consolidação do sistema financeiro. Sabe bem o que quero dizer.”

O líder do PSD anda a insistir nas mesmas questões de há 15 dias para obter as mesmas respostas. Foi mais uma vez ver Passos a perguntar sobre o fraco crescimento, abaixo das estimativas. E Costa a responder ao lado com a quebra do desemprego para mostrar que o que importava mesmo estava a crescer (o emprego). A declaração de impotência política de Passos Coelho ficou exposta nestas frases: “O senhor primeiro-ministro não respondeu. Não responde às perguntas que lhe fazem. Perguntei o que é que justificava o menor crescimento. Mas não vale a pena fazer perguntas, porque não sabe responder ou não quer”. A sondagem do Expresso dava hoje o PS a distanciar-se do PSD. Em dia de contas, estas contas vão dando mais folga a Costa e acentuando o défice de Passos.