O menino querido da política britânica, que muitos dizem ser o homem ideal para liderar os trabalhistas, regressou à arena política com uma “opinião-pedra-no-charco”. David Miliband, ministro dos Negócios Estrangeiros entre 2007 e 2010 e atualmente diretor do International Rescue Committee, assina este sábado um cáustico artigo de opinião no semanário The Observer onde defende que os britânicos deviam ter a oportunidade de votar uma segunda vez para decidirem se o futuro do país deve mesmo passar por uma cisão com a União Europeia (UE).

Passou mais ou menos um ano desde que o Reino Unido chocou a Europa escolhendo, através de um referendo, a 23 de junho de 2016, cortar os laços com a UE. Desde essa decisão, mais nenhuma parece ser simples de tomar. Há meses que os negociadores de um lado e de outro andam às voltas para tentarem encontrar um terreno comum de negociação. Mas tão distantes são as expectativas do governo conservador de Theresa May daquilo que a UE parece estar disposta a ceder, que ainda nada de palpável se decidiu.

No artigo, David Milliand argumenta que o Brexit é um “ato de auto-mutilação económica sem paralelo” e pede aos partidos que se unam para evitar que os conservadores “mandem o país de uma ravina abaixo”. O futuro do país, escreve, “deveria ser decidido com um segundo voto aos termos da saída — ou através de um referendo ou pelo parlamento” — e considera que delegar as negociações em Theresa May, primeira-ministra, e David Davis, ministro para o Brexit, “é uma ilusão, não apenas uma abdicação”.

A intervenção de Milliand, que perdeu para o irmão a liderança dos trabalhistas, pode ter mais do que uma leitura. Há rumores que falam de uma atividade algo febril nos bastidores de Westminster para a criação de um partido anti-Brexit que possa unir as pessoas, cada vez mais descontentes com o caminho que as negociações estão a tomar.

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As sondagens mostram que, se o voto fosse repetido — apesar de não ser isso que Milliand defende no artigo –, dois terços votariam para que o Reino Unido permanecesse na Europa. Uma outra forma de ver este “regresso” à política nacional, é o consenso geral de que todos os partidos devem lutar para que o país permaneça na área económica europeia, pelo menos durante um período de transição mais alargado do que o limite para a saída (29 de março de 2019).

A outra opção, que assusta economistas e políticos, passa por tentar aceder à Organização Mundial de Comércio (WTO, na sigla em inglês). Um documento de análise do próprio Ministério das Finanças, a que a imprensa britânica teve acesso, fala de “sérias consequências para os consumidores” se o Reino Unido de facto se associar à WTO.

“Os consumidores britânicos não teriam acesso ao fim das taxas de roaming, a qualquer compensação por voos atrasados ou férias canceladas, proteção e seguros dos bens adquiridos na Europa”, lê-se no documento, que também refere que o fim da ligação ao mercado único significaria um imposto sobre os produtos britânicos que não existe agora dentro dos acordos de comércio livre que a Europa — e, assim, o Reino Unido — mantém com mais de 50 países. Todo o processo de negociação lhe parece agora “um processo de ‘desmexer’ uns ovos feitos de legislação comum que pode levar décadas”.

Dedicando depois algumas linhas à situação política dos Estados Unidos, onde atualmente vive, Milliband escreve que “a doença política transatlântica tem uma causa comum: políticas apoiadas naquilo que repudiamos e não nas coisas que queremos atingir em conjunto”.