Era uma saída, transformou-se numa oportunidade. Marcin Czyza, financeiro polaco, estava a trabalhar em Amesterdão quando começou a receber emails dos clientes de Londres. Estavam “em choque” com o resultado do Brexit, a ponderar deixar o Reino Unido, por causa da “turbulência política” que acreditavam que ia surgir com a saída da União Europeia. Quando contactaram Marcin, queriam trocar de empregos. Ir para outra cidade, outro país. Ter outra oportunidade.

Enquanto as empresas discutem a mudança de operações para outros países europeus, Marcin, 33 anos, viu a possível “fuga de cérebros” do Reino Unido como uma oportunidade para desenvolver um negócio seu: criou o Expat Exit. Para ajudar as pessoas que não se querem sentir “excluídas” dos mercados europeus e internacionais.

Sem ter vivido ou trabalhado no Reino Unido, Marcin lançou uma plataforma de recrutamento online para ajudar os migrantes que não querem ficar à espera dos resultados das novas políticas britânicas. Destina-se, sobretudo, a estrangeiros que mudaram as suas vidas para irem trabalhar para o Reino Unido. E que agora querem mudá-las outra vez. Já há mais de mil pessoas registadas. E algumas são portuguesas.

Eu negocio contratos com as empresas, como uma agência de recrutamento ‘normal’ que traz pessoas altamente qualificadas e especialistas para as empresas. Algumas estão mais disponíveis para recrutar pelo meu site, então nós contactamos os candidatos que podem estar disponíveis para se juntar a determinada empresa”, explica Marcin Czyza ao Observador.

A “fuga de cérebros” do Reino Unido para outros países europeus é uma das consequências previstas do Brexit. A maioria dos que se candidatam no Expat Exit trabalham nos serviços financeiros, onde “um em cada cinco trabalhadores não é britânico”, refere um estudo da consultora Mercer, citado pela agência Bloomberg. Os outros trabalham em Tecnologias da Informação (IT) e consultoria .

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Londres é um centro financeiro e isso é uma explicação para haver tantos registos de pessoas desse setor. Estas pessoas podem estar um pouco assustadas com as oportunidades de trabalho no futuro”, explica.

Na plataforma criada pelo polaco, cada candidato preenche um questionário onde indica as habilitações, competências, experiências profissionais e as cidades ou países para onde mais lhe interessa mudar-se.

O projeto está a andar. Com estes recentes acontecimentos políticos [ativação do artigo 50 do Tratado de Lisboa pela primeira-ministra britânica Theresa May, na semana passada, que inicia o processo de saída do Reino Unido da UE] temos tido mais visitantes e mais registos todos os dias”, conta.

“Portugal tem boas hipóteses de conseguir um pedaço do bolo”

Há candidatos na casa dos 30 anos, e mais novos – millennials -, mas há também gestores seniores à volta dos 40, que procuram um novo desafio profissional fora do Reino Unido. São, na sua maioria, cidadãos europeus: alemães, franceses, polacos, italianos, espanhóis e portugueses.

Os destinos que aparecem à cabeça são Frankfurt, para candidatos do setor financeiro, mas também Paris, Amesterdão, Zurique ou Berlim. “A maioria põe algumas opções, diferentes cidades e países. Mas noto também que, para pessoas de IT, por exemplo, é importante mudar de estilo de vida. Especialmente os millennials que começaram a perceber que o trabalho não é tudo e que também é preciso ter qualidade de vida”, refere.

Portugal também faz parte da lista dos destinos preferidos dos candidatos. Para Marcin, a escolha de Portugal tem que ver precisamente com a “qualidade de vida”, que diz ser “muito maior” do que no Reino Unido, por exemplo. O clima, a comida, claro, mas também o ecossistema empreendedor que com a vinda da Web Summit começou a ser falado lá fora.

Acredito que Portugal tenha boas hipóteses de conseguir um pedaço do bolo das pessoas que estão a sair do Reino Unido. Há uma grande hipótese de receberem algumas pessoas muito qualificadas. Sei que a Web Summit se mudou para Portugal e as pessoas também sabem disso. Não é só mudar-nos [para Portugal] porque parece bom. As pessoas vão conhecendo o ecossistema, as startups, e é por isso que o país tem aparecido como uma opção”, considera.

Por cá, encara-se também o Brexit como uma oportunidade. Na semana passada, o Conselho de Ministros aprovou a criação de uma estrutura de missão temporária – Portugal In -, que tem como objetivo atrair empresas para Portugal que pretendam permanecer no espaço europeu depois do Brexit.

“Tenho estado em contacto com gestores de marketing de vários países e o escritório de Lisboa foi o mais cooperante de todos os países com quem falei. Cederam-me muito material para o website. Fazem um trabalho incansável na promoção de Lisboa”, refere. “Talvez seja o meu destino para este verão”, acrescentou Marcin.

Para já, o Expat Exit funciona como uma plataforma de recrutamento, mas a ideia do polaco é transformá-la num “negócio” dentro de um mês.

“O Reino Unido não tem boas cartas neste jogo”

Dependendo dos termos da saída da União Europeia, refere Marcin, o Reino Unido pode ver muitas empresas “a moverem-se para a Europa continental” pela impossibilidade de terem acesso ao mercado europeu.

Na semana passada, foi divulgado um estudo da associação comercial inglesa Ukie que indicava que 40% das empresas da indústria dos jogos digitais, com sede no Reino Unido, estão a considerar deixar o país depois do Brexit. A grande preocupação da indústria é que, com a saída da UE, o país atraia menos talento internacional, dado que 57% das empresas empregam pessoas da UE e 61% admitem depender de colaboradores “internacionais altamente qualificados”.

“Isso vai ter um efeito péssimo na economia e na sociedade britânicas”, nota o polaco. Mas, no momento, o fundador do Expat Exit considera que o Reino Unido ainda é “um bom país para trabalhar, onde se conseguem boas oportunidades de trabalho”. No entanto, Marcin Czyza acredita que “há um grande risco que a economia britânica vá sofrer” com a saída do espaço europeu.

Quando a economia sofre, não há tantas oportunidades de trabalho e podes mesmo perder o teu. Viver em Londres continua a ser caro. A maioria das pessoas sentem que o Brexit pode ser mau, têm medo de perder o emprego e por isso estão a procurar lugares onde possam construir uma carreira, sem ter de se preocupar com o futuro. Outras pessoas sentem simplesmente que a União Europeia é a sua casa e querem continuar a viver nela”, considera.

Quanto ao futuro e às consequências do Brexit, Marcin é perentório: “Ninguém sabe”. “A primeira-ministra Theresa May não sabe, a UE a também não. Há muitos fatores em jogo no processo de negociação. Mas acho que o Reino Unido não tem boas cartas neste jogo. O país acredita que vai sair mais forte depois do processo de negociações. E é isso que preocupa as pessoas [contra a saída da UE] e é por isso que pensam em sair do Reino Unido. Mas a verdade é que ninguém sabe o que vai acontecer depois das negociações”, considera.